Brasil  -  « (...) A grande expectativa de muitos cidadãos está apenas centrada na argumentação que o Tribunal Constitucional vai apresentar quanto ao que é factual e indesmentível, os inúmeros actos e omissões da CNE, que violam a lei e a Constituição e em consequência tornam as eleições de 2012 não honestas, justas, violadoras do princípio do sufrágio universal, numa palavra, fraudulentas. Esta é a minha opinião e respeito a opinião de todos os que entendem que as eleições de 2012 foram honestas, justas e não fraudulentas». (Macedo, Fernando. O que esperar do actual Tribunal Constitucional? In http: www.club-k.net , acesso 18 de Setembro 2012).


Fonte: Club-k.net


Depois de ter lido esta reflexão do ilustre Professor Universitário e Mestre Fernando Macedo, fiquei expetante para tomar conhecimento sobre a argumentação ou a fundamentação que os juizes do Tribunal Constitucional (TC) deveriam apresentar para justificar a sua decisão ao Recurso de Contencioso Eleitoral apresentado pela UNITA e a CASA-CE.


Optei por inseri-me no grupo dos “muitos cidadãos” referenciados pelo mestre! Porque entendia que a decisão ora tomada pelo TC era previsível e porque sempre acreditei que a UNITA e a CASA-CE estavam no exercício de um direito que lhes assiste como concorrentes às Eleições Gerais de 2012, ao abrigo dos artigos 153.º e 155.º da Lei 36/11 (Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais).


Enquando fazia a leitura dos Acórdãos n.º 224/2012 e n.º 226/2012 proferidos pelo TC, fiquei preocupado em buscar os fundamentos e argumentações que justificaram a decisão judicial. De facto, na minha modesta opinião, há mais fundamentação de natureza política do que a jurídica-constitucional. E as poucas fundamentações juridico-constitucionais apresentadas, algumas delas não foram suficientemente aprofundadas.

Por exemplo, no Acórdão n.º 226/2012 de 19 de Setembro de 2012, os juízes do TC concluíram:
« É, assim, convicção deste tribunal que o recurso interposto é improcedente, em virtude de não terem sido provadas as reclamações do Recorrente.


Consequentemente, e por tudo quanto acima se deixou fundamentado, é entendimento deste Tribunal Constitucional que a eleições gerais de 31 de Agosto de 2012, apesar dos constrangimentos organizativos verificados, nomeadamente em matéria de prazos e credenciamento de delegados de listas, foram livres, transparentes, universais e justas, nos termos previstos pela Constituição e pela Lei ». (Sic, p.27)
 

Mas, não se vislumbram no referido Acórdão os fundamentos jurídico-constitucionais que levaram os juízes, uma vez analisados os factos, a chegarem à conclusão de que as eleições foram livres, transparentes, universais e justas. Dito de outro modo, quais foram os fundamentos jurídico-constitucionais (artigo por artigo) utilizados para se dizer, por exemplo, que as eleições foram transparentes e justas? O que são eleições livres, justas e transparentes à luz da Constituição, das leis angolanas e da SADC?

 
De acordo com a nossa Constituição existe a tripla função jurisdicional do tribunal nomeadmente: 1) a tutela dos direitos e liberdades fundamentais; 2) a tutela do Direito através da repressão das violações da legalidade democrática; 2) e a dirimição dos conflitos de interesses públicos e privados (artigo 174.º).

Porque os juizes devem fundamentar as suas decisões? Qual é a função da fundamentação das decisões judiciais?


Contrariamente ao que dispõe algumas constituições, como a portuguesa, por exemplo, o actual texto constitucional angolano não define o dever de fundamentação das decisões dos tribunais. Mas, isto não significa que os juizes podem decidir como bem entendem sem nenhuma fundamentação ou argumentação juridico-constitucional.
 

O princípio do estado de direito democrático consagrado na CRA exige o dever geral de fundamentação das decisões judiciais.

 
Olhando um pouco para nossa história constitucional, lembro-me que durante o último processo constitucional, no anteprojecto proposto pela UNITA e no projecto ‘A’ estava previsto o dever de fundamentação das decisões judiciais, nos seguintes termos: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são públicas e fundamentadas na forma prevista na Lei». (n.º 1 do artigo 209.º Projecto A).
 
Lembro-me também que o actual Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, RUI FERREIRA, tinha sustentado na discussão do processo constituinte em 2004, que a futura Constituição judicial devia constitucionalizar o dever de fundamentação de decisões judiciais e a obrigatoriedade de não aplicação de normas legais, ainda que formalmente vigentes, desde que fossem contrárias à Constituição. (FERREIRA, Rui. Constituição Judicial – Presente e Futuro. in Seminário da Reforma da Justiça, Ministério da Justiça de Angola, Luanda: 1ª edição, Edijuris Edições Jurídicas, 2006, p. 80).

 
Não foi esta a opção do legislador constituinte. E desta forma, omitiu-se uma das principais características das decisões judiciais num estado de direito democrático que é o dever geral de fundamentação das decisões judiciais.

 
JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS traçam três características das decisões judiciais: a) necessária fundamentação, b) obrigatoriedade e c) susceptibilidade de execução.( MIRANDA, Jorge/MADEIROS, Rui, Constitucional Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 69).
 

O dever geral de fundamentação das decisões judiciais tem uma função social. Neste entendimento, merece especial destaque o comentário ao artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “as decisões dos tribunais”, que dispõe o seguinte:
 

«A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões – e uma função de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários. A obrigação de fundamentação relaciona-se, desde logo, com a própria função dos tribunais enquanto órgãos de pacificação social (…). Com efeito, a pacificação das relações sociais é melhor conseguida se os destinatários da decisão a puderem compreender e eventualmente a ela aderir. Por outro lado, ao comunicar as razões das suas decisões perante a sociedade, e agora não só perante as partes ou destinatários da decisão, os tribunais exercem o seu poder de forma transparente e aberta, contribuindo, assim, para a legitimação social do seu poder». (MIRANDA, Jorge/MEDEIROS, Rui, op. cit., tomo III, p. 70).
 
 
 
Uma suficiente fundamentação da decisão judicial contribui para garantir o direito ao recurso exercido pela parte interessada, para pacificação social e para assegurar a transparência e legitimidade social do próprio tribunal.

 
« As decisões dos Tribunais são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades ». (n.ºs 2  artigo 177.º CRA).

 
Por imperativos constitucionais, deve ser aceite a decisão do Tribunal Constitucional, mas não será por ela (decisão do tribunal) que os cidadãos conscientes e honestos com a sua cidadania considerarão que as Eleições Gerais de 2012 em Angola foram livres, justas e transparentes.

 
Eu sou um dos “muitos cidadãos” referenciados pelo Mestre!
 

Construamos cidadania, senhores Juizes!
 
António Ventura (Jurista)

(*) Extratos deste texto estão no livro do autor « Da Independência do Poder Judicial na Constituição da República de Angola: Subsidíos para sua compreensão», publicado em 2010.