Lisboa - Para obviar a conflitos internos o MPLA poderá sentir-se tentado a repetir os 82% de 2008, mas de pouco servirá para reforçar uma legitimidade política ameaçada por um vazio ideológico que não tem como esconder actos de rapina oligárquica. José Eduardo dos Santos precisa de assegurar a imunidade e património da família e correligionários mais chegados na hora da sucessão, mas a empreitada mostra-se difícil.


Fonte: Jornaldenegocios.pt

Boris Ieltsin confrontou-se com esse problema e se o sucessor escolhido em 1999 salvaguardou os interesses da parentela presidencial já dificilmente se poderá dizer que Vladimir Putin tenha sido complacente com boa parte da oligarquia ligada ao antecessor.

Em qualquer regime oligárquico - independentemente das manias e fobias da elite, das tradições políticas e idiossincrasias clânicas - é impossível garantir uma transição de poder sem fazer rolar cabeças.

Zé Dú – o líder do MPLA, algo diferente do Dos Santos dos "media" estrangeiros -- tem-se revelado implacável na promoção e defenestração de putativos sucessores, reservando exclusivamente para si o centro da teia do poder.

O presidente deixou cair, entre outros, Marcolino Mouco, João Lourenço ou Fernando Nandó e promove agora Manuel Vicente, mas as intrigas no Futungo de Belas dão prova sobretudo de instabilidade institucional.

A "Moody’s" e a "Standard & Poor’s" nas notações de crédito da dívida angolana emitidas este mês destacam a chamada "fraqueza institucional" como factor de incerteza.

A cleptocracia do petróleo

Presidente desde 1979, Santos tem consagrada a reeleição por mais cinco anos através da maioria simples ao alcance do seu partido nas eleições para a Assembleia Nacional nos termos da revisão constitucional de 2010.

A concentração presidencial dos poderes fulcrais do estado é indissociável do controlo ao mais alto nível dos principais nós da rede de patrocínio e locupletação que condiciona a economia angolana.

Altíssimos níveis de corrupção – a "Transparency International" coloca Angola em 168.º lugar entre 183 países no "Índice de Percepção de Corrupção" – aumentam custos de exploração e agravam a ineficiência e disfunções económicas no consenso de todos os estudos realizados por organizações internacionais.

Os abusos nas concessões de petróleo e diamantes e a opacidade da Conta Geral do Estado têm criado problemas nas relações entre Luanda e o FMI e levantado problemas às empresas estrangeiras abrangidas por diversa legislação anti-corrupção.

Luanda continuará dependente do petróleo, que representa 97% das exportações e três quartos das receitas do orçamento, e o controlo dessas rendas manter-se-á vital para a elite do poder tanto mais que Angola espera poder vir a ultrapassar a Nigéria como maior produtor africano saltando dos 1,6 milhões de barris/dia de 2011 para 3,5 milhões no final da década.

Angola tem uma dívida pública equivalente a 31,5% do PIB e as significativas reservas em divisas (32,5 mil milhões de USD em Junho) podem absorver choques imediatos nas flutuações do preços dos hidrocarbonetos, mas a diversificação económica tarda.

Os investimentos do pós-guerra em infra-estruturas na ordem de 150 mil milhões de USD mal começaram a criar as bases para redes de transportes, produção e distribuição de energia, que possam criar emprego no sector agrícola e nas indústrias não-extractivas.

Muito dólar para muito poucos

Um crescimento económico de 6,8% este ano e de 5% em 2013, na previsão do FMI, manterá um nível de desemprego superior aos 20% e Angola persistirá como um dos países com mais injusta repartição do rendimento (Índice Gini de 58,6 em 2009, sendo 0 igualdade absoluta e 100 desigualdade absoluta).

O peso da pobreza - mesmo dando crédito às estatísticas governamentais que referem uma redução de 68% em 2002 para 36,6% em 2008/9 no número de pessoas subsistindo com menos de 2 USD/dia - relega Angola para o fundo da tabela no "Índice de Desenvolvimento Humano" da ONU (148.º lugar).

A elevada concentração urbana (60% dos cerca de 20 milhões de habitantes, com perto de um 1/3 da população residente em Luanda) é de difícil gestão pelas autoridades dada a dificuldade em propiciar equipamentos básicos e emprego.

O temor do retorno às violências que só pararam em 2002 tem sido um dos factores a limitar a contestação ao poder, mas a juvenilização da população (48% dos angolanos têm menos de 15 anos) está em vias de engrossar as fileiras dos desmemoriados da guerra e insatisfeitos com a cleptocracia do petróleo.

Para obviar a conflitos internos o MPLA poderá sentir-se tentado a repetir os 82% de 2008, mas de pouco servirá para reforçar uma legitimidade política ameaçada por um vazio ideológico que não tem como esconder actos de rapina oligárquica.

Aos 70 anos Zé Dú, no pináculo do poder e da riqueza, olha em redor e está só.


Jornalista
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