Luanda - As eleições em Angola serão no dia 31 de agosto. Estamos apreensivos, preocupados e sem esperanças no futuro, que me parece sombrio. Porém, antes de começar este artigo, tenho duas confissões a fazer. A primeira é: qualquer estudo sério de ciências políticas enquadra Angola entre os países cujas características e traços indicam falta de democracia. Isso quer dizer que Angola é uma ditadura.


Fonte: Club-k.net

Lutar contra a ditadura de Eduardo dos Santos
com uma arma foi um erro

A segunda confissão é: José Eduardo dos Santos é um ditador. A diferença é que o ditador impõe aos angolanos uma ditadura não sagrenta. Isso quer dizer que o ditador mwangolé mata seus súditos com a morte do silêncio, da fome (que abrevia a vida), da falta de luz, de água potável etc. Se Angola não retirar Eduardo dos Santos do poder, ele se transformará num monstro e até os camaradas do MPLA ficaram abismados e arrependidos por ajudarem um homem capaz de sacrificar os angolanos! Bom, confessei!


A sociedade angolana é prenhe de uma imaturidade que incomoda. Muitos angolanos, até políticos experientes e religiosos fervorosos, acreditam que as eleições de 2012 irão trazer mudanças sociais e políticas ao nosso país. Engano nosso! Muitos desavisados acreditam que as eleições, ansiosamente esperadas pelos angolanos, irão acabar com a tirania do regime angolano, no poder há 33 anos. Ilusão à toa. Eu não acredito nisso! Há duas razões que sustentam meu pessimismo. Permitam-me compartilhá-las em dois pontos, ao longo deste texto.


1. DITADURAS NUNCA REALIZAM ELEIÇÕES LIVRES E JUSTAS


Este tópico pode ser sustentado pela experiência. A experiência mostra que todos os regimes ditatoriais ao redor do mundo não permitem eleições livres e justas. Por outro lado, estudos criteriosos indicam que, nas ditaduras que oprimem os povos em vários países, os ditadores sempre vencem as eleições. Com isso, não é de nos surpreender que, em territórios dominados por tiranos com mãos de ferro, como no caso de Angola, as eleições jamais sejam livres e justas. Vejamos alguns exemplos.


Exemplos fora da África


No Iraque de Saddam Hussein, sempre houve eleições. É verdade! Apesar de subjugar seu próprio povo com uma ditadura de 24 anos, Saddam sempre permitiu que houvesse eleições, que jamais foram livres e justas. Eleito presidente em 1979, a partir de então, o déspota vencia as reeleições (forjadas) no Iraque com quase 100% dos votos. Ele permitiu a realização das eleições em 1995, onde foi reeleito presidente com 99,8% dos votos, para mais 7 anos de mandato. Depois, um referendo de 2002 decidiu pela permanência dele para o quinto mandato até 2009, sendo ele o candidato único. Venceu com 100% dos votos.


Outro caso notável é do monstruoso ditador norte-coreano, Kim Jong-il. O líder exótico, mas perigoso, da Coreia do Norte ficou no poder durante 17 anos. O país é dominado por um culto que gira em torno da personalidade da família Kim. O falecido KimIl-Sung e seu já falecido filho, Kim Jong-Il, governaram o país por 63 anos, e ele ordenou que os norte-coreanos o adorassem como um deus. Em vida, o ditador já havia indicado seu filho para sucedê-lo, e ele assumiu o poder depois da morte do pai. A dinastia do ditador sempre realizava eleições parlamentares com apenas um candidato para cada uma das 687 cadeiras da Assembleia Popular Suprema.


Exemplos dentro da África


François Tombalbaye, do Tchade é outro exemplo de déspota que realizava eleições não livres e injustas para permanecer no poder. Seu regime ditatorial não permitia a participação da oposição nas eleições.


David Dacko, da República Centro Africana é mais um exemplo de tiranos africanos que realizava eleições durante seu regime. Dacko começou a consolidar seu poder logo depois de tomar posse em 1960.  Ele manteve a carteira do ministro da Defesa de 17 de agosto de 1960 até 1 de janeiro de 1966, e Guarda dos Selos, de 17 de agosto de 1960 até 2 de janeiro de 1963. Alterou a Constituição para transformar seu regime em um estado de partido único. Em 5 de janeiro de 1964, Dacko foi eleito presidente em uma eleição em que ele era o único candidato. Logo em 1961, David Dacko tornou todos os outros partidos políticos ilegais. Em 1963, estendeu a duração do seu mandato presidencial de 5 para 7 anos. Em 1964, apresentou-se sozinho às eleições e foi reeleito com 99 por cento dos votos. Em março de 1981, Dacko foi eleito, mais uma vez, presidente da República Centro Africana, em uma eleição fraudada. Por isso, Dacko foi considerado por muitos da África Central como um fantoche dos franceses e seu direito de governar foi contestado.


O Gabão registrou as primeiras eleições em 1993 ganhas por Bongo em meio a acusações de fraude. Bongo viria a ser reeleito em 1998 para um segundo mandato de 7 anos. Em 2003 o Parlamento aprovou uma emenda constitucional que punha fim ao limite de dois mandatos de 7 anos para o presidente. Em 2005 organizou eleições que ganhou com 79,2 por cento dos votos.


Oficiais do exército togolês, comandados por Gnassingbé Eyadema, derrubaram o governo de Grunitzky em janeiro de 1967. Suspenderam a constituição e estabeleceram um governo com o ainda hoje ditador do país, Gnassingbé Eyadéma, como presidente. O povo confirmou seu governo em uma eleição realizada em 1972, sob Lei Marcial, muito criticada pela comunidade internacional. O povo togolês sofreu com a ditadura do general Gnassingbé Eyadema, no poder há mais de trinta e oito anos de uma ditadura cruel e com o apóio incondicional de seu mentor francês. Na década de 1990, Eyadema se opôs ao processo de democratização do país para mantê-lo em um clima de repressão e terror.  Após as fraudulentas eleições presidenciais de 1993 e 1998, o chefe de estado togolês se comprometeu a respeitar a Constituição, que limita a dois o número de mandatos presidenciais.


Apesar das exigências da investigação da Organização das Nações Unidas e da Organização de Unidade Africano, em meio às eleições, ele continuou a violar os direitos humanos no Togo. Em 5 de maio de 1999, a Anistia Internacional, num relatório intitulado “O reino do terror”, reconheceu que Etienne Gnassingbé Eyadema teria matado centenas de pessoas e jogado os corpos no mar após o anúncio dos resultados das eleições de 1998. Ele foi cruel, pois alimentava crocodilos com a carne de seus adversários. Por outro lado, o naufrágio do Togo é, essencialmente, o resultado dos delírios megalomaníacos de Etienne Gnassingbé Eyadéma, um homem obcecado pelo poder e mau exemplo para a África.


Como tantos outros donos do poder na África, os militares de Mali aprenderam a fazer eleições que jamais perderam, especialmente porque só havia um partido político. Nessas condições, não surpreende que o general Moussa Traoré tenha obtido, em 1979, 99 por cento dos votos para presidente. Tamanha popularidade, contudo, não convenceu a todos e Traoré teve de enfrentar manifestações estudantis e três tentativas de golpe. No entanto, os dissidentes foram suprimidos até o final da década de 80.


O governo, que durante algum tempo optou pela “repressão leve”, revelava suas garras e, em janeiro de 1991, começou a prender os líderes estudantis.  As ruas estavam cheias de veículos blindados e aconteceu a primeira morte entre os alunos.  A repressão atingiu seu auge em 22 de Março de 1991, quando várias dezenas de estudantes foram mortos. Hoje, o Mali é um dos países mais estáveis de África no domínio político-social. A razão dessa estabilidade é devida ao povo que teve coragem de dizer “não” ao ditador durante as eleições de 1992.


Desde então, Francisco Macías Nguema, da Guiné Equatorial, autoproclamara-se presidente vitalício do país, com direito a eleger seu sucessor. Em outubro de 1968, decidiu assumir, além da presidência vitalícia, os cargos de primeiro-ministro e de ministro do Exército, Justiça e Finanças. Entre 1971-1973, ele usurpou o poder do estado através de decretos. Ele revogou a Constituição e assumiu todos os poderes legislativo, judiciário e executivo. Sob sua ditadura nunca se celebraram eleições livres.


Em 1979, parte dos associados de Nguema havia percebido que era louco e perderam a fé nele. Ele se excedeu quando, no mesmo ano, ele matou um membro de sua família. Seu governo foi marcado de punho de ferro, assassinato em massa, pilhagem econômica e comportamento maluco que fez a sua esposa fugir do país em 1976.


Antes de ser derrubado e executado em setembro de 1979, Francisco Macias Nguema, presidente fundador da Guiné Equatorial foi o ditador mais cruel e sanguinário da África pós-independente. Foi comparado com Idi Amin Dada do Uganda, Jean-Bedel Bokassa da República Centro-Africano [PAC] e Ali Soilih do olhar Comores. Estes eram como meninos quando se trata de ditadura insana, assassinato em massa e a destruição de uma economia nacional.


Habyarimana foi o ditador de Ruanda entre o início dos anos 70 até abril de 1994. Os dois primeiros anos da Segunda República foram marcados pela criação em 1975, do Movimento Revolucionário Nacional para o Desenvolvimento [MRND], um partido único de que qualquer cidadão ruandês foi membro desde o nascimento. Com o apaziguamento étnico no interior do país, e um elevado crescimento econômico do país entre 1977 e 1981, fez com que Juvénal Habyarimana fosse eleito presidente da República nas eleições em 1978 e depois reeleito em 1983 e 1988, nunca com menos de 99 por cento dos votos. O ponto terrível do regime de Habyarimana, um ditador mais parecido com os demônios e o próprio Satanás fez chorar a África e o mundo, cujo saldo foi a morte de centenas de milhares de tutsis e opositores hutus em Ruanda. Um ato cruel protagonizado pelo clã do presidente Habyarimana em 1994. Foi um processo muito traumático mesmo para um continente sacudido por sucessivas tragédias. Os analistas falavam em até um milhão de mortos, mas provavelmente o número jamais será conhecido.


Daniel Arap Moi tomou o poder no Quênia em de agosto de 1982. Em 1983 Daniel Arap Moi foi releito. Moi, ainda no cargo, teve de ceder à pressão interna e internacional (bloqueio de créditos). Aboliu a disposição que consagrava o sistema de partido único. Aceitou a criação de partidos políticos e a convocação de eleições livres no final de 1992. A vitória eleitoral assegurou à KANU partido de Arap Moi 53 por cento dos votos.


Na campanha para as eleições de 1997, a oposição criticou abertamente o exercício autoritário do poder e foi violentamente reprimida. Mesmo assim, Arap Moi elegeu-se presidente mais uma vez.


O chefe do clã Obiang é o ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, da Guiné Equatorial e amigo de Eduardos dos Santos, assumiu o pode em 1979. Perseguiu adversários políticos, autorizou a tortura e instalou um dos mais corruptos aparelhos de estado de toda a África. Entre 1998 e 2004  acumulou 700 milhões de dólares [em apenas um banco, Riggs Bank] das nove instituições financeiras dos EUA investigadas pelo Senado. Isso representa quatro vezes e meia o valor estimado do patrimônio imobiliário da rainha Elizabeth II, da Inglaterra.


Utilizando a artimanha para se manter no poder, uma nova lei eleitoral proíbe coalizões partidárias nas eleições legislativas previstas para novembro de 1998. Em 2002, foi “reeleito” para um novo período de sete anos, com 99,5 por cento dos votos.


Poderíamos citar vários outros exemplos citados de ditaduras que têm utilizado as eleições manipuladas como meio de se perpetuarem no poder. Por isso, é pura ingenuidade esperar que eleições realizadas numa ditadura sejam livres e justas. Ingenuidade nossa! Porque o ditador tem toda a máquina política corrupta para fraudar os resultados das eleições. Aliás, Angola deveria aprender com as eleições de 2008, ganhas pelo MPLA, via fraude.


Fica aqui o alerta de que, no caso de eleições realizadas numa ditadura, o evento serve apenas para legitimar uma tirania ávida pelo poder.


2. A DITADURA É UMA IDEIA PODEROSA QUE DEVE SER VENCIDA COM UMA CONTRAIDEIA


Muitos angolanos bem intencionados pensam que podem acabar com a ditadura no país, utilizando velhos métodos. Outro engano cruel!


Permitam-me explicar.

Bom, em primeiro lugar, creio que não há nada no mundo mais poderoso que uma ideia. Posso até arriscar a dizer que as ideias são mais poderosas do que a morte. Na verdade, o mundo é governado por pessoas que morreram e deixaram suas ideias, que se tornaram ideologias e então filosofias, que se tornaram uma forma de reger os países. Por isso, nossos países são regidos ou sob uma ditadura ou uma democracia ou uma dinastia etc.


Na verdade, o mundo é governado por pessoas como Platão, Aristóteles, Sócrates etc. Eles inventaram a ideia de DEMOCRATA. DEMOCRATA é de onde tiramos o nosso conceito (ideia) de democracia. Uma ideia que foi desenvolvida pelos gregos.


A questão é que é impossível matar uma ideia. Você mata um homem, mas não suas ideias. Ideias são tão fortes que, se você tentar matar uma ideia, na verdade, ela se multiplica. Chamamos esse fenómeno de multiplicidade.


Por isso, socialismo, comunismo, democracia, ditadura, até mesmo o terrorrismo são uma ideia. E você não pode atirar numa ideia com uma bala. Não podemos matar uma ideia com uma arma. Eu creio que, se você pensar no fato de que as ideias são mais poderosas do que o próprio homem, então, se realmente quer lidar com a ideia da ditadura, como no caso da angolana, você não pode atirar com uma arma. E esse foi o caminho que nosso glorioso Jonas Savimbi havia idealizado e seguido. A luta de Savimbi era lutar contra a ditadura de Eduardo dos Santos com uma arma. Foi um erro!


Nesse sentido, a coisa mais importante que temos de entender é que ideias controlam o mundo! Na verdade, tudo que existe é um protótipo de uma ideia. O sapato nos nossos pés foi uma ideia, a roupa que vestimos foi uma ideia na mente de alguém.  Tudo no mundo primeiramente foi uma ideia. É por isso que ideias são tão importantes, porque, além de serem elementos de controle, são também fonte de criação de tudo.


Então, como já deixei o alerta no começo deste texto, se você tenta destruir uma ideia, ela se multiplica. Essa é a regra: as ideias se multiplicam quando tentamos eliminá-las. O erro é que, quando queremos realmente resolver o problema da ditadura, achamos que, se destruirmos o ditador, acabamos com ela. Engano nosso! Tiranos como Eduardo dos Santos não devem ser combatidos com armas. A solução, quando estamos diante de uma ideia, é uma nova ideia. Não precisamos de um exército, nem de guerreiros, nem de soldados. Precisamos de uma contraideia.


A solução para a ditadura em Angola é uma contraideia. Somente uma nova ideia pode derrotar uma ditadura. Angola não precisa de uma religião, tampouco da ajuda da ONU. Precisamos de uma contraideia. E de onde virá esta contraideia?


A resposta é: a contraideia deve brotar na mente da população angolana. É preciso ser criativo. A oposição angolana deve se unir, para surpreender o regime que tem todo o aparato do estado para fraudar as eleições. A juventude não deve ficar somente nas manifestações. Os mais velhos devem apoiar as iniciativas dos jovens. A ditadura deve ser contestada nos shows, nos livros, nas nossas músicas, nos comícios, nos púlpitos, como o Kuduru, nas praças, nos kandongueiros, nas maratonas, nas praias, nas discotecas, no Girabola. Enfim, o povo que sobrevive em choupanas, nos musseques sem luz, sem água potável e canalizada, deve encontrar maneiras de vencer a tirania. Deve criar coragem de escrever sua própria história. Só com uma contraideia a ditadura em Angola será vencida, e Eduardo dos Santos, sua família e amigos que enriqueceram de forma ilícita serão levados ao tribunal. Depois de julgados e condenados, eles deverão devolver a fortuna escondida no mercado negro. Tudo o que roubaram dos angolanos deve ser devolvido aos angolanos.

 

O autor

Ribeiro Tenguna é escritor, membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola e do Grupo Experimental da Academia de Letras. É Gestor de Empresas, Teólogo, Especialista em Resolução de Conflitos e Master in Business Administration.