O presente texto constitui o meu primeiro e modesto contributo a essa exegese. Antes de mais nada, não resisto a observar que o desfecho destas eleições confirma aquilo que algumas vozes diziam, sem que lhes fosse, até agora, concedido muito crédito: os 35 por cento alcançados pela UNITA em 1992 não correspondiam, já naquela altura, ao seu eleitorado efectivo (embora, previsivelmente, fosse superior aos 10 por cento atingidos agora).

Na verdade, essa votação deveu-se, em grande parte, à “reserva eleitoral” que a UNITA mantinha nas regiões que controlava militarmente, assim como a sua política de intimidação e de vigilância social, principalmente sobre os cidadãos originários da sua alegada base social natural. Derrotada militarmente em 2002, deixou de ser uma ameaça para muitos cidadãos, que agora puderam, enfim, votar em liberdade.

Muito antes das eleições, pelo menos um sinal importante apontava nessa direcção / a passagem de milhares de militantes da UNITA para as fileiras do MPLA, sobretudo nas províncias do Huambo, Bié, Kuando Kubango e Benguela, onde o referido partido venceu em 1992. Muitos deles tinham sido forçados, durante a guerra de 1975 a 1992, a pertencer à UNITA, como era prática conhecida desta última. Só não se apercebeu desse sinal quem não o quis. De todo o modo, a cifra alcançada pelo MPLA nestas eleições não constitui apenas um voto no referido partido, mas também um voto na paz, na estabilidade e na continuação das melhorias encetadas nos últimos seis anos. Apesar do MPLA ter aumentado exponencialmente o número dos seus militantes, pode afirmar-se, com segurança, que muitos cidadãos de outros partidos e até sem partido votaram no MPLA no passado dia 5 de Setembro.

Ao mesmo tempo, tratou-se de um voto, se não de exclusão, pelo menos de severa punição da UNITA, sobretudo por causa dos seus erros históricos. O ainda maior partido da oposição corre o sério risco de acabar como a FNLA, ou seja, como uma força residual.

O facto do MPLA ter vencido em todas as províncias confirma não apenas a natureza autenticamente nacional desse partido, mas também a diminuição da importância do chamado voto étnico. Este ainda não desapareceu completamente, mas parece inegável que, por uma série de razões, tende a tornar-se cada vez mais rarefeito.

Alguns comentaristas afirmam que nas Lundas aconteceu um voto étnico. Os autores dessa afirmação parecem esquecer os factos, isto é, que o MPLA ganhou nessa região. Sem desprezar a importância (relativa, insisto) da etnicidade, a boa votação obtida pelo PRS – partido originário das Lundas - deve-se principalmente, na minha opinião,
a um certo descaso a que o Leste do país tem sido votado por parte da governação.

Por seu turno, o caso particular de Cabinda impõe a todos aqueles que insistem em empolar o sentimento separatista existente na referida província uma urgente revisão das suas posições. Os resultados eleitorais mostram claramente que a tese separatista em Cabinda perdeu parte substancial da sua força.

Isso é confirmado por três factos – o aumento do número de eleitores de 16 mil em 1992 para 171 mil em 2008 (a província tem 300 mil habitantes), o baixo índice de abstenção, mau grado o apelo das forças separatistas nesse sentido, e o facto da maioria clara dos eleitores (mais de 60 por cento) ter optado pelo MPLA, partido que desde sempre defende o Estado unitário.

Além de um avanço no processo de construção da democracia – como assinalaram os observadores da União Europeia -, as eleições legislativas de 5 de Setembro de 2008 constituíram um passo inequívoco e consistente no sentido da consolidação do Estado e da nação em Angola, o que diferencia este país da maioria dos Estados africanos ao Sul do Sahara.

Fonte: JA