Luanda - As obras da vala de drenagem na Maianga pararam há cerca de um ano. O local transformou-se em esconderijo de bandidos e os crimes são cometidos à luz do dia. Eram dez da manhã de terça-feira quando a reportagem atravessava a rua 55, do bairro Cassequel do Lourenço, no distrito da Maianga, para termos acesso à vala da drenagem do Bairro Uíge.

Fonte: Club-k.net
Dona Bernadeth estava à nossa espera a meio da rua e pediu-nos que estacionássemos o carro a alguns metros da sua casa, para não chamarmos a atenção da vizinhança. Entramos em sua casa, onde damos conta dos móveis num único canto tapados por um cobertor de cor escura. «Fomos assaltados há duas semanas e conseguimos recuperar alguns bens, graças a um vizinho que conhecia bem os miúdos», explica Bernadeth.

A casa da nossa guia Bernadeth localiza-se a escassos metros da vala. Os meliantes entraram pelo tecto e fizeram-na refém, bem como às filhas. O seu marido conseguiu escapar-se e dirigiu à esquadra mais próxima, mas sem sucesso. «Quando regressei eles já não estavam em minha casa e haviam levado a mobília e mais 60 mil kwanzas em troca para não violarem as minhas filhas», conta António João.

De acordo com este morador, os meliantes, na sua maioria menores de idade, são provenientes do bairro Uíge e fazem da vala o seu bunker. Convidou-nos a ir à janela do seu quarto com vista para a vala de onde tivemos as primeiras impressões da gangue de miúdos. «Eles põem o bairro em pânico. Há momento em que ninguém pode passar pela vala. Assaltam, violam e já houve relato de assassínios», afirma.

Permanecemos cerca de 45 minutos, na janela, a ouvir as explicações de António e a observar cada movimento dos rapazes que na maioria não aparentavam mais de 13 anos de idade. De minuto a minuto chegam com algum embrulho à mão e deixam-no no esconderijo. O cheiro nauseabundo misturava-se com o de tabaco. À primeira notamos tratar-se de liamba.

De acordo com o casal os pequenos fazem-se à vala nas primeiras horas do dia. O cheiro da droga invade toda a sua casa, mas não se atrevem a fazer queixa à polícia com medo de retaliações.

Da janela do quarto de António e Bernadeth observamos ainda um grupo de meninas sentadas no muro da vala, que de acordo com o casal ali estavam para conseguir algum dinheiro em troca de sexo. Facto que a nossa reportagem pôde confirmar quando um dos rapazes encostou-se e entregou algo a uma delas que logo de seguida deu à amiga e dirigiram-se a um casebre de chapas. «De certeza que o objecto que o rapaz lhe entregou é um telefone em troca de sexo. E como segurança ela deixou com a amiga, antes de partir», explica António.

A nossa reportagem pediu ao casal para chegar até à vala. Receosos, António e Bernadeth concordaram alertando-nos do risco que corríamos pela forma como estávamos vestidos, alegando que podíamos ser confundidos com inspectores da DNIC ou nos piores dos casos sermos vítimas de assalto.

Bernadeth aconselhou-nos a vestirmos roupas mais modestas. Mas diante de tanta insistência, António, que após o assalto em sua residência acabou por se tornar amigo dos rapazes, acompanhou-nos até à vala. Deixámos os telefones, gravadores e carteiras de documentos no carro.

Perigo para a saúde pública

Atravessámos uma ponte improvisada que dá acesso à vala, entulhada de lixo. Isto num local onde a escassos metros se avista um pequeno mercado a céu aberto com vários produtos de primeira necessidade. Um atentado à saúde pública.

O pretexto usado para nos aproximarmos do grupo parecia meio absurda, mas António garantira-nos que resultaria e resultou. Apresentamo-nos como primos de um adoentado António e aproveitou-se a ocasião para saber da história da vala. «Quem irá contar-vos a história dessa vala é o dono daquela casa», apontou um dos integrantes do grupo de meliantes acrescentando que, «sempre que chega o tempo de chuva ele é obrigado a mudar de casa».

Na altura o proprietário fazia obras ao muro do quintal para se proteger das fortes correntezas das águas que escorrem pela vala em tempo de chuva e inundam todo o bairro, arrastando tudo e todos que cruzam o caminho. «Sempre que começa o tempo chuvoso é um martírio. Perdemos tudo e até chegam a morrer pessoas», afirma o proprietário da residência.

Minutos depois o grupo parecia simpatizar com a presença da nossa equipa. Falaram de forma aberta sobre os vários problemas advindo da vala, naquele bairro, com ênfase ao tempo chuvoso. O líder – que pediu a um dos rapazes que servisse de nosso guia e protecção enquanto visitássemos a vala – explicou que as obras da vala duraram apenas o período eleitoral.

António pediu-nos que fôssemos o mais discretos possível e que perguntássemos apenas coisas relacionadas com a vala. O cheiro nauseabundo e as moscas incomodavam-nos, mas a curiosidade era mais forte.

Mais adiante pudemos verificar que uma das passagens de água na vala está interditada com entulhos da obra inacabada, o que para os moradores é uma das maiores preocupações. «As águas não terão onde escoar e de certeza que vai tudo parar em nossas casas», explicaram.

As meninas olhavam-nos supondo que seríamos clientes, mas foram logo advertidas pelos nativos. A cada minuto observava-se um ou outro movimento estranho. Os rapazes tudo faziam para não nos apercebermos do submundo que nos rodeava. Contaram-nos que a construção da vala de drenagem a cargo de uma empresa chinesa parou há cerca de um ano e que contrataram vários jovens do bairro que acabaram por não ser pagos nos últimos meses. «Foi mas é uma campanha política», protestou um dos meliantes.

Não permanecemos mais de 30 minutos naquela localidade, mas pudemos constatar que os crimes são cometidos pelos menores a mando dos adultos, que quase nunca saem dos esconderijos, ao contrário do movimento quase permanente de entra e sai de embrulhos.