Lisboa – A 8 de Janeiro deste ano, Joana Marques Vidal fechou-se no gabinete do Palácio Palmela, no centro de Lisboa. À sua frente estavam Cândida Almeida, então directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), e dois procuradores, Paulo Gonçalves e Rosário Teixeira, convocados no dia anterior para a reunião urgente na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Fonte: Sábado

Nessa tarde, a conversa teve um único tema: as investigações do Ministério Público (MP) a empresários e políticos angolanos. Joana Marques Vidal disse que os magistrados do DCIAP não a informavam do que se estava a passar naqueles processos mediáticos e até desabafou que, devido às investigações judiciais, os investimentos angolanos estavam a fugir para Espanha.

Pelo meio, garantiu que o embaixador português em Luanda estaria a sofrer retaliações e que não era sequer convidado para eventos oficiais. No dia seguinte, e de acordo com o que ficou decidido nessa reunião, Cândida Almeida enviou à procuradora-geral da República um relatório confidencial com os resumos de todos os casos e a identidade dos cidadãos angolanos que estavam a ser investigados pelo DCIAP.

ENTRE OS ALVOS DO MP e da Unidade de Informação Financeira (UIF) da PJ constariam Francisco José Maria, actual presidente da empresa pública Sonangol, Kundi Paihama, actual ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, e Carlos Feijó, ex-ministro de Estado e ex-chefe da Casa Civil de José Eduardo dos Santos.

Conforme a SÁBADO já noticiou, o DCIAP tem também estado a investigar Isabel e Welwitchia (Tchizé) dos Santos, filhas do Presidente de Angola, e pediu entretanto um levantamento do património que têm em Portugal (contas bancárias, acções de empresas e bens imóveis e móveis) – o advogado de Isabel dos Santos já disse à SÁBADO que desconhece a investigação e Tchizé dos Santos, que a SÁBADO não conseguiu contactar, apresentou no DCIAP uma justificação para uma transferência financeira de 1,5 milhões de dólares que foi comunicada como suspeita às autoridades judiciais por um banco português.

A SÁBADo apurou que o MP tem estado nos últimos anos a seguir inúmeras transferências bancárias classificadas como suspeitas de branqueamento de capitais e fraude fiscal.


Numa curta declaração por escrito, Joana Marques Vidal confirmou as investigações identificadas pela SÁBADO: “Os processos indicados encontram-se em segredo de justiça, pelo que sobre os mesmos não existe qualquer informação a prestar.” Em causa estão sobretudo averiguações preventivas e processos administrativos que resultaram de alertas bancários sobre transacções financeiras suspeitas, ocorridas entre 2010 e 2012.

Um destes casos visa movimentações de vários milhões de euros alegadamente recebidos, via offshores (paraísos fiscais), por altos quadros do grupo Sonangol, a principal empresa pública angolana que detém a exploração de importantes reservas de petróleo. OMP português terá detectado que na origem do caso estará facturação suspeita, como dinheiro a ser depois alegadamente usado para comprar imóveis no Algarve.

A SÁBADO apurou ainda que Francisco José Maria, ex-vice presidente da Sonangol que substituiu no início de 2012Manuel Vicente na liderança da empresa, é um dos alvos dos vários alertas bancários comunicados às autoridades portuguesas. Contactado por email através das relações públicas da Sonangol, Francisco José Maria não respondeu até ao fecho desta edição.

OUTRA INVESTIGAÇÃO foi iniciada no ano passado também devido a negócios imobiliários de uma sociedade alegadamente detida por Maria Silva Feijó, tendo parte desse dinheiro sido depois transferido para uma conta bancária em Portugal – o titular da conta será o marido da empresária, Carlos Feijó, ex-ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente de Angola entre 2010 e 2012, que se doutorou, em 2011, na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Os registos de movimentações financeiras suspeitas em Portugal incluem dois empresários e generais angolanos. Um deles é Bento dos Santos “Kanganha” (que a SÁBADO não conseguiu localizar), casado com uma sobrinha de José Eduardo dos Santos e amigo de Manuel Vieira Dias “Kopelipa”, também sob investigação em Portugal, como a SÁBADO adiantou há meses.

O outro visado é um sobrinho e outras pessoas relacionadas com o general Kundi Paihama, ministro da Defesa entre 1999 e 2010, que não respondeu à SÁBADO até ao fecho da edição. O gestor angolano Zandre Finda também já foi identificado em alertas bancários em Portugal.

Apresentado pelo site Maka Angola, do jornalista angolano Rafael Marques, como administrador-executivo da NazakiOil&Gas (uma petrolífera detida pelo vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e pelos generais Kopelipa e Leopoldino Fragoso do Nascimento), Finda é ainda vogal do Conselho de Administração do BES Angola, presidido por Álvaro Sobrinho, um banqueiro já constituído arguido pelo MP português.

Em Portugal, Zandre Finda, licenciado na Universidade Lusíada, é sócio e administrador de empresas dos sectores do imobiliário, comércio e turismo. Contactado por escrito pela SÁBADO, não respondeu até ao fecho desta edição.

O DCIAP ESTÁ AINDA a investigar um processo abertoem2011 por suspeitas de crime de corrupção internacional que envolverá o  pagamento de comissão ilegais a oficiais e responsáveis políticos das forças de segurança angolanas. Neste caso, o MP terá detectado que as alegadas luvas pagas pelo fornecimento de bens às polícias (por exemplo, alimentação) terão ocorrido em Portugal e na Suíça.

As investigações do caso Angola estão citadas de forma genérica no recente relatório da Secção Disciplinar do Conselho Superior do MP que arquivou o inquérito à divulgação pelo jornal Expresso do encontro, em Janeiro, entre Joana Marques Vidal e os procuradores do DCIAP.

“Na reunião (...) foi abordada exclusivamente a situação dos processos pendentes no DCIAP envolvendo personalidades angolanas”, lê-se no documento a que a SÁBADO teve acesso, confirmando que o DCIAP ficou incumbido de enviar à PGR “uma relação completa (...) com informação resumida do seu objecto, identificação de suspeitos e uma nota resumida do que fora feito e do estado actual dos mesmos”.

Redigido pelo conselheiro Barradas Leitão, membro do Conselho Superior há cerca de 10 anos e nomeado actualmente pela ministra da Justiça, o parecer seguiu quase à letra as conclusões de Gil Félix Almeida, o inspector nomeado para fazer as inquirições dos procuradores, cuja transcrição das declarações não foi incluída no relatório final.

No entanto, justificou o que aconteceria se fosse descoberto o real conteúdo da reunião na PGR: “A verdade é que o assunto que justificou a reunião (...), esse sim seria verdadeira notícia para o sr. Jornalista [Rui Gustavo, do jornal Expresso] pelo muito que (...) lhe teria permitido especular.”

Barradas Leitão disse à SÁBADO que o encontro entre a PGR e os procuradores do DCIAP “decorreu com toda a normalidade” e considera que o inquérito, incluindo os autos das declarações dos procuradores, já não são confidenciais e “poderão ser consultados, desde que não haja oposição dos seus autores”.Questionada por SMS pela SÁBADO sobre esta consulta e sobres e encarou o que foi dito na reunião como uma pressão, Cândida Almeida limitou-se a responder que permite o acesso ao processo disciplinar, mas que “não quer nem pode falar sobre o assunto”.

O procurador Paulo Gonçalves também não colocou entraves à consulta pela SÁBADO, mas diz que mais nada tema acrescentar porque já terá dado “todos os esclarecimentos relativos ao assunto em questão” no inquérito arquivado. Já Rosário Teixeira opõe-se à consulta e refere:

“(...) Todas as reuniões mantidas entre eu próprio, a direcção do DCIAP e a exm.ª  sr.ª procuradora-geral da República sobre o desenvolvimento de qualquer processo inserem-se no normal exercício da cadeia hierárquica que caracteriza o MP, sendo um procedimento comum.”

Questionada pela SÁBADO sobre eventuais declarações na reunião de Janeiro passado, Joana Marques Vidal salientou que o respectivo conteúdo é “de natureza reservada, salvo quando em termos institucionais se considera oportuno e conveniente a respectiva divulgação”. Sobre a consulta do processo disciplinar informou que remeteu o pedido para apreciação do Conselho Superior do MP.

A saber:

- Tchizé dos Santos justificou ao Ministério Público uma transferência financeira considerada suspeita: 1,2 milhões de euros. O DCIAP já pediu um levantamento do seu património em Portugal.

- BENTO DOS SANTOS. O Ministério Público foi avisado de que o general e empresário angolano terá feito um depósito suspeito para pagar despesas com um cartão de crédito.

- KUNDI PAIHAMA. Um banco alertou o MP por causa de uma conta de um sobrinho e de outras pessoas relacionadas com o ministro dos Antigos Combatentes.

- CARLOS FEIJÓ. A empresa da mulher fez uma transferência considerada suspeita para a conta pessoal portuguesa do ex-chefe da Casa Civil do Presidente de Angola.

- FRANCISCO MARIA. Gestores da Sonangol estão a ser investigados por usarem fundos suspeitos para comprar imóveis no Algarve. O presidente da empresa é um deles.

O processo ao detalhe

A investigação é muito complexa e mexe com grandes interesses políticos e económicos.

PONTOS FORTE

ATENÇÃO. Os bancos nacionais têm enviado todas as transacções suspeitas ao Ministério Público e à Unidade de Informação Financeira da PJ.

FACILIDADE. A lei portuguesa permite que os investigadores arrestem ou apreendam milhões de euros
ou até acções em contas bancárias, como já fizeram ao enteado de Manuel Vicente no banco BIG.

FORMAÇÃO. Ministério Público e PJ têm especialistas em crime económico e fazem acções de formação periódicas para lutar contra o branqueamento de capitais.

PONTOS FRACOS

PRESSÃO. Políticos e empresários portugueses e angolanos acham que as investigações não fazem nada bem às relações entre os dois países.

ANGOLA. Em várias das investigações tem sido necessária a colaboração do MP de Angola, cujo procurador-geral também está a ser investigado pelas autoridades portuguesas;

EQUIPA. Procuradores Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves, que têm os processos de Angola, vão deixar de contar com a colaboração de três procuradoras adjuntas;