Brasil - Outro aspecto chave do pensamento de Mill é o antagonismo evidente que coloca entre a autoridade e os súbditos na antiguidade e os cidadãos no mundo contemporâneo. Esta autoridade não se resume simplesmente no plano político.


Fonte: club-k.net

Entende que a autoridade sempre foi um empecilho no exercício da liberdade. Esta autoridade não é exclusivamente política, mas também religiosa, os costumes tradicionais e a opinião pública dominante que, frequentemente, são confundidas com a verdade. Sem perder de vista o contexto em que Mill escreve à Inglaterra vitoriana, atente ao argumento que se segue para sustentar a tese anterior: “Nos dias de hoje, os indivíduos estão perdidos na multidão. Em política, é quase uma trivialidade dizer que agora a opinião pública governa o mundo. O único poder que merece esse nome é o das massas e o dos governos, que constituem o órgão das tendências e instintos da massa. Isso vale tanto para as relações morais e sociais da vida privada, como para as transações públicas. O que se chama de opinião pública nem sempre é a opinião da mesma espécie de público: nos Estados Unidos, o público é toda a população branca; na Inglaterra, principalmente a classe média. Porém, formam sempre uma massa, isto é, uma mediocridade colectiva. E o que é uma novidade ainda maior, a massa não recebe suas opiniões de dignitários na Igreja e no Estado, de líderes manifestos ou de livros. O que pensam é criado por homens muito semelhantes a eles mesmos, os quais se dirigem a eles ou falam em seu nome, impulsivamente, por meio dos jornais.” (1991, p.101).


Cuidado com esta caracterização dos públicos porque Mill escreveu o livro no século XIX. O que diz sobre esta categoria não corresponde com a realidade contemporânea, nem da Inglaterra, nem dos EUA.


Comentando o pensamento de Mill, Lima (2010, p.51) defende que a “ameaça à liberdade — em particular à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa — tem sido identificada no espaço público agendado pela grande mídia como vindo exclusivamente do Estado, mesmo que estejamos a viver num Estado de Direito, em pleno funcionamento das instituições democráticas”. Significa que para Mill a liberdade de expressão não tem como única ameaça o poder do estado. Embora, ele recomende vivamente ao poder político para que não restrinja o exercício da liberdade porque entende que é condição indispensável para a saúde mental do indivíduo e da sociedade como um todo sistêmico.


Apesar desta suspeição em relação ao estado como o inimigo número um na privação dos direitos individuais e coletivos, particularmente da liberdade de expressão, de imprensa e de pensamento, hoje existe um entendimento moderado, que se pode divisar no professor estadunidense Owen Fiss, que defende o estado não como algoz da liberdade,  mas promotor.  “Nós temos de aprender a aceitar esta verdade cheia de ironia e contradição: que o estado pode ser tanto um inimigo como um amigo do discurso; que pode fazer coisas terríveis para desestabilizar e minar a democracia, mas também algumas coisas extraordinárias para fortalecê-la” (FISS, 2005, p.144) ,  e isto muitas vezes acontece, segundo Fiss, quando o estado, em nome da justiça, eleva uns e silencia outros (ação afirmativa por exemplo) e por meio da alocação ativista do estado.(Cf. 2005, pp.27-139). Não se pode perder de vista o contexto em que o estudo e a teoria foi evocada nos EUA. Um país com uma longa tradição de liberdade de expressão, prova disto é que a primeira emenda proibe qualquer regulação da imprensa. Não se pode esquecer também que ali o estado regula o mercado para servir os cidadãos (apesar das controvérsias do neoliberalismo), ao contrário dos totalistarismos ferozes que avançam na África, entre os quais Angola se destaca. No contexto Angolano, por exemplo, não faz sentido falar de um estado amigo da liberdade. É de todo ao contrário(...). 


A liberdade de imprensa, no liberalismo de Mill, encontra sua justificativa na medida em que permite a circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na sociedade — vale dizer, garante a universalidade da liberdade de expressão individual ou do direito à comunicação —, condição sine qua non para o aparecimento da verdade, embora nada garanta que ela venha a prevalecer. (LIMA, 2010, p.51).


O pensamento de Mill gerou muitas críticas, do forum eminentemente filosófico, que não seria ideal evocar no presente artigo, mas podem ser encontradas em SIMÕES, 2008, pp.16-47; MURCHO, 2011, p. 3ss; TORRES, 2005, p.14ss.


Com os ensinamentos de Mill, pode-se, mais uma vez, reiterar a importância da liberdade de expressão. Por outro lado, atualizando o conceito de opinião pública que para Mill configurava já a tirania da maioria, com os hábitos e costumes se apresentavam como autênticos perigos à liberdade, hoje se colocaria mais uma vez a mesma opinião pública, mas de forma alargada e a grande mídia com seu turbilhão de informações como perigos à liberdade. Não menos delicado é o mundo virtual que pela quantidade e velocidade de informações que apresenta e oferta, e muitas vezes desconectadas e descontextualizadas retira aos indivíduos a possibilidades de analisarem criticamente os dados, pondo em causa a sua autonomia, mas em nada se pode deixar de reconhecer as suas virtudes para o progresso humano desde o século passado ao futuro longínquo.