Luanda  - SE AINDA ESTIVESSE entre nós, Pedro de Castro dos Santos Van- Dúnem, ou simplesmente Comandante Loy, teria celebrado 70 anos de idade, a 9 de Fevereiro de 2012. Conheci-o pessoalmente, em Luanda, no pós-25 de Abril de 1974, numa altura em que o comandante Bula e ele dirigiam a Logística das FAPLA.


Fonte: Novo Jornal


Mas os meus contactos directos com Loy aprofundaram-se quando, em Janeiro de 1989, foi nomeado Ministro das Relações Exteriores com a missão de, como observou o presidente José Eduardo dos Santos ao empossá-lo, consolidar e ampliar o prestígio e a autoridade de Angola no plano internacional, defender com firmeza os interesses do Estado, manter e desenvolver a nossa diplomacia activa e construtiva na defesa das causas nobres. Como chefe da diplomacia, Loy esteve apaixonadamente associado ao rapprochement com: i) o Congo Kinshasa - Zaire, então liderado por Mobutu Sesse Seko, com quem Loy dialogou, a 22 de Fevereiro de 1989, no Japão, à margem das exéquias do imperador Hirohito.


De Tóquio nasceu o processo conducente aos Acordos de Gbadolite (1989), mediados por Mobutu, com quem Loy encontrou-se dezenas de vezes, no Congo e não só, para negociar a paz e a cooperação bilateral.


Estou recordado da empatia, da fluidez no diálogo, do respeito mútuo e da relativa informalidade caracterizantes dos encontros entre Loy e Mobutu. Tanto assim era que já sucedeu, em plena audiência, e tal como John F. Kennedy também fazia com maîtrise, Mobutu ter trazido a sua filhinha, que aparentava ter 5 ou 6 anos de idade. A presença ingénua da criança mesmerizou-nos a todos e envolveu o ambiente do diálogo por uma névoa humana, de distensão e deslumbramento; ii) a África do Sul, país com o qual Loy defendia contactos directos, porquanto na sua grande estratégia, ambos os países deviam construir uma special relationship para coliderar a África. Daí que, no âmbito da implementação dos Acordos de Nova Yorque (1988) e do estabelecimento da cooperação bilateral, Loy e o seu homólogo sul-africano Pik Botha tivessem mantido regularmente encontros de aproximação e degelo, que culminaram com a visita do último à Angola, em Março de 1990. A par do simbolismo de ter sido a primeira de um alto dirigente político sulafricano à Angola, a visita representou um marco histórico no processo de desdilematização da segurança nas relações entre os dois Estados; e iii) os EUA, onde, desde o início dos anos 80 – com a cumplicidade positiva, solidária e qualificada de figuras como Chief Fernandez, Jacinto Veloso, os Rockfeller, Howard Wolpe, Frank Ferrari e outros – Loy esmerouse na promoção do bom nome e da imagem de Angola, como um bom destino para investimento e financiamento e como um parceiro incontornável para o alcance da paz, segurança e desenvolvimento de África.


Na sua obra High Nooon in Southern Africa (1992), Chester Crocker observa que ‘‘a impressão deixada por Loy diante dos ocidentais foi a de uma pessoa de fala mansa, do tipo angelical. A sua missão nos EUA visava sensibilizar os Americanos e promover o estreitamento das relações.’’ E Loy contribuíu substantivamente para esse feito, mercê da sua realpolitik. No dizer de John Sassi – lobbista norteamericano que trabalhou para Angola nos idos anos 80 e 90 – Loy era respeitado em Washington e falava a linguagem que os americanos compreendiam e apreciavam.


Um dos pontos mais altos do seu envolvimento no processo de paz esteve patente em Washington, a 12 de Dezembro de 1990.


Nesse dia, Loy e Jonas Savimbi encontraram-se respectiva e separadamente com James Baker (EUA) e Eduard Shevardnaze (URSS), numa engenharia diplomática demonstrativa que a doutrina Brejnev e a guerra fria, em Angola, pertenciam e pertencem à história. As imagens persistentes que retenho de Loy são a sua simplicidade, afabilidade, paixão por flores e jardinagem, humanismo e patriotismo, tendo sido dos mais cerebrais, mais versáteis e mais competentes quadros políticos da sua geração.


Como um dia observou lapidarmente o Cardeal Dom Alexandre do Nascimento, Loy foi ‘‘homem da raiz [...] que se embrenhou viva e apaixonadamente pelos caminhos da governação [...] fez parte da juventude doirada de Luanda nos finais dos anos cinquenta.’’ Ao evocar a feliz memória de Loy, não posso deixar de aludir à sua ligação com Agostinho Neto de quem foi um bom discípulo.


Quis o destino que, em momentos cruciais da história de Angola e das suas vidas pessoais, ambos estivessem juntos fisica ou espiritualmente e testemunhassem um pelo outro um voto de confiança política ou um preito de homenagem. Três exemplos nos ocorre referenciar, a saber: i) a 25 de Abril de 1974, por altura da Revolução dos Cravos, Loy encontrava- se com Neto no Canadá, em missão político-diplomática; ii) em Agosto de 1979, sensivelmente um mês antes da sua morte, ao discursar em Malange num comício concorrido, com a saúde debilitada e a voz ‘‘falsificada,’’ Neto pediu a Loy, então Ministro da Coordenação Provincial, que continuasse o seu discurso, exprimindo as conclusões dos trabalhos; e iii) a 17 de Setembro de 1997, sensivelmente uma semana antes do seu inesperado passamento, Loy declarou que Agostinho Neto ‘‘continua a ser o espelho e a baliza de acção de muitos de nós [...].


O seu pensamento, traduzido em acções, mexeu e continuará a mexer com todos nós fiéis discípulos, que nunca se esquecerão que o mais importante é resolver os problemas do povo.’’ A personalidade político-visionária de Loy – o eterno menino de Gangajuze-Catete – e a sua forma pragmático-patriótica de ser e de estar em Angola e no mundo ficarão para sempre registados no panteão da nossa memória colectiva.