Cabinda – Salvaguardados o devido respeito e a dignidade do subscritor do artigo de opinião publicado recentemente no Club-K com o título “Cabinda Expectante…”, hei por bem propor algumas reflexões sobre tão polémico e arrojado tema. Depois de ter feito uma leitura serena do artigo, entendi que não devia engolir o engodo já que suscitou em mim algum desconforto moral.

Fonte: Club-k.net

Alguns cibernautas que comigo partilham amiúde informações nesse espaço fizeram questão de encaminhar o artigo no meu endereço electrónico. Creio que o artigo interpelou-os também e suscitou o seu interesse. Passo então a deslindar alguns aspectos em relação ao conteúdo do artigo.

1. Perscrutando o que está por detrás das letras, numa perspectiva psicanalítica, é possível divisar que não estamos diante de uma mera opinião de um indivíduo que, num momento de iluminação intelectual, entendeu esgrimir os seus argumentos sobre o que pensa em relação ao desenvolvimento da região do Maiombe e ao tratamento que o regime reserva aos Baiombi. Na verdade, estamos diante de um estereótipo colectivo que jaz na forma mentis de alguns quadros originários dessa região, sobretudo aqueles que estão filiados no MPLA e no seu aparelho governamental.

2. A publicação desse artigo, entretanto, tem o mérito de trazer ao terreiro um problema que é real: alguns sectores têm reivindicado, mas em surdina, que o próximo governador de Cabinda deveria ser um originário do Maiombe; em termos de desenvolvimento, defendem que o Maiombe (região norte) e a região Sul de Cabinda apresentam uma gritante assimetria em detrimento daquela.

3. Em relação à primeira aspiração, o argumento é que já passaram por cá governadores oriundos do Sul (entenda-se do grupo étnico Bawoyo) e nunca um Iombi foi guindado para tal cargo. A interrogação é: será que os Baiombi servem apenas para o posto de vice-governador? Prefiro não entrar no mérito da questão, pois, diante dos interesses supremos da Nação Binda que eu defendo, me é indiferente que o governador de Cabinda seja Anás ou Caifás, venha da China ou da Conchichina.

Para ser mais explícito: este é um assunto que deve interessar mais aqueles que estão equipados por uma visão míope e imediatista da História e pretendem perpetuar o actual estatuto político de Cabinda que não passa de uma PROVINCIA ULTRAMARINA DE ANGOLA.

4. Quanto ao problema das assimetrias entre o Norte e o Sul, devo primeiro reconhecer que é legítimo pretender e reivindicar o desenvolvimento da própria região de origem. Neste caso, os Baiombi estão no seu direito de o fazer.

Todavia, não posso deixar de advertir os ressaibos chauvinistas e etnocentristas que estão na maneira ardilosa como o articulista esgrimiu os seus argumentos. Foi infeliz neste sentido. Diz-se que as comparações são odiosas. Foram ideias dessa natureza (com uma boa dose de extremismos tribais) que semearam conflitos inter-étnicos em África na sua História contemporânea.

Veja-se os casos emblemáticos dos Ba-Hutu e dos Ba-tutsi no Rwanda, os Massai e os Kikuio no Quénia. Entretanto, quero também ´´despertar´´ os meus irmãos em relação ao problema da ausência de investimentos de vulto no Maiombe. Não tenhamos ilusões.

Nós estamos a lidar com uma administração de tipo colonial onde a economia assenta na espoliação dos recursos naturais em benefício da Metrópole e no depauperamento dos autóctones. Cabinda inteira está a ser espoliada das suas riquezas desde 1975 e o Homem Binda vai soçobrando sempre e cada vez mais.

Em 37 anos, Cabinda tem sido a vaca-leiteira que sustentou os esforços de uma guerra irracional e fratricida e a principal fonte dos impérios financeiros do novo-riquismo angolense. Paradoxalmente, os investimentos em miniatura feitos timidamente aqui e acolá em Cabinda nem servem sequer para termos uma ilusão óptica do desenvolvimento sustentável. É só mesmo para o inglês ver, como se diz na gíria.

A pobreza e a miséria grassam por tudo que é canto, com maior incidência, sem dúvida alguma, no interior do território. Mas, a verdade é que somos todos simples servos da gleba à mercê das migalhas que nos caiem da mesa do festim dos deuses da terra, por isso não nos adianta em nada empunhar a espada uns contra os outros. A causa da desventura dos Baiombi, Bakotchi, Bassundi, Bakuakongo, Bawoyo e Balingi só tem um nome: a colonização angolana. Enquanto formos Província Ultramarina de Angola, temos o que nos cabe!

5. É imperioso desmistificar todas as insinuações que pretendem fazer passar a mensagem de que os preconceitos tribais constituem um esteio identitário importante na construção da sociedade. Não é crime identificar-se com uma tribo ou etnia. Aliás, deve até ser motivo de orgulho.

Devemos, sim, combater todos os complexos de superioridade ou inferioridade arreigados na nossa memória colectiva por força da manipulação a que fomos vítimas durante a vigência da colonização europeia. Foi, de facto, o Homem caucasiano que trouxe o mito do Bailundu servil, do kuanhama indomável, do Mukongo dócil e colonizável, etc.

Estes execráveis epítetos, disseminados em trabalhos etnográficos que fizeram época, tiveram o condão de construir a nossa visão viciada e estereotipada do OUTRO (estranho à minha tribo).

Foi nesta base que se construiu uma política de estratificação social que dividiu os autóctones em INDÍGENAS E ASSIMILADOS. Devemos estar atentos a todas as ideias e políticas de manipulação tribal que podem acirrar divisões absurdas no seio da NAÇÃO BINDA, minando os seus fundamentos sócio-identitários e antropológicos.