Luanda - Segue, na íntegra, a entrevista a Filomeno Vieira Lopes pelo Semanário Angolense, com a totalidade das respostas dadas pelo Secretário Geral do Bloco Democrático (BD). Esta entrevista deixa a claro ainda mais informações e não dispensa a sua consulta à totalidade das informações concedidas ao Amado Povo de Angola a quando da conferência de imprensa que poucos órgãos quiseram noticiar.

* Jorge Eurico
Fonte: SA

Semanário Angolense – O Bloco Democrático (BD) já está conformado com a decisão do Tribunal Constitucional (TC)?

Filomeno Vieira Lopes - De forma nenhuma. O Bloco Democrático (BD) tem consciência de que não reprovou, mas foi chumbado. O Tribunal Constitucional (TC) suprimiu algumas assinaturas enviadas pelo BD e assumiu critérios pouco transparentes para avaliar o BD, apesar das nossas alegações permitirem ao TC ir mais de encontro à verdade dos factos. Pensamos que o que aconteceu com o BD estava previsto.


SA - O que é que está a insinuar?


FVL. Somos claros! Seria coincidência demais os três partidos fora do Parlamento que têm sido críticos em relação ao Executivo - BD, PP e PDP-ANA - terem ficado de fora.

De resto, o TC apresentou-nos sempre números diferentes das assinaturas entregues. Os erros e defeitos do BD na apresentação das candidaturas não justificam a não admissão.

O TC considerou num Acórdão que tínhamos 2.502 assinaturas «inexistentes», por exemplo, e, no Acordão final «2.301», sem nos demonstrar onde. Mas afinal o que significa «inexistente» no FICRE, se o BD apresentou as fotocópias do Cartão de Eleitor?

Agora, com calma, estamos a concluir que o TC enganou-se no registo de muitos números e, na base do seu próprio erro, considerou as assinaturas como «inexistentes». Isto é simplesmente incrível! Mas há Cartões de (Eleitores) que, facto, não estão no FICRE, o que indicia a possibilidade de fraude eleitoral.

Muitos compatriotas não estarão nos Cadernos Eleitorais e isto vai dar muita polémica e confusão na hora do voto. Não há suficiente prática de eleições, nem suficiente educação cívica para todos os eleitores irem confirmar a sua inscrição nos cadernos e o regime aproveita-se disto.

SA -A acção do TC foi um «jogo» viciado com cartas marcadas?

FVL.  O TC tem cerca de 800 funcionários-extra que, em nossa opinião, deveriam ser escolhidos na base de um concurso público.

Infelizmente não temos um Tribunal de Contas à altura para intervir nessas situações, pois é sua função aferir se os funcionários do estado são submetidos à concurso para igresso. Esses funcionários, na sua grande maioria, são membros do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE).

Têm ordens para formatar o processo de validação de acordo com interesses políticos.

Percebemos que certos conceitos como «inexistentes» e «inválidos», por exemplo, não eram dominados pelo próprio Gabinete dos Partidos Políticos do TC.


A nova divisão administrativa de Angola não foi tomada em conta, com rigor, por esses técnicos, não permitindo, desta forma, que os novos municípios contassem para as províncias que integram, como o Panguila no Bengo, actualmente, ao invés de Luanda, por exemplo. Nessa base, muitos juízes poderão ter sido induzidos a concordar com algo dificilmente verificável.

Nós próprios também não tínhamos o FICRE connosco, nem a divisão administrativa tomada em conta pelo TC para confirmar a sua validação processada por um Centro de Dados Ah-Doc. Agora, o critério de não transferência de eleitores dum círculo para o outro, o não aproveitamento de restos dum círculo para o círculo nacional é já da competência decisória directa do TC. Foi-nos exigido, contra a Lei, apenas 36 horas para recorrermos do Acórdão do TC quando a Lei manda 48 horas.

O nosso mandatário ficou à espera do segundo acordo das 23h50 (hora que foi chamado) até às 6h10 minutos. Terá sido por acaso? Enfim, diria o Óscar Ribas «e tudo isto aconteceu».

SA – Está a pôr em causa a idoneidade técnica, ética e moral dos meritíssimos juízes-conselheiros do TC?

FVL.  Gostava de desafiar alguma instituição a contrariar a atitude de golpe à Lei constante na conduta do Executivo.

O Tribunal Supremo (TS), nas suas vestes próprias e do Tribunal Constitucional, tinha meia dúzia de processos da auto-extinta Frente para Democracia (FpD) contra o Executivo. Durante os 16 anos nenhum processo andou.

A FpD teve um parecer do TS afirmando que o líder desse partido deveria por lei ter acesso ao Conselho da República. Esse direito foi-lhe sonegado durante todo esse tempo, só para dar um exemplo. O TS pressionou o Presidente da República (PR) a cumprir a sua decisão? Nunca! A autoextinção da FpD foi uma das formas de acabar com todos os processos que estavam no Tribunal, alguns dos quais deveriam ter sidos assumidos pelo TC.

O PR nunca quis reconhecer o deputado da FpD como tal. O assunto esteve em Tribunal, alguma decisão saiu de lá? Só na morte do ex-deputado, o Dr João Vieira Lopes, é que em comunicado o Secretariado do Bureau Político (BP) do MPLA reconheceu ser ele deputado da «extinta FpD».

A própria Assembleia Nacional, através da sua Comissão de Assuntos Jurídicos considerou o deputado como sendo da FpD, mas o Presidente do Parlamento, Roberto de Almeida barrou tal parecer para fazer prevalecer a posição de recusa do PR. Temos assuntos no actual TC, há muito, sem respostas.

De resto, é só matemática: Os números do TC versus do BD.

O BD entregou ao TC, a 19 de Junho, a sua candidatura suportada por mais assinaturas de cidadãos eleitores, acompanhadas das respectivas fotocópias, do que aquelas que o TC contabilizou.

Por exemplo, na 1ª entrega, o BD fez presente 5.271 subscrições para o círculo nacional, mas o TC apenas considerou 4.722 subscritores entregues (tendo posteriormente invalidado 1.176).

Há aqui um diferencial de menos 549 subscrições que não foram consideradas sem nenhuma explicação.

A 29 de Junho, para suprimento das irregularidades apresentou, na 2ª entrega, para o círculo nacional, 4.967 assinaturas, mas o TC considerou apenas 4.489 subscritores, registando outro diferencial, para menos, de 478 assinaturas que não foram tidas em conta.

Há um total de 1.027 assinaturas excluídas, em relação ao círculo nacional, sem nenhuma explicação. Com os círculos provinciais passou-se, em geral, a mesma coisa, os números do BD não coincidem com os do TC.

Ademais, fizemos alegações, em nota explicativa, nomeadamente, sobre os “restos” e o FICRE, aquando da entrega dos suprimentos. O Tribunal (capciosamente) não se referiu a elas, como é básico em qualquer processo, para comentá-las depois em contrário no último recurso apresentado por nós e, ainda, publicamente, para fazer política. Se o Tribunal nos respondesse à seu tempo, o nosso recurso teria de ser diferente, ou seja, entrar seriamente em questões de direito.

Não nos restam muitas dúvidas em admitir que há ali, um “trinco” permeável à influência política, mas de forma alguma queremos estender essa percepção a todo o colectivo

SA - Mas  o vosso processo estava bem organizado?

FVL.  O processo foi escrito à mão para usarmos o formulário do TC, antes que inventassem outra coisa. Não foi nada perfeito, mas era legível. As setas tentavam rectificar dados que nos confirmaram à última hora, devido há muitos constrangimentos que tivemos.

Repare que o TC validou as candidaturas do BD, mesmo eliminando uma ou outra. Percebeu tudo. A forma não foi o essencial, embora a opinião pública esteja habituada a qualidade que o BD oferece.

Pretendeu-se com isto desqualificar o BD, numa batuta de detractores que tentaram confundir a opinião pública demonstrando que tal estaria na causa do “chumbo” do BD. Neste jogo não entramos. É matéria para incautos. Os problemas da candidatura estiveram do lado dos apoiantes.

Aí as coisas estão legíveis, mas não descartamos erros de transcrição, muito mais graves que a forma. Porém, trabalhamos sobre pressão e solicitamos ao TC que certificasse o escrito com a fotocópia do Cartão de Eleitor. Afinal por algum motivo foi-nos solicitado o esforço de apresentação desse documento.

Agora, com 800 peritos por que razão podemos constatar da parte do TC, apenas como exemplo, os seguintes erros: O senhor Abílio Figueira Zua foi registado por nós como sendo do grupo 60137, o TC escreveu 6013 e no mapa foi excluído como «inexistente». Escrevemos nos registos que o senhor Jorge Pinto Gorge, do Kwanza Sul, tem o número de registo 60298, o Tribunal (Constitucional) escreveu 602958 e deu como inexistente.

A senhora Isabel Claudina Mongoko foi registada por nós com o número de grupo 60010, o TC registou 10010 e anulou a assinatura como inexistente, enfim.... a mando de quem foram estes e outros erros cometidos?

De resto, horas antes da entrega da nossa candidatura o mandatário escolhido comunicou-nos que tinha que abandonar a lista nessa condição porque o Ministério com quem coopera ameaçou-o de retirar todas as parcerias. Provavelmente souberam que ele seria o mandatário aquando da aquisição do Registo Criminal ou reconhecimento de assinatura, pois há antenas sinfo em tudo quanto é sítio, pois mantivemos o nome em segredo. Tivemos que alterar tudo às pressas. O processo de candidatura do mandatário é mais exigente.

O nosso responsável do Cuando-Cubango foi exonerado de todas (3) as suas funções, na Universidade Mandume, depois de lhe terem identificado como membro do BD, antes tinhamo-lo mantido em segredo. Tivemos que alterar as candidaturas para este círculo igualmente.

O BD ainda não recebeu o dinheiro para as despesas da subscrição. Isto será por acaso? E repare: em 1992 a FpD apresentou o processo mais bonito para a sua legalização, com elogios do então Presidente do Tribunal Supremo, incluindo notas explicativas da conformidade do seu estatuto com a lei, com gráficos sobre os grupos etários que compunham o partido. Isto não evitou que o Tribunal levasse dois meses para legalizar o partido, enquanto outros partidos que se apresentaram de qualquer forma foram logo admitidos. E mais tarde a FpD foi obrigada a extinguir-se.

De que lhe valeu a forma?

SA –Mas, afinal, de contas o que se passa, de facto?


FVL. O cenário político é triste. Há perseguição pessoal e até familiar. Estamos perante um regime persecutório que cerca e aniquila quem tem ideias divergentes. Veja-se o que se passou com Justino Pinto de Andrade e a Rádio Eclésia-Emissora Católica de Angola? Um homem que se dedicou a prestigiar a própria rádio de forma desprendida.

É impressionante e inaceitável como é que 20 anos depois de eu próprio ter sido exonerado de todos os cargos de gestão que tinha na Sonangol, por liderar a FpD, o meu colega do Cuando-Cubango volte a sofrer a mesma discriminação. Não progredimos nada!

Sabe que o então director-geral da Sonangol foi claro em dizer-me «já me mandaram (o MPLA, através do PR) exonerar-te, mas eu não tenho nenhum argumento de gestão para o fazer». Ainda naquela altura fui eleito administrador pelos trabalhadores da Sonangol, com 55% dos votos. As eleições foram homologadas pelo Ministério da Energia. Nunca tomei posse, desrespeitando a decisão dos eleitores. Quem teve força para impedir isto? (isto mostra que o PR não aceita perder eleições, daí o seu desespero em produzir processos fraudulentos)? Por que razão todos os membros da FpD com posições no aparelho do Estado foram escorraçados ou tiveram que os abandonar?

O que aconteceu com o engenheiro Simão Cacete, um distinto quadro da Energia, por se ter candidatado às presidenciais. Enfim, os exemplos são sem conta. Ainda agora, membros nossos foram despedidos dos seus empregos, porque ao dedicarem-se a recolha de assinaturas faltaram.

Vivemos sob pressão permanente, o país poderia aproveitar melhor a capacidade de muitos quadros afectos ao partido, mas despreza-os porque não se submetem à ordem estabelecida. Temos o direito e não abnegamos disto, de lutar por melhorias para todos os cidadãos.

Estamos descontentes com a pobreza reinante, com o baixo nível de democratização e rejeitamos todas as posições ditatoriais e demagógicas. Para o regime, isto é crime, e julgam-se todo poderosos. Mas, não há mal que sempre dure!

SA – O TC chumbou a vossa candidatura. Isso vai ficar assim?

FVL. O processo terminou. Vamos denuncia-lo. Não se trata apenas do TC que teve a “ingrata” tarefa de cumprir uma Lei que não faz sentido, ainda por cima não regulamentada, obrigando o Tribunal a inventar formulários sob os quais determinou regras sem as explicar, deixando intencionalmente o processo turvo para ser objecto de toda a manipulação.

Todo o processo está eivado de defeitos premeditados, uma espécie de caos calculado para justificar a fraude eleitoral, já que o partido no poder sabe que o eleitorado está descontente. Pela primeira vez o eleitorado exercita a lógica eleitoral «o partido vencedor prometeu isto e aquilo, o que fez na prática?».

As eleições passadas decorreram sob outras preocupações: Em 1992 os eleitores estimavam simplesmente pôr fim a guerra e pretendiam dar “razão” a um ou outro beligerante de 1975. O medo da guerra, orientou o voto.

Repare, também, que entre 1992 a 2008 ninguém tinha ideia do que o partido governante tinha prometido. Mas já naquela altura o descontentamento pelo mau desempenho do Governo em si, em tempo de Paz, deu votos a oposição e o PR teve que recorrer a fraude.

Hoje está claro sobre quantas casas foram construídas e ainda por cima não habitadas, quantos empregos há. Há mais informação sobre as potencialidades do país, as pessoas valorizam de forma diferente a água e a luz que não têm até porque não há guerra para partir postes, nem impedir a construção de diques e barragens. Quer dizer que os eleitores comparam o que se prometeu e o que foi feito. E também os eleitores puderam ver os partidos desfilar (apesar dos constrangimentos) ao longo desses quatro anos, têm melhor percepção de práticas, pessoas e propostas.

A alternativa que o BD representa para sectores significativos virou o poder contra nós e não fomos capazes de contorna-lo nesta fase de eliminação. De resto, dizemos que isto ainda entrou no adro. Este processo irá ainda dar mais que falar, pois todas as instituições têm que fazer o seu papel na hora em que são chamados.

A CNE é agora o protagonista mais visível, como a polícia, o próprio exército e a segurança da minoria, a Comunicação Social, etc, o TC vai voltar a entrar em cena mais tarde.

Mas é preciso acentuar que isto não significa a morte do BD, apesar de estarem já em curso estratégias nesse sentido, como vocês verão. O partido prepara-se para manter a sua posição alternativa e vai lutar para que nas autárquicas supere os previsíveis truques e que se concorra nelas de forma honesta.

De resto, só uma alteração da situação política nacional poderá dignificar as várias instituições e os seus detentores, pois estarão livres para decidirem, no caso dos tribunais, de acordo com a Lei, sem pressões políticas. A nossa luta é também libertadora da alma dos angolanos. Connosco não há reféns!

SA – O BD vai denunciar quando, onde e como?

FVL. Vamos fazer a relação de todos os «inexistentes» e «inválidos». Vamos pedir para os eleitores controlarem se estão ou não nos cadernos, vamos publicar a lista dos erros do TC que permitiram a invalidação da nossa candidatura. Mas o mais importante é lutarmos para mudar este Sistema que permite a manipulação. De resto, olhamos para o futuro. A política entre nós é como uma montanha. É preciso que os nossos membros percebam isto e que não claudiquem nos seus ideais.

SA. Porquê que o BD é conhecido como o partido «banda desenhada»?

FVL. Os angolanos têm direito ao humor. Isto é salutar!


SA. O BD é igualmente conhecido como o «partidos dos doutores». Isso não terá afastado pessoas que se revêem no Manifesto do BD?

FVL. Essa designação que nada têm a ver com a capacidade de modéstia e o sentido de igualdade que nos orienta, atrai alguns e pode afastar outros, sobretudo, aqueles que precisam de convites para contribuírem para a libertação e democratização do seu povo.

Sabe que muita gente simples acha que temos um governo incompetente e isto até atrai-os para o BD. Num país subdesenvolvido, onde os intelectuais são escassos e podem ter vantagens materiais, existir um grupo que por apego a valores e a verdade se distancia do poder, é prestigiante para a Nação.

Ouço todos os dias “o Filomeno até poderia ser isto e aquilo… mas não alinha e ….”. Agora, seria bom que todos os angolanos pudessem ter níveis elevados de instrução, pois isto, aliado a princípios e valores, ajudaria mais rapidamente o país a ser desenvolvido.

Na verdade quem se dedica a criar esses epítetos para produzir clivagens sabe onde está o essencial: na nossa integridade, na persistência, na coragem em assumir a verdade bem como os riscos que ela comporta. Também se poderia dizer que a direcçao do Bloco Democrático (que é um facto) é aquela que tem mais anos de prisão política, entre todos os partidos actuais, incluindo o próprio partido governante. Não interessa classificar-nos assim.

É um facto que já andámos em várias faculdades da vida. Este país já teve dirigentes “prestigiados” que em comício diziam “abaixo o 7º ano, abaixo o 5º ano” até em profundo desrespeito pelos sacrifícios que nossos país tiveram para nos formar. Sabemos de onde viemos os títulos nunca nos enlouqueceram, nem por aqui andam dirigentes que compram “doutoramentos”, muitos dos quais pululam no partido dito “de milhões de massas”.

SA. A direcção do BD passava a maior parte do a discutir teorias socráticas ao invés de ir ao encontro das massas. É verdade?

FVL. A grande teoria socrática que o BD defende é a integridade deste grande filósofo que não se vergou perante a verdade e preferiu tomar a taça de veneno.

Assumimos claramente que a nossa democracia beneficia de conceitos muito trabalhados pelo Bloco como, por exemplo, a cidadania. Aqui e ali primamos pelo debate elevado e pode ocorrer que nem sempre utilizemos a linguagem mais apropriada.

Mas, sem sobra de dúvidas, que o BD é um partido de causas populares e os seus membros lutam lado a lado com quem é discriminado. Em 2001 foi o Partido que defendeu os que estavam a ver as suas casas partidas. O Jornal de Angola até escreveu “O dedo do Filomeno” para dizer que estávamos nós a insuflar a resistência dos desalojados.

Agora que lhe estou a dar essa entrevista estou a receber telefonemas do Hugo Kalumbo e do Mário Domingos que têm as suas casas cercadas por agentes da polícia, do sinfo e cahenches e temem ser raptados e fuzilados, como não se sabe o que terá ocorrido ao Isaías Cassule e Alves Kamulingue, desaparecidos a 27 de Maio.

É uma realidade criada pelo actual poder para o qual Sócrates é chamado por defender a justiça. Nas manifestações, onde há massas “feitos até cidadãos conscientes” há lá dirigentes do BD. Até dizem que conduzimos massas de ex-combatentes em protesto contra o roubo das suas pensões de reforma. Quantas passeatas já organizamos que não passaram na comunicação social? Algu~em reportou-me por exemplo a visitar e dialogar nos bairros pobres do Lubango, ou na aldeia de Anyanga, no Cunene? Ou a pernoitar nas Camamas com o Padre Pio exibindo filmes sobre a problemática da habitação na Palestina? Isto não significa que a direcçao não precisa de ir mais longe. Não é um problema de perspectiva, os nossos recursos são escassos.

SA. É voz corrente que o presidente do BD passava mais tempo na universidade a dar aulas e a fazer opinião na Comunicação Social e isso ter-vos-á prejudicado. Quer comentar?

FVL. Já vimos antes que o BD é uma realidade maior e, infelizmente, a comunicação social não dedica atenção à sua actividade, mesmo os seus comunicados.

Política é comunicação em grande medida e tomara nós que fossem reportadas mais facetas do BD. Haveria uma percepção diferente.

Há dias demos uma conferencia de imprensa no Uíge. Quem ouviu ou viu? TPA e RNA foram convidados. Fizeram-se ausentes, não obstante a Ministra nos ter garantido que iriam alterar o seu comportamento.

Mesmo a Conferencia de Imprensa em Luanda que o Presidente do BD proferiu há dias saiu de Lisboa na RTP Africa. Pouca vergonha!

Uma democracia que ao não querer sair da pré história, está todos os dias na fronteira da ditadura. Na campanha politica que empreendemos com anúncio antecipado foram distribuídos em todas as províncias mais de 100 mil exemplares do nosso informativo. O Presidente participou disto na rua, no kwanza Sul.

Aldeias recondidas já sabem que o BD existe, apesar do controlo dos sobas. Repare que numa aldeia da Damba o soba deu ordem de expulsão a um membro nosso. Se o BD não estivesse lá não sofreria esse acto truculento.

O Presidente esteve várias vezes em bairros pobres de Luanda, como recentemente no Sambizanga, trabalhou em campanhas de distribuição de propaganda em Benguela, dirigiu vários debates em várias cidades do país, contactou sectores importantes da sociedade civil em cabinda, bem como dirigiu eventos nacionais, como reunião do Conselho Nacional, participou em várias manifestações, como a do 2 de Abril.

Naturalmente, que desejaria fazer muito mais não fora os compromissos profissionais (somos uma direcção toda assalariada, não temos um politico profissional) e de cidadania, mas preparava-se para, em grande folego, estar, pelo menos em metade do país na campanha eleitoral.

SA. Qual é o partido ou coligação que o BD vai apoiar? Confirma que estão a decorrer conversações com a CASA-CE?

FVL. Nós estamos à procura de um compromisso inter partidário para controlo eleitoral e programático. Esse compromisso dará a confiança ao eleitorado que um conjunto de partidos, mesmo concorrendo separadamente, vai defender uma politica comum no parlamento ou no Executivo que garanta a liberdade, a democracia e o bem estar dos angolanos.

Apenas  3 partidos concorrentes merecem a atenção do BD. A UNITA, a CASA-CE e o PRS e que na base desse duplo compromisso, controlo das eleições e programa mínimo comum, podem merecer a confiança do Bloco Democrático.

A direcção do Bloco já falou com os 3 partidos e falámos também com os partidos que são nossos parceiros em lutas e não estão no pleito, como o PP e o PDP-ANA. Da FNLA aguardamos a confirmação do encontro.

O partido vai realizar uma conferência nacional para decidir, na base da aceitação desse compromisso, quem apoiar. Queremos concertar para articular o controle e decência eleitorais bem como um acordo programático de resolução dos grandes problemas nacionais com vista a democratização do país. É na base da aceitação desses compromissos vitais que o Bloco decidirá.

Achamos que estas eleições só serão credíveis com verdade eleitoral. Assim queremos que haja a identificação e tipificação de todas as tentativas ulteriores de fraude, entre outras, como

1. A recusa de auditoria do FICRE, com todas as suas consequências;
2. A não publicação atempadamente dos cadernos eleitorais e sua apresentação pública;
3. A recusa em serem efectuados pela oposição testes de consistência do software utilizado;

4. O incumprimento sobre o esquema legal de transferência de voto da base ao topo para efeitos de contagem de números;
5. A inexistência de garantia inequívoca de um sistema de contagem com participação efectiva das forças da oposição.

Todas essas previsíveis violações são passíveis de tomadas de posição preventiva da oposição e do povo, que podem chegar a recusa de prosseguimento do acto eleitoral, pois são inaceitáveis; Também precisamos dum compromisso programático que estimule o povo a votar nos partidos da oposição, como,

a. Rever a Constituição do país, nomeadamente, os poderes do Presidente da República e sua eleição directa, bem como implementar, na prática, a separação de poderes;

b. Parar com a guerra em Cabinda e trazer de regresso a casa os soldados que se encontram no Exterior do país, bem como normalizar a situação nas Lundas;

c. Despartidarizar o aparelho do Estado e as instituições do país, permitindo oportunidades de liberdade, de trabalho e de vida, em igualdade de circunstâncias para todos os angolanos;

d. Combater a corrupção, implementando instituições e reforçando o controlo popular sobre todas as esferas do poder;

e. Promover uma visão de desenvolvimento com distribuição da riqueza com vista a erradicar a pobreza e aproveitando os ganhos da luta contra a corrupção;

f. Investir massivamente na Educação e na Saúde, bem como em apoio à Habitação e Agricultura em mais de 70% do Orçamento Geral de Estado - OGE, reduzindo drasticamente as despesas militares;

g. Ter como assunto para resolver no curto prazo o fornecimento de água e energia para todos os cidadãos e para a implantação de uma economia sustentável.

Os contactos têm sido positivos, precisamos é de ter vontade política de os implementar o que pressupõe diminuir a rivalidade entre os partidos apontados e concentrarmo-nos na resolução dos problemas nacionais, para a qual é preciso arredar do poder o partido da situação.

Como disse o alinhamento caberá à Conferência Nacional que está sendo preparada, pois determinará o consenso no seio do partido sobre este assunto.

Todos os partidos querem que o BD os apoie. O nosso voto na oposição não está em causa (é uma hipótese forte) mas queremos discutir questões de substância para salvaguarda do desenvolvimento do processo democrático.


SA. Para quando esta conferência?

FVL. Antes do fim do mês e será precedida duma reunião extraordinária este fim de semana da Comissão Política.


SA. Haverá cisão no BD. Justino quer sair?

FVL. Justino está empenhado na preparação da Comissão Política e da Conferência Nacional que são órgãos que dependem do Presidente, seja, dele próprio.

Esteve pessoalmente envolvido em todos os contactos com os demais partidos políticos, a quem endereçou cartas sobre a necessidade da unidade da oposição. Ainda não senti que quisesse abandonar as suas funções. Tem um mandato para cumprir e tem incentivado muitos quadros e militantes do partido a prosseguirem não obstante a pressão que se exerce sobre o partido.


SA. Confirma que Francisco Viana, vosso representante em Benguela, vai passar para a CASA-CE, inclusive já teve uma reunião com o presidente desta coligação?

FVL. Não confirmo. Estive há dois com ele e este assunto nao foi abordado. Ele é um homem íntegro e livre. Se alguma questão a propósito houvesse teríamos conversado. Tem sido um construtor do Bloco Democrático. Não vai deixar naturalmente de reflectir sobre os acontecimentos e saberá contribuir para que ultrapassemos esse momento difícil, estou confiante.


SA. O BD está implantado em todo território nacional?

FVL. Em termos humanos sim mas de forma diferenciada. Há províncias fracas, com lideranças ainda não completamente talhadas para a grandeza dos objetivos políticos do partido.

Do ponto de vista de estruturas físicas a situação é má. Somos um partido de assalariados, estudantes e desempregados, com muitos membros necessitando de ajuda do partido para questões pessoais, visto que as instituições nacionais não respondem e discriminam.

Fazemos um super esforço para manter o partido, realizar encontros, etc, mas vamos conseguindo no essencial.

Ademais, há obstáculos. Nem toda a gente quer alugar uma casa para partidos políticos da oposição porque sofrem pressões.

Vários membros nossos foram despedidos dos seus empregos devido ao empenho que tiveram para o partido se candidatar, pois foi necessário trabalhar em horário de serviço. A nossa Conferência Nacional vai juntar membros de Cabinda ao Cunene.

SA. O BD tem muita força nas redes sociais. Considera-as, presentemente, uma arma política?

FVL. Faz parte da forma de agir do BD. Somos uma partido com uma costela muito forte na sociedade civil. Afinal a política é para a sociedade. Estar aí significa apreender a natureza das correntes sociais e ter isto como base para a elaboração de políticas que vão de encontro ao eleitorado. É esta interação que impede a degenerescência dos partidos.

Quando os partidos se afastam da sociedade - da sua mãe - agem de forma autónoma e transformam o poder em algo distante dos interesses das pessoas, rapidamente são o corpo estranho que estimula posições ditatoriais. As redes sociais, ao mesmo tempo que servem para veicular e testar a nossa política, abriga-nos a um olhar constante sobre o que são e pensam as pessoas, sobretudo, a juventude, para a qual se deve ter um olhar particular.

SA. O BD é um dos partidos que dá guita às manifestações, é verdade?

FVL. Afinal não anda só pelos gabinetes! O BD é um partido democrático. O direito à manifestação é um dos direitos basilares na construção da democracia. Mostra se os poderes aceitam críticas públicas, bem como o direito à diferença.

As ditaduras não gostam de ser contestadas. Têm de si próprias a imagem (invencionices para consumo de terceiros) que são infalíveis, apropriam-se do sistema de coerção e repressão do estado para interesses próprios e, também, da sua riqueza e inventam a ideia de que são doadores do povo.

Por que razão as pessoas não podem exprimir o seu sentimento e têm que ficar oprimidas até ao ponto de apanharem tromboses. A juventude não tem empregos, não tem dinheiro para ir à universidade, enquanto assiste ao desperdício nacional de uma minoria enriquecer porque detém as rédeas (o confisco, melhor dizendo) do poder. Tem que dar em delinquente para ser depois assassinada pela polícia, ao invés de ir para a rua manifestar-se?

Há presos políticos em Angola, sobretudo nas Lundas. E as pessoas ficam de braços cruzados, se em democracia não deve haver policia politica?

Há igualmente prisões arbitrárias e desaparecimento de pessoas. Também há problemas do foro municipal, como falta de água e energia, que conduzem a protestos. Mas as grandes manifestações são sobretudo a descrença no regime instalado no país. A Juventude não está nem aí.

Se o ideário do BD é pela democracia, nem me venham com tretas de que a manifestação não é uma forma civilizada de intervenção, senão o que dizer do que se passa diariamente nos países desenvolvidos, construídos graças a pressão de quem sofre.

Até o voto universal (atenção em Angola o sufrágio é restricto) foi fruto de manifestações no ocidente em que morreram pessoas!

As manifestações vão ao certo continuar, precisa é de ser melhor organizadas para minimizar os prejuízos para os grupos que as realizam. Um poder que só reprime manifestantes e, ademais, com ajuda de bandidos e com agentes desfardados, não é digno de ser tratado como democrata. Pode existir algum deslize das autoridades a lidar com uma manifestação, mas o que se passa em Angola é uma repressão sistemática dirigida pelo poder político, obrigando os polícias, muitas vezes, a baterem nos seus próprios filhos, gente simples, mas com dignidade.

Nelson Mandela que hoje faz anos participou em muitas manifestações e com isto logrou a liberdade para o seu povo. Se Angola é um pantanal de mel para uma minoria, tem sido fel para a grande maioria.

FIM