Luanda - Nós e o Outro são filhos dos mesmos pais, o Sr. Pai-Dele e a Sra. Mãe-Dele. Infelizmente nasceram numa altura em que, depois de muitos anos de sofrimento, o Pai-Dele e a bela Mãe-Dele se estavam a separar. Por decisão do conselho de família, Nós foi viver com o Pai-Dele no Alvalade, na rua das embaixadas, enquanto o Outro foi com a Mãe-Dele na zona da Dona Amália, no Rangel, numa casa de blocos queimados e teto de chapa.

Fonte: facebook

O Nós cresceu a brincar a andar de skate e bicicleta. Às vezes saía do Alvalade com os amigos e iam até ao Eixo viário com os seus skates e as Bmx 's. Depois da brincadeira juntavam-se todos e iam à Bem-Bom comer gelados e bola de berlim. Enquanto isso, o Outro e os seus amigos, que vinham do Rangel, do Cazenga e alguns do Marçal e do Sambizanga, andavam de trote e carros de sabão, que eles próprios faziam. Quando tivessem fome, iam até aos Congolenses e roubavam bombó com Ginguba às senhoras que vendiam junto àqueles prédios atrás da ETP.

Nós andou em várias escolas. Passou pelo Kanini, depois mudou-se para o Juventude. Reprovou e o pai mandou-o para o Mutu, mas acabou por parar no São. josé, antes de ir para o Puniv. As férias passava normalmente em Lisboa, mas quando se portasse mal ia pra Londres de castigo, onde era muito mais frio e não tinha tantos primos nem amigos. Com o Outro não foi muito diferente o percurso escolar. Fez a primária na Ginguba, depois foi para o Chê-Guevara no ensino de base, reprovou e foi para a Jota repetir a 5ª, mais tarde foi para o Angola e Cuba do Golfe e acabou por ir fazer o médio no Puniv do Cazenga. As férias normalmente passava em casa de uma tia no Miramar.

Assim que terminou o médio, o pai mandou Nós pra Lisboa, por causa da guerra. Felizmente pra ele, não foi sozinho. Grande parte dos seus colegas teve o mesmo azar. A Mãe-Dele, coitada, vendia no Roque e não tinha como mandar o filho pra fora. A solução era mandá-lo pra guerra ou tirá-lo da escola. Antes burro do que morto... Por causa das rusgas, o Outro teve de parar de estudar. Arranjou um emprego de mecânico na oficina de um tio, onde viveu quase escondido durante a guerra.

Felizmente a guerra acabou. Nós e os amigos, que tiveram de fugir da guerra para ir à Lisboa, Londres, Brasil, Johanesburg e Capetown, Houston e Tulsa, puderam, enfim, voltar ao país. Com tanta coisa em comum, decidiram decidiram criar um grupo: A sociedade. Há quem os chamava de Jet7. Quase todos tinham bons empregos, bons carros, boas casas, vestiam roupas de marca e passavam os fins de semana entre ilhas. Na de Luanda, nas festas do Miami Beach e do Caribe, e na do Mussulo, onde o Pai-Dele tinha uma casa. Eram eles que dominavam o Pandemonium, o Tartaruga, o Mathieu, as discotecas da cidade, onde tinham estatuto VIP. Um dia o Outro e os amigos decidiram ir a uma daquelas discotecas.

- Quem és tu? - Perguntou o porteiro, travando-o com a mão no peito.
- Eu sou o outro. Estes são meus amigos, estão comigo.
- Desculpa, mas vocês não vão poder entrar. Esta festa é só pra Nós e os amigos, a sociedade. E só pode entrar quem estiver de branco. Assim todos de preto como vocês estão, não entram.

Desde aquele dia, o Outro e os amigos decidiram nunca mais ir às festas das discotecas da baixa. Revoltados, decidiram organizar as suas também. Eram em Luanda, mas não na Ilha, davam no Rangel ou no Sambizanga, no Cazenga ou em Viana. Não era no Miami nem no Caribe, muito menos no Palos, era na Mãe-Jú, na GyPson, no Cazengão, não era nem de branco nem de preto, da saudade ou da esperança, era de Sipôr, do arrasto sem cama, Party Pila. Invés de pop e funk, dançavam Kizomba e kuduro.

E durante anos Nós e o Outro viveram assim em mundo separados, sem saberem da existência de cada um, até ao dia em que o Marck Zuckerberg decidiu inventar o Facebook e torná-lo grátis e acessível tanto a Nós como ao Outro. Um dia, visitando o perfil de um amigo, Nós encontrou uma foto que parecia sua mas com outro nome, com roupas que não eram suas, com amigos que não eram seus, numa casa e numa rua que nunca conheceu. Abriu o perfil do Outro que tinha a sua cara e descobriu que eles eram irmãos, porque estava lá que o tal era filho do Pai-Dele e da Mãe-Dele, que nunca conheceu.

Sem dizer nada aos amigos, decidiu vigiar para conhecer o irmão à distância, visitando todos os dias a sua página. Cada vez que a via ficava escandalizado. Ficou escandalizado quando descobriu o tipo de festa que ele organizava, quase caiu quando viu através das fotos que o Outro publicava, as brincadeiras que fazia com os amigos, que acabavam quase sempre com um braço partido e um abraço incompleto. Chocava-se com as músicas que ele gostava, cantava e a forma como dançava. Através do outro, ele percebeu que o mundo não terminava no Kinaxixi, que havia mais problemas do que escolher a cor do novo carro para comprar, o papel de parede para o quarto dos miúdos, que roupa usar no réveillon... E que além dos seus amigos, a sociedade, existem os Outros, os amigos do seu irmão, o Outro.

Agora que sabe que ele e o Outro são irmãos gémeos, Nós não sabe o que fazer. Tem medo que o confundam com o Outro, mas também não sabe se o aceita entre os seus amigos, na sociedade, se o conhece de verdade ou se finge que não sabe e o continua a ignorar...