Luanda – Líderes de partidos e coligações de partidos políticos, com e sem assento parlamentar, convergem na necessidade da realização de eleições autárquicas em 2015, de forma generalizada, e não progressiva como defende o Executivo, ou seja, contemplar alguns municípios numa primeira fase, e, posteriormente, outros nas eleições subsequentes, argumentando que as eleições territoriais devem realizar-se em simultâneo.

Fonte: O País

Quintino de Moreira, presidente da Nova Democracia-União Eleitoral (ND-UE), entende que o escrutínio para a eleição do poder local deve ser realizado em todo o país e não em alguns municípios, como se pretende, apelando ao Executivo que crie condições naqueles onde não existam, para que o processo seja inclusivo, com base na lei. “ Esta é a primeira condição para se evitar autarquias de forma gradual”, opinou.

O político acrescentou que não obstante ser a primeira vez que o país realizará este tipo de eleições para a escolha das autoridades locais, o processo não difere muito do figurino de eleições legislativas ou mesmo gerais, e é com base nisso que defende intransigentemente que as autárquicas se estendam a todo o território nacional. A seu ver, existem condições para isso, seja do ponto de vista dos recursos humanos, como nas condições materiais.

Segundo a fonte, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), órgão encarregue de organizar e supervisionar processos eleitorais, tem as suas estruturas a funcionarem ao nível municipal, e estas devem estar preparadas para, mais uma vez, exercerem  esta actividade quando forem chamadas para o efeito. “ Existem estes órgãos e são esses que devem fazê-lo, porque  até agora os seus funcionários continuam a serem remunerados até ao fim do seu mandato”, afirmou.

Para a o líder da Nova Democracia, força política que se estreou na Assembleia Nacional (AN) durante a segunda legislatura na história de Angola democrática, a realização das autarquias é uma condição “ sino qua non” porque, segundo afirmou, “ está estatuído na Constituição da República de Angola e não devem ser  realizadas progressivamente e muito menos adiar “, por quaisquer razões que condicionem a sua efectivação.

Evitando o que chamou de “falhas graves” durante o processo eleitoral das últimas eleições gerais de 31 de Agosto de 2012, ganhas pelo MPLA com maioria qualificada, o antigo deputado à Assembleia Nacional defende que as futuras Comissões Municipais Eleitorais (CME) estejam à altura para responder a missão que lhes for confiada, “ fazendo o seu trabalho com rigor, isenção e transparência, evitando acusações contra este importante órgão”, que, em sua opinião, “ teve um trabalho em Agosto de 2012 que indignou as pessoas, sobretudo os eleitores”.

PROCESSO INADIÁVEL

No mesmo diapasão, alinha também a FNLA que, na voz do seu secretário para a informação, Ndonda Nzinga, defende também eleições autárquicas em todo o território nacional e não apenas em alguns municípios.

Segundo o político, a acontecer, “o Executivo estaria a violar a Constituição que foi promulgada no dia 10 de Fevereiro de 2010, pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos”, realçando que este é um processo inadiável.

Falando à reportagem de OPAÍS, Ndonda Nzinga reforçou que com base no que está consagrado na “carta magna” do país, o Executivo tem de cumprir escrupulosamente este princípio, sob pena de violá-lo. Para concretizar este desiderato, deverá começar por realizar o censo populacional, que não tem lugar há mais de trinta anos.  Aliás, sobre esta matéria, o responsável apelou “a quem de direito” para que se comece a preparar as condições para as eleições autárquicas.

“Queremos que o Executivo evite as falhas que cometeu no ano passado sobre o recenseamento da população, tendo gasto milhões de dólares num processo que não caminhou, apresentando pretextos descabidos”, acusou o também porta-voz desta tradicional força política, para quem esta situação deve ser tida em conta, numa altura em que ainda falta muito tempo para que os munícipes vão às urnas, pela primeira vez, escolher as autoridades locais.

“É necessário que este processo comece já”, reiterou Ndonda Nzinga, justificando que não haverá muitos empecilhos quanto à sua concretização se “ houver vontade política do partido que sustenta o Governo”. Revelou, por outro lado,  que o seu partido está a preparar-se  para participar nas autárquicas e delas tirar o maior proveito possível, “porque queremos começar a governar a partir das bases”.

Socorrendo-se ainda da Lei Eleitoral, o porta-voz da FNLA disse ainda que em conformidade com este mesmo decreto, o partido no poder terá de arregaçar as mangas e começar já a trabalhar neste processo que deverá abranger todo o território, não obstante ser  “uma experiência piloto, mas trata-se de um processo que visará consolidar muita coisa ao nível municipal,  que nunca foi feito com êxitos ao nível provincial ou mesmo central”.

NORMALIZAÇÃO INSTITUCIONAL

Anastácio Finda, líder do Conselho Político da Oposição (CPO), em declarações a O PAÍS  sobre o assunto, disse que com a eventual realização deste acto, o país voltará à normalidade institucional, sendo que as eleições autárquicas estão consagradas no nosso ordenamento jurídico e não devem ser postas de parte. “Se pretendemos construir um país democrático, cuja via foi escolhida por nós, então  é necessário que estejamos à altura de cumprirmos o que a lei diz, e uma delas é a realização das autarquias”, disse.

Argumentou que, para honrar este compromisso que a lei estabelece, as autoridades competentes devem já começar os preparativos inerentes ao recenseamento da população e posteriormente à realização das autarquias, que, no seu entender, poderão definir estratégias para o desenvolvimento dos próprios municípios e suas gentes, exemplificando o que ocorre noutros países. “É isso o que acontece em países democráticos onde esse direito é exercido regularmente, na América, Europa,  e mesmo em África, caso concreto de Cabo Verde”, apontou.

Finda admitiu que com a instauração deste sistema de governação local, muita coisa poderá mudar a bem das populações, exemplificando os casos de Cabo de Verde e Moçambique como países da lusofonia em que a aplicação deste modelo de governação permitiu melhorias significativas.

“O actual modelo de gestão dos conselhos ou municípios destes países mudou muito em relação no passado quando estava tudo centralizado”, afirmou o líder do CPO, coligação que agrupa quatro formações políticas.

Com a sua organização política praticamente extinta, por não obter 0,5 por cento durante as eleições do ano passado, para continuar como força política activa no xadrez angolano o político admite a hipótese de vir a participar nas autarquias já com a criação de uma nova força política, ou integrado numa outra que esteja no activo. “Poderemos participar com base nestas duas hipóteses, já que administrativamente estamos extintos por força da lei “, anunciou.

Enquanto se aguarda por um pronunciamento oficial do Tribunal Constitucional (TC) sobre a extinção, Anastácio Finda diz que os políticos que integra(va)m a coligação continuam a exercerem as suas actividades, embora de baixa intensidade, isto é, alguns desdobrando-se para a criação de uma nova força política, e outros indo à procura de novas filiações. “Estamos nesta senda, como sabe que a extinção da coligação ou de um partido político não coloca o fim à carreira de um político ”, defendeu.

NOVO PARTIDO NA FORJA

Consciente da extinção do seu partido pelo mesmo motivo que o CPO, Artur Quixona Finda, político da nova vaga surgida a meio da década de 90, quer participar nas autarquias sempre a liderar uma força política. Assim sendo, prepara-se para a legalização de uma força política junto do Tribunal Constitucional, antes da realização das primeiras autarquias na Angola democrática, previstas, em princípio, para 2015.

Quixona garantiu que está a trabalhar na mobilização de mais militantes que poderão juntar-se aos já existentes para, em seguida, legalizar o partido junto das instâncias competentes e formar uma frente unida, que nas eleições locais promete “fazer a diferença”. Fez saber que os símbolos do futuro partido não fugirão muito das cores do PAPOD, a formação em vias de extinção.  “Não distanciará muito da matriz do PAPOD”, explicou Quixona Finda, que já foi líder da extinta coligação FOFAC, que concorreu nas eleições de 2008, sempre sem sucesso.

Quanto às autarquias, o político (que trocou a Medicina pela política), vê naquelas o caminho para atingir o Parlamento, já que em duas tentativas (eleições de 2008 e 2012), respectivamente, não conseguiu concretizar os seus intentos, embora a meta principal seja a de algum dia vencer eleições e formar Governo.

E como sonhar não é proibido, vai dizendo que tudo está aberto para que este político já com algum percurso atinja o seu objectivo. “Cedo ou tarde vamos lá chegar ”, disse confiante. Reconhece que para lá chegar, o caminho a percorrer é longo e sinuoso, daí, ele e os seus correligionários terem escolhido as eleições autárquicas como o ponto de partida para atingirem outros patamares no xadrez político angolano.

Como os demais políticos, Quixona Finda advoga também que as autárquicas  sejam abrangentes ao invés de serem confinadas a alguns municípios considerados “estratégicos  para o partido que governa”, mas em todos eles, bastando para tal criar as condições para o efeito.

Estas, segundo o político,  devem basear-se na criação de condições humanas e técnicas conducentes à realização de tais eleições, começando pela reparação das vias de acesso às aldeias mais recônditas, instalação de bancos comercias, transporte, formação de pessoal para o asseguramento da actividade, sobretudo eleitoral e outras. “ De uma forma geral, criar-se condições necessárias para que o referido processo se realize sem sobressaltos, evitando alguns condicionamentos de carácter organizacional que tivemos em 2008”, alegou.

PRIMEIRO CENSO, DEPOIS ELEIÇÕES


É o que defendem os políticos Sediangani Mbimbi, do PDP-ANA, e Kengele Jorge, da AD-Coligação em declarações prestadas a este jornal. Ambos alegam que é necessário realizar-se o censo populacional, para em seguida ir-se às eleições, advertindo que sem isso, o processo pode começar mal, “por não sabermos quantos somos e onde estamos, já que estamos sem controlo demográfico desde a década de 70”.

Ambos dizem que mesmo com as autarquias, a situação das populações não mudará repentinamente para melhor, se cada vereador não tiver o controlo absoluto dos seus munícipes, daí a necessidade de insistirem na realização de um censo populacional. Segundo alegam,  “não basta eleições, mas precisa-se o número dos governados para que haja melhor  distribuição da renda nacional”, defendem.

POLÍTICOS ADMITEM RECORRER AOS TRIBUNAIS DA SADC E DA ONU EM CASO DE ADIAMENTO DAS AUTÁRQUICAS

Em caso de adiamento das eleições autárquicas, segundo avançaram os nossos interlocutores, a situação poderá descambar numa violação da Constituição, já que ela estabelece a sua realização regular, sem, entretanto, prejuízo das principais eleições que devem ser realizadas quinquenalmente, conforme prevê o nosso ordenamento jurídico. “As eleições gerais devem ser feitas a partir de agora de cinco em cinco anos e não podem afectar as autárquicas”, justificam.

Aliás, advertem às autoridades competentes que em caso de eventuais falhas, quanto à sua efectivação, prometem recorrer às instâncias judiciais internacionais, designadamente da SADC e as Nações Unidas, para a resolução do caso. “ Estaremos dispostos a recorrer às instâncias internacionais para denunciar qualquer adiamento propositado em detrimento da democracia”, ameaçou  Sediangani  Mbimbi.