Lisboa – O último movimento independentista da África lusófona, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), comemorou no passado dia 02 de Agosto, 50 anos de existência. Meio século de vitórias, derrotas, uniões e dissidências.

Fonte: PNN
Quando no início da década de sessenta África vivia um «vendaval» de independências, o recém independente Congo Brazzaville impôs a união de três movimentos nacionalistas cabindeses como condição para combaterem eficazmente a presença colonial portuguesa no enclave de Cabinda, ex Congo Português.

Para além de pretenderem criar um movimento único, a fusão das três organizações tinha também como objectivo ultrapassar as divisões étnicas bem patentes no enclave. Deste modo, cada organização representava, de facto, as populações do norte, centro e sul de Cabinda.

A 2 de Agosto de 1963, na cidade portuária congolesa, Ponta Negra, é declarada oficialmente a criação da FLEC, que tinha como objectivo lutar pela independência de Cabinda.

No entanto, durante os seus primeiros dez anos de existência a FLEC não efectuou qualquer acção militar contra as forças portuguesas. Limitou-se a uma actividade exclusivamente política, tal como defendia o seu Presidente, Ranque Franque, que contrariava a posição do vice-Presidente Nzita Tiago.

Com o 25 de Abril de 1974 em Portugal a independência das possessões ultramarinas portuguesas era inevitável, e Lisboa disponibilizou-se para negociar com todos os movimentos de libertação que combateram as tropas lusas.

Consequentemente, a FLEC foi excluída, apesar de algumas renitências do presidente António de Spínola, assim como não foi convidada a participar na reunião em Alvor que perspectivou a independência de Angola, e onde todos os presentes declararam que Cabinda era parte integrante de Angola.

Tentando recuperar o tempo perdido de inércia contra o poder português, a FLEC, apoiada por mercenários franceses, lança um ataque contra as tropas portuguesas ocupando efemeramente o quartel de Massabi. Uma acção tardia e, consequentemente, sem repercussões práticas.

Com o apoio do ditador zairense, Mobuto, e reforçada com os militares cabindeses provenientes de um corpo de elite das forças coloniais, as designadas Tropas Especiais (TE), na véspera da proclamação da independência de Angola, a FLEC lançou uma violenta ofensiva contra as tropas portuguesas e do MPLA no enclave.

Quando se encontrava pronta a ocupar a capital, os militares da FLEC receberam ordens para retirarem. A FLEC abandona a guerra clássica e opta por um combate de guerrilha que perduraria até hoje.

A primeira dissidência e cisão manifestou-se nesta fase. A visão de uma solução diplomática de Ranque Franque, que entretanto proclamara a independência de Cabinda em Kinshasa (Zaire), contrastava com a visão belicista de Nzita Tiago. Os dois fundadores separam-se e surgem duas FLEC.Uma chefiada por Ranque Franque, designada FLEC Original, e outra de Nzita Tiago, FLEC/FAC (Forças Armadas de Cabinda).

Apoiado pelo Zaire, Congo, Gabão e, discretamente, por potências ocidentais, a FLEC/FAC na década de 80 controlava mais de 70% do território em Cabinda, permanecendo apenas a costa sob o controlo do MPLA.

Porém, a chefia de Nzita Tiago começa a ser contestada e provoca o nascimento do Comando Militar para a Independência de Cabinda (CMLC), o qual foi motivo para o início de uma guerra civil no enclave onde, para além de um inimigo comum, o MPLA, a FLEC/FAC combatia o CMLC.

A derrota do CMLC iria deixar marcas profundas nos nacionalistas. Dos escombros deste movimento surge a FLEC-PM (Posição Militar), financiada pela seita norte coreana Moon. Mas a sua duração é efémera. O seu líder, Tibúrcio, quando por motivos de saúde se desloca a França assiste, impotente, a um “golpe de estado” promovido por António Bento Bembe que dissolve a FLEC-PM e funda a FLEC Renovada com os quadros do precedente movimento.

Durante vários anos o mapa político-militar em Cabinda definia-se com o domínio da FLEC/FAC a norte e centro, a FLEC Renovada a sul, e algumas bolsas também a sul sob o controlo da FLEC Original. Durante este período surgiu, também, no norte do enclave a Frente Democrática de Cabinda (FDC), de Norberto Itula, que se assumia como uma força independentista mas que, de facto, era um grupo apoiado a partir do Congo por Pascal Lissouba que mergulhava numa guerra civil contra Denis Sassou Ngesso e Kolelas, e que via no FDC uma força sua de retaguarda. Com a derrota de Pascal Lissouba o FDC entra em agonia.

Ao mesmo ritmo que surgiam as dissidências e cisões na FLEC aconteciam também iniciativas para reunificações. A mais significativa ocorre na Holanda onde, com o apoio da igreja e a sociedade civil cabindesa, a FLEC/FAC e FLEC Renovada fundem-se num só movimento que se assumiu como FLEC.

Nzita Tiago é nomeado, por aclamação, presidente da «nova» FLEC e António Bento Bembe, secretário-geral.Uma fusão que nunca seria aceite pelos guerrilheiros nas matas de Cabinda.Anos de desconfiança recíproca não se resolviam com assinaturas e abraços.

Pouco após a fusão, António Bento Bembe decide render-se juntamente com os seus elementos que compunham a ex FLEC Renovada.

Angola explora mediaticamente a rendição de António Bento Bembe, ficando esta bem patente no Memorando de Entendimento, assinado por Bento Bembe e as autoridades angolanas a 1 de Agosto de 2006, precisa e simbolicamente na véspera do aniversário da criação da FLEC.

A existência de duas realidades opostas, África e a Europa, e recíproca incompreensão, provoca uma nova cisão na FLEC de Nzita Tiago. Alexandre Tati, vice Presidente da FLEC, decide separar-se da direcção do movimento que chefiava a luta a partir da Europa. Para Tati, quem conhecia a realidade eram apenas os guerrilheiros que, consequentemente, não podiam permanecer sobre o comando de uma direcção na Europa. Provoca, assim, uma cisão entre a ala militar e a direcção política na Europa, e ambas facções reivindicam novamente a sigla FLEC.

Cinquenta anos depois da fundação da FLEC, Nzita Tiago tornou-se numa lenda, assim como os guerrilheiros nas matas de Cabinda a quem localmente chamam os «Flecs». Entretanto outros movimentos surgiram, com novas siglas ou retomando antigas versões da FLEC, sem contudo beneficiarem de qualquer credibilidade ou influência.

A FLEC, hoje, são três pilares, Nzita Tiago, a guerrilha e a população cabindesa que continua a ser associada à FLEC. Tal como se dizia em Angola e se repetia no enclave: «Todo o cabinda é FLEC e toda a FLEC é Cabinda».

Com 86 anos e exilado em França, Nzita Tiago afirma que quer passar o testemunho da liderança da FLEC, mas que para tal todos os cabindas têm de se reunir e encontrar um consenso.

Nzita Tiago poderá, segundo os costumes cabindas, passar o seu ceptro mas será que a FLEC sobreviverá sem Nzita Tiago? Uma questão sem resposta. Se sobreviver será, sem dúvida, com a configuração de um movimento multicéfalo onde todos reivindicarão a legitimidade à liderança. Mas, para além da FLEC, permanecerá em Cabinda o sentimento de uma independência perdida, assim como o desejo de ver o direito à autodeterminação ser cumprido.