Luanda - Ser Humano, é, também, de entre outras coisas não se eximir de contemplar a realidade cujo o alcance se projeta inexoravelmente nos meandros da interioridade quanto da exterioridade da existência humana. Através das épocas da sua história, inconformada com aparentes desarmonias de um todo complexo sistema de coisas que a envolve, a humanidade nunca se resignou nem se resignará; tem sido assim e não de outra forma que esta se comporta no seu confronto com o seu mundo e com o mundo considerado na sua globalidade, pois, tal e fatal é a necessidade que tem de penetrar a essência das coisas e do seu funcionamento por forma a poder apreender aquilo que os olhos mortais são impotentes para alcançar. 
 
 
Fonte: Club-k.net
 
Desse modo, a humanidade, até agora tem conseguido destrancar portas e janelas as quais se afiguram fundamentais na busca de uma existência não apenas com sentido mas, por isso mesmo e, sobretudo, uma existência que se possa apropriar de valores capazes de lhe oferecerem o devido enquadramento no sentir, no pensar e no agir por forma a fazer uma integração que se quer útil, eficaz e que lhe proporcione uma existência feliz.


UM SER DE REGRAS:
 
Muito antes que a humanidade pudesse ver e espreitar pela brecha pela qual entrou e, aparentemente tem sido levada numa infinita aventura de descobertas científicas – pelo menos ao nível do mais básico - era já do conhecimento dos antigos, que tudo o estava a sua volta estaria sujeito e na dependência de leis (naturais) que determinavam o seu funcionamento. Nesse sentido, quando alguém levantasse a cabeça e contemplasse os astros facilmente apercebia-se de uma outra dimensão presente no funcionamento do mundo natural – a da harmonia – na medida em que constatavam que apesar dos movimentos dos astros coincidirem na sua direção, porém, nunca colidiam. Os trabalhadores das terras também sabiam que a sua atividade não se conformaria a critérios arbitrários. Ora, estando perfeitamente ciente de tal realidade nunca foi estranho ao homem a ideia de estabelecer regras no seio da sua vida em comunidade e, certamente, assim evoluiu para o conceito de comunidade politicamente organizada. Ou seja, não terá sido preciso nascer um génio mas apenas quem se importasse que as coisas evoluíssem desse modo para realização do bem comum.
 
 
REGRAS PARA QUÊ?
 
Na minha perspetiva, o tópico que em seguida abordaremos poderá ajudar-nos bastante na compreensão do que vier à seguir dado a sua transversalidade na história da humanidade – não necessariamente remota -, constituindo, por isso, na época contemporânea uma das suas grandes questões. Para tanto basta cada um girar sobre si e verá que, em termos informativos, do ângulo de 360 graus que daí resultar não sobrarão dúvidas de que os grandes problemas com que a humanidade (no apogeu do conhecimento científico e das novas tecnologias) se defronta são enormes dificuldades em poder lidar com essa questão (das regras de convivência). Expressões como; igualdade, tolerância e justiça preenchem o quotidiano dos alinhamentos informativos à volta do mundo. A tão apregoada e almejada paz mundial parece ser já objeto de reconhecimento pacífico da impossibilidade da sua realização. Daí que trazer para a agenda sociopolítica, no contexto da realidade angolana, a questão da dignidade do povo angolano dentro e fora do país, não será propriamente um exercício puramente emotivo. As regras que regem as relações intersubjetivas no contexto da nossa existência não são de modo algum, confináveis ou conformáveis a critérios territoriais; nem mesmo antes da era da globalização. Concluímos pois que, a humanidade precisa de regras para conviver e interagir entre si, e que, tais regras, visam estabelecer a igualdade no trato com os outros, visam levar-nos adotar uma postura de tolerância e respeito mútuo uns para com os outros, visam promover a justiça com vista a realização do objetivo temporal mais aperfeiçoado – o da paz entre os homens.
 
 
CONSCIÊNCIA MORAL:
 
Disse um ilustre pensador: “Porque estamos imersos no inferno da convivência humana, a única possibilidade que nos resta é ativar a nossa capacidade de ser livres.”
Até aqui pude empreender algum esforço no sentido de situar no devido lugar o objeto da nossa reflexão e, com isso, afastar quaisquer hipóteses de se aflorarem, à propósito, reações subversivas ao espírito aqui subjacente. Com efeito, procurando discorrer com base na citação introdutória do presente tópico será inevitável constatar que o conflito é uma realidade incontornável no contexto das relações humanas. Essa realidade, a qual está diretamente associada ao facto de o homem ser um animal social não será necessariamente uma força negativa a operar contra os indivíduos ou as comunidades. Pelo contrário, o conflito positivamente visto apresenta virtualidades insuperáveis no que toca a identificação e a assunção dos problemas e das diferenças e o seu enquadramento com vista a elevação da qualidade das relações e da convivência humana. Há quem pense que para tanto poderá bastar agirmos como seres éticos.
 
 
A elevação da qualidade das relações e da convivência humana de que falei, porém, não será concretizável senão “…pela ativação da nossa capacidade de ser livres.” Voltando as palavras do ilustre pensador, disse ele: “Somos livres, devemos fazer-nos livres.”. Ora a ideia de liberdade não se compadece com o silêncio nem tão pouco com o consentimento submisso. Os seres humanos são todos iguais perante Deus e entre si; por isso, Deus distribuiu a terra pela humanidade para que ninguém ficasse desprovido da capacidade de contender pela sua dignidade e pelos seus direitos. E, se uns privaram os outros de dispor livremente da dádiva do criador – a sua própria terra – não será, de todo, aceitável, que em circunstâncias de igualdade fruto da independência e da soberania dos povos e dos estados, uns manifestem hospitalidade para com os estrangeiros (portugueses nesse caso particular) e, os portugueses por sua vez (como tive a oportunidade de dizer no texto antecedente, não generalizo; não são todos portugueses. Tenho muitos e bons amigos portugueses), não é tolerável a ideia de sermos espezinhados e maltratados pelos portugueses de má-fé tanto em Angola quanto em Portugal – ainda menos aceitável é que tais situações ocorram no seio de instituições supostamente de grande prestígio como é o caso da Câmara Municipal de Lisboa. 
 
 
PARA ONDE QUEREMOS ENCAMINHAR O NOSSO RELACIONAMENTO:
 
A questão da liberdade e da dignidade humana são pela sua essência uma realidade transcendente. Basta verificar que a nossa liberdade ou a nossa dignidade não é afetável apenas em termos diretos. Ou seja, para que alguém possa lesar o meu interesse, nesse sentido, não tem necessariamente de o fazer na minha presença nem dirigir o seu ataque diretamente a minha pessoa. Como humanos existimos e nos movemos numa esfera cujo alcance nem sempre será fácil de delimitar. Daí o facto de a maioria dos angolanos se encontrar a residir em angola e o estado Angolano encontrar-se sob o domínio de autoridades angolanas não poder significar que a questão da dignidade dos angolanos se encontra circunscrita aos limites geográficos do território angolano. Do mesmo modo, essa mesma dignidade não pode sequer ser aferida somente pela situação concreta cada angolano ou da generalidade dos angolanos que se encontrem a residir em Angola. A realidade e a influência da existência ou não da liberdade e, da existência ou não do respeito pela dignidade humana se projetam no hiato temporal; Descurar a sua incomensurável importância não é faltarmos apenas connosco (gerações contemporâneas de angolanos) mas, sobretudo, para com as gerações futuras. Nós angolanos temos e devemos estar plenamente cientes de que a liberdade e a dignidade dos nossos filhos e dos nossos netos, tem de ser obra das nossas mãos e fruto de um projeto cujo desfecho não se admite que possa ser outro senão o de garantir-lhes esse mui custoso, porém, nobre legado. Ou seja; todos nós angolanos temos e devemos empenhar-nos na prossecução de um compromisso para com as gerações. Esse é fundamentalmente, o motivo por que o povo angolano apela ao estado português através das suas instituições, no sentido de cuidarem que as condutas pessoais ou outras que têm ocorrido de uma forma mais ou menos visível, não acarretem rumos adversos as suas relações para com o povo angolano; diferentemente entenda-se, relações com o povo angolano do que se possa entender por relações com as autoridades angolanas, pois não são a mesma coisa. Afigura-se assim, mais do que evidente e forçosa, a necessidade de as autoridades portuguesas, fazerem (os autores das más ações as quais têm afetado e lesado interesses de angolanos comuns) inflectirem na sua conduta com vista a construção de um ambiente genuinamente saudável entre ambos os povos. 
 
 
O QUE NÓS ANGOLANOS QUEREMOS:
 
“Nós somos aquilo em que, pelo exercício da liberdade nos tornámos”
Até aqui temos procurado, com humildade bastante, ordenar a nossa dissertação no esteio da razão e não de emoções com o fito de – de um modo geral – procurar orientar e fixar a atenção do caro leitor no pensamento seguinte: “O que importa não é o que, em nós, nos separa, mas aquilo que nos une”.
 
 
Com efeito, nesse tópico, gostaria de dar continuidade a esse exercício rebatendo um pouco mais daquilo que até aqui foi já mais ou menos aflorado. Cada angolano, como é natural, por isso não podia ser outra a realidade, cada um de nós tem as suas preferências e opções (políticas ou outras). Cada um tem um projeto de vida próprio com a sua peculiaridade; a esse projeto estão subjacentes interessas individuais, de grupo ou outros; Essa realidade, com efeito, não nos deve cegar ou ofuscar o nosso projeto coletivo como povo. Já antes da independência nacional era assim: ou seja; antes da Independência Nacional já em angola existiam vários movimentos de libertação nacional, os quais, com o advento da independência transformaram-se em partidos políticos. Ora, esse tipo de fenómeno sociopolítico insere-se na ordem natural das coisas. Os seres humanos partilham atributos físicos e outros mas não têm de ser todos de um mesmo sentir, pensar e agir. Contudo, outros interesses há, fulcrais, os quais revestem importância fundamental para o bem de todos. Tais interesses pelas suas características só podem ser conquistados, reclamados, adquiridos, protegidos ou resgatados em conjunto dado a sua natureza de exercício plural. Dificilmente um homem será livre se o seu próximo não for livre; É uma questão de reparar que nos regimes políticos fechados a tendência é de garantir sempre que a máquina repressiva está perfeitamente operacional. Se houvesse, de facto, alguém livre no contexto de tais realidades…então, para quê tanta preocupação de impedir que o outro possa exercer a sua liberdade!?
 
 
Não será, de todo, errado concluirmos da frase introdutória a esse tópico, que um mau exercício da nossa liberdade pode, paradoxalmente, conduzir-nos a uma situação de não Liberdade cujo as garantias que oferece ao seu detentor são extremamente ténues. Uma falsa liberdade não é liberdade. Nesse sentido, fácil é compreendermos – todos nós angolanos – que a luta tanto pela nossa liberdade quanto pela nossa dignidade ultrapassa as fronteiras físicas de Angola. Por isso é, efetivamente, uma grande e incontornável necessidade a de todos nos empenharmos na luta por aquilo que nos assiste e nos pertence de direito, porque nisso não há lugar para cores partidárias mas, unicamente, tem lugar o nosso orgulho como um povo – o orgulho nacional. Todos partilhámos atributos que fazem de nós povo único, incomparável e irrepetível em qualquer outro lugar do planeta terra e na história da humanidade. Nesse sentido, queria aqui deixar o meu forte apelo a unidade de todos os angolanos para essa causa que é de todos nós e pela qual todos nos devemos bater.
 
 
Assim, no seguimento do nosso raciocínio e propósito, sabendo nós que, a soberania de Portugal não é violável da mesma forma que a nossa não pode ser e, ainda bem que é assim; ou seja, nenhum dos estados e dos respetivos povos pode forçar o seu par a realizar o que não lhe apraz, contudo, existem múltiplas formas de fazer valer os nossos direitos as quais devem passar pela força da união e da determinação. Daí, lançar-vos o repto (desafio) de realização de uma ação reivindicativa traduzida num buzinão por todas cidades angolanas no próximo dia 23 de Agosto a partir das 18:00h aquando do regresso do trabalho. Queremos com recurso a esse meio de reivindicação, exprimir a nossa indignação para que mais nenhum angolano, em Portugal, possa ser ameaçado de morte por causa de habitação social. A nossa indignação será assim expressa de forma pacífica e, se não nos quiserem ouvir, será certamente tempo de se começar a pensar num boicote ao consumo dos produtos portugueses a venda no mercado angolano. É preciso que muitos portugueses compreendam que a convivência dos povos deve passar pelos valores da solidariedade, da reciprocidade e do respeito mútuo. Existe a lei para garantir que as coisas corram para melhor, por isso, as leis devem ser aplicadas sob pena de os prevaricadores prosperarem nas suas manobras antissociais.
Aos caros leitores e aos angolanos em especial, um até breve!
 
 
Citações de J. – P. SARTRE em: REIMÃO, CASSIANO (Consciência, Dialética e Ética Em J. – P. SARTRE, 2005, INCM)