Luanda – Estamos todos de parabéns em termos constatados que a luta titânica que tem sido desenvolvida pelo povo angolano de salvaguardar e defender os seus valores culturais está surtir alguns efeitos tangíveis. Desta vez, no dia 8 de Janeiro, Dia Nacional da Cultura angolana, tivera havido muitas manifestações culturais, promovidas pelo Ministério da Cultura, apelando à sociedade angolana para que se engajasse firmemente nos esforços do Executivo de promover e reabilitar o nosso grande mosaico cultural.

Fonte: Club-k.net

Este gesto, de patriotismo, é curioso na medida em que revela uma certa mudança de pensamento e de postura em relação a valorização da Cultura Angolana, sobretudo das suas Línguas que ficaram reprimidas e neutralizadas durante a época colonial e na pós-independência – de 1975 até 1998.

A minha curiosidade reside no nível elevadíssimo da alienação cultural, resultante do processo contínuo e sistemático da desculturação, assimilação e crioulização da Sociedade Angolana, pondo em xeque a existência da Cultura Angolana.

Nesta referência, durante a semana da cultura angolana, acompanhei uma reportagem da TPA, da cidade de N’Dalatando, de uma entrevista com uma senhora, que afirmava o seguinte: “Na época colonial tivemos a liberdade de falar amplamente as nossas Línguas e practicar os nossos costumes, tradições, usos e hábitos. Os nossos filhos tinham o interesse e obrigação de apreender e practicar a nossa Cultura e comunicar-se nas nossas Línguas maternas.

Infelizmente, após a independência, alterou-se tudo. Ninguém se interessa pelas nossas Línguas, e a nova geração olha para esses valores culturais com desdém e indiferença”. Fim de extracto.    

Na verdade, o sistema colonial português tivera adotado uma política de assimilação que visava reduzir o impacto esmagador das Línguas indígenas. Além disso, visava isolar as Comunidades Negras da nova geração intelectual que se afirmava gradualmente em classe média, sob o desígnio da assimilação.

Apesar disso, o sistema colonial não tivera sido incisivo e abrangente em destruir as Línguas indígenas como vinha acontecer na após independência, em 1975. Visto que, nas Comunidades locais e nas Missões Católicas e Protestantes, as Línguas indígenas faziam parte integrante do Ensino Primário e da Evangelização.

Este clima de acomodação e hostilidade vinha alterar-se bruscamente com a usurpação do Poder em Luanda pelo MPLA que vinha desencadear o processo da eliminação literal das Línguas Africanas de todo o sistema de Ensino e de Educação em Angola. O Estado foi declarado ateísta e as Missões Religiosas ficaram banidas de exercer a Evangelização.

Seguindo de uma campanha sistemática de denegrir os Valores culturais Angolanos, tratando-os de atrasados, antiquados, arcaicos, grosseiros, inferiores, ineptos, tolos, ignorantes, desumanos – isto é, matumbos. Classificando, desta forma, as Línguas nativas de dialetos – Línguas de Povos primitivos – do Mato.

O reflexo psicológico desta campanha sistemática sobre a nova geração, da pós-independência, fora dramático e avassalador. Destruindo, deste modo, a identidade cultural que constitui um dos principais factores-chave da essência, da dignidade e da existência humana.

Em simultâneo, o MPLA vinha introduzir e promover, em grande escala, os valores linguísticos e culturais luso-brasileiros – que hoje exercem um domínio extraordinário em todas esferas da sociedade angolana, sobretudo nos centros urbanos.

Incutindo, assim, um forte complexo de inferioridade na Comunidade Negra Angolana, vítima da escravatura, da colonização e da segregação social, económica e racial.

Este processo da nova colonização da Sociedade Angolana, iniciado em 1975, levou a Comunidade Negra a sentir medo e vergonha de expressar-se nas suas Línguas maternas, sobretudo na cidade de Luanda, onde a incidência de desculturação, de assimilação e da crioulização tem sido esmagador e insuportável.

Muita gente fora obrigada a renunciar os seus locais de nascimento e adoptar Sambizanga como o Berço de toda Humanidade. A própria Administração Pública, em Luanda, influenciava e obrigava as pessoas adoptar falsos locais de naturalidade. Isso estava enquadrado no Conceito de considerar as Províncias do País, fora da cidade de Luanda, como sendo mato.

Estudos feitos sobre o processo da desagregação da Cultura Angolana e das suas Línguas indígenas revelam que, cerca de 85% tivera sido feito no período entre 1975 e 1998.

Noutras palavras, o Regime colonial tivera sido responsável apenas por cerca de 15% de todo o prejuízo causado às Línguas nacionais. O que significa efectivamente que, 85% foi uma Obra gigante, desenvolvida pelo MPLA, na pós-independência.

Convém ter em consideração dois aspectos relevantes neste processo do desmantelamento da Cultura Angolana. Os acontecimentos dramáticos de 27 de Maio de 1977, que vinham culminar-se num autêntico holocausto, reforçaram este processo da repressão e eliminação gradual das Línguas nacionais e dos Valores culturais Angolanos.

Pois, o 27 de Maio foi caracterizado por uma disputa interna no seio do MPLA entre os «argelinos» (quadros que andavam no estrangeiro) e os quadros do interior do país, liderado por lendário Comandante Nito Alves.

O desequilíbrio verificado na correlação de forças entre as duas alas (provocado pela intervenção massiva do contingente cubano), que vinha resultar-se na derrocada da Ala patriótica do interior do País, deu azo aos «argelinos», aproveitar-se desta situação vantajosa reforçar os mecanismos da alienação cultural, da assimilação e da crioulização da sociedade.

Por outro lado, na eclosão da Guerra Civil, em 1975, a UNITA vinha defender, com toda firmeza, o patriotismo angolano, assente na angolanidade, na defesa de Angola profunda, dos pés-descalços, das línguas nacionais e dos valores culturais.

Esta política do Galo Negro, enraizada na Africanidade, servira de bode expiatório e do factor-catalisador da campanha sistemática da destruição da Cultura Angolana, pelo MPLA. Interessa reconhecer o facto de que, desde sempre, a Liderança deste Partido foi alérgica ao Pan-africanismo e defendia, com todo vigor, a Civilização luso-brasileira, assente essencialmente no Internacionalismo Proletário, de matriz estalinista.

Nesta lógica, há determinado aspectos que me cria o cepticismo em relação a propalada viragem de pensamento e de postura no que diz respeito a valorização e a reabilitação da Cultura Angolana.

Portanto, qualquer processo de transformação social e cultural, os Lideres desempenha o papel fundamental e preponderante. Dado o facto de que, eles servem de modelos e de factor-impulsionador desta dinâmica transformadora.

No caso especifico de Angola, qual será o papel um Chefe de Estado virá desempenhar na valorização de uma Cultura ou de uma Língua se ele próprio desconhece isso? Como que irá valorizar alguma coisa, deste calibre, e reabilitá-la sob o desconhecimento absoluto da essência, do conteúdo e da natureza do fenómeno em causa?

Nesta ordem de pensamento, será que o nosso Presidente da República, Eng.º José Eduardo dos Santos, tenha algum domínio de uma das nossas Línguas nacionais e practicar os seus costumes, hábitos, usos, e tradições? Não acho que o tenha!

Logo, a Cultura de um Povo está intrinsecamente ligada à Terra, às Instituições tradicionais, à História, e ao Código Costumeiro que conservam, preservam e transmitem esses Valores, num processo contínuo de sua evolução, crescimento, inovação e transformação.

A Cultura é um Legado colectivo de uma Nação que se transporta por gerações, através de mecanismos hereditários e costumeiros, de uma árvore genealógica, que define a ordem da sucessão do Poder tradicional e a remodelação das suas Instituições.

Por isso, todo o processo da reabilitação, renovação e promoção da Cultura Angolana devem tomar em consideração este gama de princípios, valores e procedimentos, obedecendo ao Código Costumeiro e à ordem genealógica, quanto se trata da disposição ou da sucessão do Poder tradicional.

No meu entender não é isso que está acontecer no nosso País, desde 1998, quando MPLA traçou uma nova estratégia em relação a transformação do Poder tradicional em instrumento político-partidário para subjugar as populações locais. Ocupando, desta forma, as terras comunitárias e das populações locais, transformando-as em «propriedades originária do Estado» (Artigo 15º da Constituição), sob sistema semifeudal.

Em consequência disso, verifica-se actualmente uma «Revolução Agrária» intensa, em que as populações locais estão a ser expulsas das suas terras, desterradas e concentradas em determinadas áreas, sem mínimas condições de vida; as suas terras deixadas atrás estão a ser ocupadas por novos suseranos, os quais entregam-nas aos Portugueses e Chineses que as transformam em Colonatos.

Ao passo que, os Poderes tradicionais estão a ser desfeitos, substituídos por antigos Comissários Políticos das FAPLA. Outros estão a ser forçados a ingressar-se no MPLA, transformando-se em activistas político-partidários. Todos aqueles que tentam resistir a incorporação partidária são destituídos, excluídos, negadas as regalias do Estado. Muitos dos quais são perseguidos e eliminados fisicamente pelos Serviços de Segurança do Estado, que funcionam em sintonia com as células clandestinas do MPLA.

Este é o quadro real que se vive no País sob a «cortina-de-fumo», da dita reabilitação e promoção da Cultura Angolana. Ali estará o meu forte cepticismo sobre este teatro que se verifica actualmente, de dar entender que haja a vontade política de alterar este quadro sombrio que ameaça a existência da nossa Cultura Nacional.

Há, de facto, uma diferença diametral entre o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe e Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. O primeiro fez uma «Reforma Agrária Violenta» no sentido de libertar as terras ocupadas pelos Fazendeiros Brancos e devolvê-las às Comunidades Negras.

O segundo, ao contrário, está lançado numa campanha intensa de «confisco das terras» das Comunidades Negras e vendê-las aos Estrangeiros Brancos.

Este é o maior contraste doutrinário que distingue o «chauvinismo» do Robert Mugabe e a «xenofilia» do José Eduardo dos Santos, embora os dois sejam aliados estratégicos no contexto do multilateralismo, assente na cooperação, regionalismo e integração continental.   

Em muitos países africanos, no caso específico da Africa do Sul e da Nigéria, o Poder tradicional constitui o «contrapeso» aos Poderes Legislativo e Executivo do Estado. Ele tem Instituições fortes, com uma Câmara Representativa, com Poder real de negociação, capaz de criar o equilíbrio na feitura das leis, na formulação das políticas do Estado e na tomada de decisões importantes que afectam o País, sobretudo as Comunidades locais.

Acima disso, o poder tradicional, nestes Países acima referidos, constitui um factor-complementar ao Poder Judiciário do Estado. Sendo, cada um deles, segundo a sua tradição, costumes, hábitos e usos, é revestido de maior autoridade e dignidade, com Códigos Protocolares e Trajos tradicionais próprios que representam a História e a Herança cultural de cada Dinastia.

Em Angola, porém, os Sobas constituem um Exército de Sipaios, trajados do mesmo uniforme que lhes identificam como activistas políticos do MPLA. Na presença dos Governantes e Dirigentes do MPLA eles são postos a dançar, misturados com palhaços, num sinal evidente de adoração ao Poder e ao Partido, respectivamente.

Interrogo-me, será este tipo de trato que pretendemos atribuir aos nossos Mais-velhos, repositórios e símbolos da nossa História e da nossa Herança cultural, no quadro da valorização e promoção da Cultura? Lamento bastante e isso revolta a minha consciência patriótica e pan-africanista, bem assumida.

Em suma, esta campanha de reabilitação da Cultura Angolana é uma cortina-de-fumo, um «escárnio autêntico», que visa somente disfarçar as manobras da ocupação ilegal das terras, do desmantelamento da Cultura Angolana e da partidarização do Poder tradicional.

A Cultura luso-brasileira tendo-se implantada firmemente nas cidades, agora o Regime está a desfazer os redutos da Cultura Angolana que resistiram as investidas do Colonialismo Português e a Campanha sistemática que se instalou desde 1975.

Os Colonatos que se espalham pelo todo País, criando feudos restritos para as comunidades locais, responsabilizarão pelo processo sistemático da alienação, desculturação, assimilação e crioulização da Sociedade Angolana – em toda sua extensão.

Como é natural, este processo antipatriótico não será pacífico porque, cedo ou tarde, irá culminar numa resistência titânica da nova geração intelectual, que assiste de como as terras dos seus ancestrais estão a ser ocupadas e transformadas em Colonatos pelos novos Colonialistas domésticos.

Luanda, 18 de Janeiro de 2013