Luanda - À medida que altos dirigentes são purgados e que funcionários provinciais, deputados e directores nacionais são aposentados, surgem mais apelos públicos para que membros do Bureau Político e do Comité Central (tal como do Governo) sejam removidos.

Fonte: AIU

Tornou-se claro que Angola está numa encruzilhada. O futuro do país já não parece ser determinado pela sua economia supostamente “extremamente bem-sucedida”, que transformou o país numa “potência regional” em 10 anos. Em vez disso, a turva e cada vez mais fracturada política do país está a condicionar agora o seu destino.

E, comprovados os desvios bilionários no erário público que significaram o desaparecimento da maioria da riqueza alcançada na fase “dourada”, inicia-se a contestação silenciosa. Conclui-se ainda, que adjectivar de potência e economia bem sucedida, foi algo precipitado com objectivos de subordinação negocial.

Basta olharmos para a actual luta pelo poder, em vésperas das mudanças de liderança planeadas para o Setembro, ou para os números oficiais que mostram que os protestos rurais e urbanos têm aumentado à mesma taxa que o PIB de Angola se cifra muito aquém dos pretendidos “dois dígitos”.

A queda súbita de “Nandó” – e repentino aparecimento, tal como o ressurgimento de Higino Carneiro e Manuel Rabelais – é só um exemplo das lutas internas sem quartel que estão a ocorrer em Luanda, o recinto fechado dos líderes. Na verdade, diz-se que as querelas intestinas são tão cruéis que houve rumores, negados pelo regime, que o congresso do Partido MPLA (Movimento Popular de Libertação Nacional), onde um novo Vice-Presidente e Secretario Geral devem ser ungidos, poderia ser adiado, tal como foram adiadas por diversas vezes a divulgação das listas parlamentares.

Para evitar crispações, a estrutura governamental e os grupos a ele associado impediram mudanças de fundo de caras, com mais de 20 anos de executivo e provas dadas relativamente a sua incapacidade em trazer a mudança de vida para os angolanos.

A abrupta vilificação de “Nandó” pelo Presidente do Partido depois de o louvar pela sua liderança por diversas vezes noutros cargos alimentou o cinismo público sobre a sua queda orquestrada e pôs a nu o ténue núcleo ideológico da liderança, que falhou na hiperbolização do actual Vice-Presidente e levou a um retrocesso para que Dias dos Santos fosse reconduzido ao Parlamento, mesmo não estando nos lugares iniciais das listas, mas com índices de popularidade dentro e fora do partido de invejar a muitos. Se Angola pretende preservar os seus ganhos em estatura global, deve evitar uma aterragem política forçada. Neste momento, são concebíveis pelo menos cinco cenários diferentes.

Reequilíbrio: O Partido protege a sua legitimidade, mantém subordinados os militares, e consegue conter a dissensão popular. Por outras palavras, o status quo prevalece no futuro previsível. Este é o cenário menos provável, devido a desacordos internos profundos no Partido e ao crescente descontentamento popular. Não existe uma liderança capaz de ser o elo.

Implosão: Esta probabilidade de desintegração política, colapso económico, e desordem social pode não ser mais elevada do que a do reequilíbrio. A fixação do governo na paridade Kwanza – Dólar, ou manutenção da estabilidade, fez com que o país investisse na a segurança interna e nas ondas de repressão pessoal e virtual e a imprensa não colada ao regime, tal como a raptos que impeçam qualquer manifestação e desmoralizem o sector contestatário partidário e apartidário.

Isto sublinha a extensão com que as autoridades têm que levar a cabo a repressão interna para perpetuar o domínio do partido semi-único e manter controlo sobre as inquietas regiões povoadas por minorias étnicas que compreendem mais de 60% do território de Angola. Mas também pode explicar porque é que uma auto-imolação na Tunísia ajudou a despoletar a Primavera Árabe, enquanto várias manifestações não conseguiram inflamar um movimento popular semelhante contra o Estado Angolano.

A União Soviética implodiu porque o partido era o estado, e vice-versa. Angola, pelo contrário, estabeleceu uma forte capacidade institucional, uma estrutura provincial multinível, uma tradição de mudança de liderança em cargos chave (que estagnou devido aos interesses económicos), e um bem oleado e sofisticado aparelho de segurança que tem acompanhado os avanços tecnológicos. Portanto, o Governo de Angola tem tentado prosseguir uma política de “relaxado no exterior, vigilante internamente”.

Reforma guiada: Inicia-se um processo de mudança política gradual, em conformidade com o aviso de nacionalistas de que sem reformas “urgentes”, Angola arrisca turbulência e perturbação do crescimento económico. Poderá o país copiar o exemplo recente da África do Sul e Namíbia, que iniciou significativas, se bem que ténues, reformas políticas?

Como herdeiros políticos dos revolucionários comunistas do seu país, os líderes de terceira geração que detêm as rédeas do poder em Angola podem possuir uma forte linhagem, mas são também marcados e limitados por ela. Os chamados “Pequenos Príncipes” estão presos na mesma cultura política que levou à morte de milhões de angolanos e à repressão continuada de opositores (reais ou imaginados). Não se parecem minimamente com reformistas políticos (basta ver os seus actos negociais e políticos, intimamente ligados aos comportamentos dos seus antecedentes no trato da coisa pública e do cidadão próximo).

Grande Salto Atrás: Uma nova “Revolução” ocorre, à medida que a facção no poder procura impiedosamente suprimir a dissensão dentro e fora do sistema. Como tem sido avisado, recentemente, ainda há muitos “adoradores das armas” no poder em Angola. Na verdade, o sistema político do país é de tal ordem que só os mais fortes avançam. Príncipes caídos, Miala, Higino Carneiro, Rabelais, Tati, Mawete, foram acusados de crueldade e corrupção – traços que são endémicos na oligarquia enclausurada e fragmentada, que valoriza a linhagem familiar e que depende de redes de aliados. Alguns voltaram, outros rejeitaram voltar.

Golpe Pretoriano: Os grandes generais do Exército (reformados e no activo) que governam por detrás de uma máscara civil, cada vez mais ditando as regras aos oficiais do Governo, que dele dependem. Enquanto a liderança civil se tornou difusa (qualquer Ministro do Interior ou Defesa, desde “Nandó” e Paihama tem sido mais fraco que o seu antecessor), os militares têm gozado de maior autonomia e de orçamentos sempre decrescentes desde 2002. Na verdade, o Partido, tendo deixado de ser um monólito rígido obediente a um único líder, tornou-se dependente dos militares para a sua legitimação política e para assegurar a ordem interna.

A crescente influência política nas forças de segurança é manifesta na acutilante luta pelo poder no seio do Partido. Nas últimas semanas antes das eleições e após, um número incomum de altas patentes militares publicou artigos em jornais oficiais, apareceu nas rádios e televisão pedindo disciplina e unidade partidária, e aludindo ao papel dos militares na contenção das lutas internas.

Outro desenvolvimento é a crescente tendência dos generais em intervir extemporaneamente em assuntos estratégicos e em minar a estratégia diplomática. A verdade crua é que o ministério do exterior é o ramo mais fraco do Executivo, frequentemente ultrapassado ou simplesmente ignorado pelo sistema de segurança, que está sempre pronto a sobrepor-se até ao Partido.

A política interna de Angola tem efeitos na sua política externa. Quanto mais fraca se tornou a liderança civil, mais Angola se tem inclinado a rejeitar a máxima de ocultar as ambições e esconder as garras. Pelo contrario, acossado, o regime demonstra a sua espada e desistência da sociedade civil, como parceiro, ameaçando sempre que possível, aqueles que ousam colocar-se no seu caminho. Angola tem-se orgulhado ultimamente mais em assumir as suas garras que em retraí-las, em desafiar e guerrear (com artigos polémicos por exemplo) do que em dialogar. Sob qualquer cenário plausível, uma política externa contida e estável pode tornar-se mais difícil e perfeita para derrotas, como se verificou na Costa do Marfim e Guiné Bissau, e no recuo relativamente ao apoio a Líbia, Egipto e Tunísia.