Luanda - Com a tomada de posse do Presidente da República (PR), do Vice-Presidente e dos Deputados à Assembleia Nacional (AN) está praticamente terminado o processo eleitoral de 2012. Temos um Presidente com legitimidade eleitoral, e renovado o órgão representativo dos cidadãos, a Assembleia Nacional!
 

Fonte: Club-k.net

A realização de eleições ou o exercício do voto é um dos elementos essenciais em qualquer país democrático ou que se pretende democrático.
 

Mas, a democracia não se esgota nas eleições ou no exercício do voto e consequentemente na representatividade. Pois, um pouco por todo mundo, sobretudo em países situados em África, na América Latina e na Ásia, alguns líderes autoritários têm realizado eleições, vencem com maiorias qualificadas e constituem parlamentos, porém num ambiente de corrupção eleitoral, de falta de pluralismo de expressão, de coerção e de supressão das liberdades fundamentais, em fim, de falta de democracia.

 
Amartya Sen, Professor da Universidade de Harvard e Prémio Nobel de Economia em 1998, esclarece « É evidente que o voto secreto tem um papel muito importante inclusive para a expressão e a eficácia do processo de argumentação pública, mas isso não é a única coisa que importa, e pode ser visto apenas como parte- reconhecidamente, uma parte muito importante- do modo como a razão pública opera em uma sociedade democrática» ( A Ideia de Justiça, São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 361).
 

A Constituição da República de Angola prevê no seu artigo 2.º que « A República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa ».
 

Realizada as eleições, a “democracia não fica de férias”!
 
A própria Constituição também define que constitui tarefa fundamental do Estado « defender a democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais ». [artigo 21.º l)].
 

Como podemos observar, a nossa Constituição prevê a democracia representativa e participativa. Temos representantes, mas precisamos aprofundar a relação entre representantes e representados; promover aprofundar e concretizar, cada vez mais e com seriedade, a democracia participativa.
 

Assim, [através da democracia participativa, a Constituição mantém a titularidade (a posse) do poder político nas mãos do povo (dos cidadãos), na medida em que estes, por via do «pluralismo de expressão e de organização política» (art. 2.º/1 da CRA), detêm o poder de influenciar as decisões dos seus representantes e de os destituir por via pacífica, quando estes não cumprem as suas obrigações decorrentes das imposições constitucionais, condensadamente positivadas no artigo 1.º da CRA. Isto é, a obrigação de construção de «uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social»]. (Fernando Macedo, Guia de Aula Teórica, Luanda, 2011,p. 310 )
 

O texto constitucional sugere que, ao longo dos cinco anos de mandato do PR e da AN, os cidadãos podem e devem, no seu dia a dia, exercer a sua cidadania por via da democracia participativa.
 

Significa que os cidadãos podem exercer a sua cidadania através do exercício dos direitos e liberdades previstas na constituição entre as quais as liberdades expressão e crítica contraditória, de associação, de reunião, de manifestação, a liberdade de crença religiosa, o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa, de gozarem de informação sem censura e manipulação, o direito de beneficiarem dos bens económicos e sociais do país numa base justa e num contexto de igualdade entre todos, uma vez que a CRA (artigo 23.º) também prevê a igualdade entre os cidadãos.
 

Nesta conformidade, importa esclarecer que, para além do voto, o exercício constante dos direitos e liberdades fundamentais constitui outro elemento essencial para o aprofundamento e fortalecimento da democracia. 
 

Em obediência à Constituição (artigo 15.º), no ato de posse, o Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, jurou defender a democracia; e no seu discurso de investidura reiterou « aprofundar a democracia».
 

O que deve significar este compromisso na nossa prática política?
 

Primeiro: Respeitar as instituições democráticas. Neste texto, instituições democráticas significam a constituição, as leis e normas de conduta social, os direitos e as liberdades políticas fundamentais, as regras do jogo democrático, as liberdades econômicas, imprensa independente, a separação do poder, os tribunais e juízes.
 

Segundo: Acabar com a perseguição e violência contra os cidadãos que se manifestam pacificamente, contra os membros da sociedade civil e associações que se expressam sobre as políticas públicas inadequadas, contra os ativistas e defensores dos direitos humanos e responsabilizar os ministros, polícias e militantes do MPLA que promovem estas práticas.
 

Terceiro: Não instrumentalizar e manipular a TPA, a RNA e o Jornal de Angola a seu favor para promover o MPLA, para ultrajar os líderes da oposição e os cidadãos que pensam diferentes do Presidente, para promover o discurso de violência através do recurso constante ao passado de guerra para instigar o medo e a intimidação, mas sim fazer que estes órgãos de comunicação social públicos sejam de fato independentes e livres, que cumpram com o seu papel informativo permitido a analise crítica e contraditória, dando voz aos sem voz, promovendo à cidadania, à cultura da paz, do diálogo e da tolerância, em fim que cumpram o interesse público conforme consta na Constituição e na Lei de Imprensa.
 

Quarto: Continuar a promover a erradicação de fatores que impedem a participação democrática dos cidadãos como a restrição do acesso à informação fora do marco legal, o analfabetismo, a falta de transparência, a corrupção, a educação sem qualidade, os serviços de saúde deficitários, a falta do acesso à água e luz, a pobreza etc.
 

Quinto: Permitir que todos os cidadãos possam gozar dos bens comerciais- económicos da sociedade em perfeita condições de igualdade; o acesso à habitação de qualidade, os créditos bancários, as bolsas de estudo, a abertura de grandes, médios e pequenos negócios, as promoções para cargos públicos não podem ser feitos com base na opção político-partidária, na ascendência ou na etnia do cidadão.
 

Poderia enumerar outros significados, mas citei apenas cinco simbolicamente porque o mandato dos órgãos eleitos durará cinco anos...
 

« Democracia só pode sobreviver enquanto democracia forte, se assegurado não por grandes líderes, mas sim por cidadãos responsáveis e competentes (...) só somos livres enquanto cidadãos e a nossa liberdade e igualdade só dura enquanto durar a nossa cidadania ». (Benjamim Barber, Strong Democracy, -1984) 1990, prefácio, p. 24).
 

Construamos cidadania!
 

António Ventura (Jurista e ativista cívico)