Luanda – Já a alguns anos tem-se promovido anualmente, o dia em que se comemora a amizade entre Angola e o Brasil, dois países que trazem num historial uno, laços de ancestralidade, semelhanças e verosimilhanças culturais assentes na matriz africana e, que se desenrolam nos seus quotidianos em cultos urbanos e rurais, fruto do conhecido saqueamento de africanos/angolanos para a América.

“Um crime contra a ancestralidade”

Fonte: Club-k.net
Carlos Moore, em seu A África que incomoda, nos lembra com invejável propriedade que, o desfalque sistemático exercido hoje pelos líderes africanos, não se trataria de algo recente, a medida que entrementes, os mesmos teriam já negociado com europeus visando seus próprios interesses, a transportação daqueles homens e mulheres para agora serem escravizados e comercializados como bichos pela Europa e América.

Portanto, em total descompromisso com o país e com o povo, tão pouco sem qualquer vontade do mesmo, o que lhe leva a inferir que a delapidação do continente africano é sobretudo, fruto de sentimentos (existentes ou não); necessidades e desejos isolados das elites africanas, apontando para um quadro em que apenas mudou o produto a ser comercializado; Se antes homens e mulheres negros e negras, hoje a escandalosa riqueza da gleba africana, tal como vemos acontecer a longos anos em Angola com o petróleo, o diamante etc. bem como a condição animal  e de coisa com que se habituou tratar o angolano comum.

No entanto e desde já, agradeço o facto de ser tocado e tomado pela palavra e ou escrita, para que possa se possível, provocar algum instante de reflexão e conhecimento do desconhecido por algum possível leitor.

É com alguma comoção que, inconformado com as universais, sistemáticas e generalizadas manipulações mediáticas, que venho a algum tempo telespectando e questionando, a forma como África de modo geral é apresentada e representada nas mídias de lá, o que recorre questionar aqui, o que é Angola no Brasil e na consciência dos brasileiros, a medida que o unilateralismo rádio-televisivo, estabelecido na relação dominadores e dominados a nível da informação, ampara e condiciona “latu sensus”, a forma como esses povos se vêem e se tratam reciprocamente.

Com a aculturação cristã, infra-estrutural, novelística e musical oriunda da industria cultural brasileira, o angolano agregou no seu cardápio diário, não apenas o agressivo marketing espiritual próprio desse new cristianismo vendido na rádio e na televisão ou com as abordagens de marketing directo nas veredas da cidade, como a programação nem tanto brasileira, mas carioca e paulista, ao que verificamos nos nossos dias, o cidadão angolano não prescindir da mesma, sempre que sentado em sua sala isolado ou em reunião familiar.

Por outro lado, senão por intermédio e grande luta que o movimento negro (afrobrasileiros pró África e africanos) tem travado diariamente desde as décadas 60/70 e sobe  vários embargos promovidos pela elite racial ali imposta, com a justificativa de não existir racismo no Brasil, não se vê nesse país, alguma iniciativa midiática que engrandeça, valorize ou simplesmente por amizade, respeite África e os africanos, senão o exotismo escandaloso, quase sempre  relatando um “africano selvático e animador” e com os requintes do sensacionalismo mercantilista próprio das televisões que fecham seus facturamentos com a venda de prazer e horror.

Não esqueçamos que é por culpa da comunidade afrobrasileira firmada nesse país que, a partir da aprovação da lei 10639, hoje é obrigatório no Brasil, o ensino nas escolas, da contribuição singular dos africanos no processo cultural e civilizatório do Brasil.

É por culpa do movimento afro-brasileiro que se conserva até hoje nesse país a essência da matriz cultural africana, desde a religião com o Candomblé e o Ubanda, a gastronomia, aos mitos e a própria história de África como jamais fora contada pelos europeus e eurobrasileiros, pelo que se dependesse desses jamais o seria.

É por culpa dessa mesma comunidade que se venceu a aprovação da cota universitária para afrodescentes, como política de reparação histórica, é ainda por ela, que é lei hoje no Brasil e por incrível que pareça, a presença de negros em publicidades e programas televisivos conquanto ainda bastante incipiente, num país de quase maioria negra.

É a comunidade afrobrasileira quem luta por espaços televisivos na política, novelas, e afins, a representação do negro em melhores condições e não como apenas empregados, motoristas, prostitutas e sambistas, ensuma melhor representação dos descendentes de africanos nas suas televisões, amizade??!!

É essa comunidade quem introduziu hoje na UNEB (Universidade do Estado da Bahia) em especialidades de pós-graduação, o ensino de Kimbundu, Umbundu e Kikongo se não for exagero, essa mesma comunidade luta contra criminalização de homens e mulheres negras nesse país tidos fenotipicamente como marginais, é em festas populares que essa gente exala e exalta os tons da Mãe África e sai ás ruas para firmar e afirmar orgulhosamente sua descendência, sua identidade cultural com cabelos naturais, roupas e hábitos africanos e, produz o discurso académico visando partir deles para chegarem a  eles mesmos como apregoou o panafricanismo, é esse povo que africaniza seus nomes e sobrenomes(o que já não fazemos)e sonha um dia se devolver a África ainda que para pisar apenas no chão onde saíram seus ancestrais e respirarem o ar em que em pó muitos deles vagueiam.

Com esses exemplos, não tem como não questionarmos o porque que nesse dia em que se comemora a amizade entre Angola e o Brasil , não vemos por cá a representação daqueles que lá nos representam, tal como o Ilê Aiyê, Muzenza, Olodum, etc. Movimentos como o Ilê, pioneiro no processo de aceitação do afro-brasileiro pela a identidade africana no Brasil ou mesmo outras representações activistas de músicos, artistas que por nós sentem real afecto e não amizades midiáticas valorativas a nível de imagem e do capital.

Também é recorrente indagarmos sem ressalvas, como é possível existir amizade com um povo de maioria negra e em África, se mal conseguem se relacionar em amizade e amor com os seus conterrâneos negros brasileiros.

É necessário reflectirmos se continuaremos nos esquecendo por desconhecimento ou por prazer apenas, de um povo descendente no outro lado do oceano, que a partir dessa diáspora produziu concomitantemente a outras diásporas africanas, a idealização de uma África livre e descolonizada, o que sustentou a ideologia da antiga União africana panafricanista.

Vemos assim que, o todo e sempre selectivo grupo apresentado ao povo angolano, são aqueles que a mídia permitiu o seu conhecimento e que antes de alguma amizade existente, está em evidência a utilização do carinho que o angolano tem para com os brasileiros de modo geral, para oportunizar o lucro daqueles que mercantilizam a amizade existente com um grupo que não representa nem contempla, pelo contrário discrimina o africano/negros no amanhecer e anoitecer na terra da perfeita músicarte que é o samba.

“ Para finalizar e para combater a memória curta, não nos esqueçamos também, que o foi o Brasil o primeiro país após os Acordos de Alvor em 1975, a reconhecer a independência de Angola, num mesmo momento histórico em que se afirmava mundialmente em ditadura militar.”