Luanda - David Mendes. Terça-feira 20 marcou a última intervenção deste como advogado de acusação no “caso Quim Ribeiro”. As duas famílias uniram e pediram, mesmo, a saída do causídico que, no último dia, evitou a desvalorização das provas apresentadas pelo Ministério Público.


*Mariano Brás
Fonte: A Capital


quim ribeiro tribunal.jpg - 21.54 KbDepois de uma semana ausente, David Mendes reapareceu no tribunal. Questionado, pelo juiz, sobre as razões da sua ausência, sobretudo numa altura em que já se cogitava que tinha abandonado o caso, além de estar perante uma recusa das famílias das vítimas em mantê-lo como  advogado, ele surpreendeu a audiência.  O advogado David Mendes disse, em tribunal, que se manteve ausente do julgamento por haver poucos advogados em Angola “para atender a determinados casos”, razão pela qual “eu e o meu colega”, no caso William Tonet, “temos concertado para que quando um está, o outro vai”, acrescentou.


Não haveria qualquer problema aqui se o colega que David Mendes citou não fosse, justamente, William Tonet que, no julgamento em questão, faz parte da equipa que defende os réus que, entre vários crimes, são acusados do assassinato de Domingos Francisco João e de Domingos Mizalaque. David Mendes, porém, fazia parte da acusação, enquanto representante da família das vítimas.


Mas suas explicações sobre a ausência prolongada do julgamento incomodaram, sobretudo, o juiz Jesus Alberto que as entendeu como uma “falta de respeito” ao tribunal e à família das vítimas que o constituíram como advogado.

 

Mas na segunda-feira, 19, o destaque no julgamento do ‘caso Quim Ribeiro’ foi para as explicações de David Mendes sobre a sua ausência tão prolongada. Mais do que isso, ele demonstrou alguma contradição com os familiares das vítimas, sobretudo com Francisco Domingos João que, na semana anterior, tinha escrito ao tribunal a manifestar a intenção de suspender o vínculo que ligava o causídico à sua família.

 

“O senhor Francisco João, que assina a procuração, não é mandatário da família”, disse o advogado em tribunal, acrescentando que, antes de se deslocar para lá, falou com outros “familiares que disseram que o mesmo não os representava e que poderia, sim, continuar com o caso”.

 

Mas não foi o que aconteceu. Ambas as famílias escreveram, no dia seguinte, para o advogado e, mesmo, para o juiz no mesmo sentido do pedido anteriormente formulado por Francisco Domingos João. As cartas, subscritas, nomeadamente, pelas viúvas Cristina Cassange e Francisca Ganga, respectivamente, esposas de Joãozinho e de Mizalaque, reiteravam a vontade das famílias em não pretenderem continuar a serem representadas no julgamento pelo advogado David Mendes.


Este, no seu último dia, referiu que abandonaria o processo mas não pelas razões enunciadas pelas famílias das cartas que endereçaram a si ou ao tribunal. O advogado queixou-se de ameaças de morte, dirigidas a si e à sua família, e disse ainda que alguém, sem identificar nomes, estava a aliciar as famílias das vítimas com carros e outros meios como casas para afastá-los do processo.

 

“Isso não corresponde com a verdade”, comentou Francisco João, irmão mais velho do malogrado Joãozinho. Para ele, as declarações de David Mendes não passaram de uma fuga em frente, porquanto, nem Francisco João, nem qualquer um outro membro da sua família estão a ser influenciados por terceiros. “Ninguém nos prometeu nem casa, nem carro”, apontou o cidadão para reforçar que, no seio de ambas as famílias, o sentimento é comum: “que se faça justiça”.


Por outro lado, Francisco garantiu que, em momento algum, a família mostrou solidariedade para com David Mendes. “É mentira”, afirmou ao acrescentar que “ele não falou com ninguém, andamos atrás dele desde que começou o julgamento e nunca estava disponível, sequer, para nos atender”.


Tudo isso, segundo Francisco, conduz à uma realidade.
“Ele simplesmente não tem tempo”, ressaltou no sentido de que foram essas situações acumuladas que os levaram a tomar a decisão de suspender as actividades do advogado neste processo. Assim, como consequência, todos os poderes, relativamente à acusação, foram passados para o ministério Público.


Ante um “invisível” Golias, lá se rendeu David


No dia 20, que marcou o fim da sua condição de advogado de acusação no processo em julgamento, a prestação de David Mendes foi, entretanto, digna de nota. Os advogados dos réus pressionaram o tribunal no sentido de declarar ilegais os registos telefónicos apresentados como provas por, alegadamente, não se terem seguido os trâmites legais para a respectiva obtenção. Num momento em que o juiz já se preparava para deferir o pedido, foi alertado por David Mendes para o risco que tal acarretaria para o próprio processo em si. Depois de um intervalo de alguns minutos, durante os quais os réus já esfregavam as mãos de contente, o juiz voltou e indeferiu o pedido, argumentando que afinal a Procuradoria Militar ou o seu Procurador tinham, sim, legitimidade para requisitar registos telefónicos.


Uma “unidade” dentro de outra


Na 32ª esquadra da Polícia no antigo Kilamba Kiaxi tinha sido criado um posto policial avançado, cujos responsáveis, hoje réus no processo, agiam sem prestar qualquer satisfação ao comandante da referida unidade.


Quem confirmou foi o comandante daquela esquadra policial, Óscar João Carvalho, chamado ao tribunal na condição de declarante. Ele disse, entre outras coisas, que o posto avançado foi criado para fazer face a um elevado índice de roubos de viaturas e assaltos a bancos. Como a esquadra se situava num ponto estratégico, convencionou-se instalar, aí, uma unidade dentro da outra unidade.


Sobre o posto, respondia Paulo Rodrigues, na anterior condição de director adjunto da direcção provincial de investigação criminal, e a João Lango  Caricoco. Ele disse, ainda, que todos os integrantes do posto estavam afectos à tal organismo, portanto à DPIC, e não dependiam em nada da esquadra. Inclusive tinham meios próprios, sublinhou.


Embora, no princípio, tenha dito em tribunal que estava ali apenas para falar a verdade, o facto é que o depoimento de Óscar foi marcado com uma série de contradições, relacionadas, sobretudo com a existência, no tal posto avançado, de uma viatura hilux de cor branca.
A começar, ele disse que existia. Depois, ao ser interrogado pelo Ministério Público disse que não. Uma fotografia, então apresentada na Procuradoria, mostrava a viatura em questão justamente no pátio da unidade de que é comandante. Ele confirmou o local, até porque estava próxima do mastro que “eu próprio coloquei na esquadra”. Agora, como ela foi lá parar, “simplesmente não sei”, referiu. Na sequência disso, David Mendes, que ainda respondia pela acusação, optou por convocar o autor da fotografia para “prestar declarações”.


Foram ainda ouvidos, na última semana, o intendente Grego que desmentiu uma informação veiculada por este semanário, segundo a qual tinha sido preso pela Polícia. Foi também ouvido o oficial Lutero, acusado de ter ameaçado e de dar ordem de prisão a um superintendente da Divisão de Viana que o acusou de extorquir 100 mil dólares à família de um funcionário bancário. Por fim, ouviu-se Florinda Maurício, irmã de Anana Leandro, que confirmou que a amiga Rossana lhe disse que Quim Ribeiro pediu para dizer à sua irmã para ficar quieta.


O agente “secreto”


O antigo delegado dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (Sinse) no município de Viana, Júlio Jacinto, foi chamado a tribunal para prestar declarações no âmbito do ‘caso Quim Ribeiro’. A razão da respectiva convocatória foi o facto de no dia em que as vítimas foram assassinadas ter sido dos primeiros a fazer-se ao local, onde, conforme declarou, já se encontravam outros elementos, sobretudo afectos à Polícia Nacional, alguns dos quais hoje constituídos réus no processo.


Julinho, como também é conhecido, foi ouvido na segunda-feira, 19, mas dele não se colheu praticamente nada de relevante, não fosse a sua condição de oficial de inteligência o que, a princípio, o obriga ao máximo de sigilo face às actividades em que se envolve, do ponto de vista profissional.


Ele conta que soube do assassinato das vítimas por volta das 8 horas por intermédio de um colaborador seu, apenas identificado como Soares, que lhe passou os detalhes até então disponíveis sobre o sucedido. Na sequência da informação, ligou para Sebastião Palma, então chefe de investigação da Divisão de Viana da Polícia Nacional, hoje réu no processo, a questionar sobre o sucedido. Daquele recebeu como resposta um “não sei de nada” porque, afinal, o visado garantiu estar a caminho de um encontro com o administrador municipal de Viana, José Moreno, que já teve a oportunidade de rejeitar, em tribunal, qualquer encontro com esse réu no dia dos assassinatos.


No local do crime, para onde se deslocou o oficial, disse ter encontrado já Paulo Rodrigues, Galiano e um outro oficial, identificado como Grego, todos afectos ao comando de Viana. A eles, questionou sobre a identidade das vítimas e, em tom irónico, Paulo Rodrigues respondeu: “são basaltos, e foi um ajuste de contas”, citou palavras que, recordamos, foram pronunciadas numa altura em que a investigação nem sequer estava ainda em campo.


Lembrou, quando questionado a propósito pelo juiz, que conheceu uma das vítimas, Joãozinho, no caso, numa maratona musical no município de Viana, onde ele tinha montado uma barraca de comes e bebes. Conhecia-o, enfatizou, mas não ao ponto da relação entre ambos ser considerada uma amizade por não passar de, como disse, um “bom dia ou uma boa tarde”.


Mais disse que um dia antes da morte dele, encontraram-se na via pública e trocaram, curiosamente, alguns dedos de prosa. “Ele me disse que acabava de sair da cadeia, que estava a ser perseguido pelo Quim Ribeiro e pelo Viana, assim como tinha um encontro com o Ministro do Interior onde poderia apresentar a carta de denúncia”, contou. Questionado sobre se fez alguma informação aos seus superiores hierárquicos a respeito do caso, ele afirmou que fê-lo apenas verbalmente, isto é, a nível da província de Luanda, porque não tinha necessidade de o fazê-lo por escrito.


Já na instância de Sérgio Raimundo, aquele quadro dos serviços de inteligência levantou algumas dúvidas junto da assistência. A principal razão foi o facto de, habitualmente, conduzir uma viatura Toyota, de marca Hilux, de cor branca, a mesma marca, modelo e cora da viatura em que se faziam transportar os assassinos.


Sérgio Raimundo, entre uma série de perguntas, questionou o declarante sobre a razão pela qual fez-se ao local. Júlio respondeu que pretendia saber sobre o que se passava de concreto. Sobre a razão pela qual não fez um relatório dos assassinatos porque, afinal, tratavam-se de dois funcionários do Ministério do Interior, o oficial dos serviços de inteligência simplesmente disse que a informação que prestou foi verbal.


Por outro lado, questionado sobre se um ano depois desde que se passaram os assassinatos daqueles dois cidadãos já detinha informações sobre os autores do crime, ele respondeu que não. Por fim, foi questionado sobre se um crime de ordem comum não tem importância no organismo a que pertence, ele  respondeu que tem, mas sublinhou que cada caso é um caso.