Lisboa - Tornou-se aparentemente banalíssima entre as mais banais das notícias que sucedem-se no quotidiano das relações entre Portugal e Angola. De algum tempo até aqui, quase sempre assistimos a ataques seletivos vindos da és colónia do sudoeste africano vazando de forma, impressionista, no seu órgão público de informação (Jornal de Angola), as mágoas e as cismas relacionais para com o parceiro do hemisfério norte com quem partilha a língua e uma longa história de convivência entre colonizador e colonizado.

Fonte: Club-k.net

Circulando invariavelmente no mesmo sentido e visando sempre os mesmos alvos – algumas figuras da classe política e ou titulares de órgãos de soberania portugueses -, insultuosos, inusitados e descabidos que parecem, os ataques da elite angolana tendem a promover uma falsa imagem da realidade subjacente nas relações entre os dois povos. Ainda que roçando a trivial sabemos que de um enredo como tal, de natureza e contornos algo enigmáticos não será prudente tirar-se conclusões à primeira. Por conseguinte pergunte-se:


Porque estaríamos perante algo trivial, se ao nível das mais altas instâncias da vida pública portuguesa não soam alaridos contra os angolanos salvo algumas vozes dispersas que vêm replicar esse ou aquele insulto? Não existindo um motivo aparente para um tal silêncio consideraríamos estar perante uma mera trivialidade!? Será que os autores de tais insultos perderam apenas e só a noção da necessidade do trato com respeito para com os seus pares, ou haverá algo oculto por detrás de um véu que nós que estamos de fora não conseguimos ver? Quem está por detrás do véu e tem realmente protagonizado as fugas de informação que originaram tais polêmicas? Com que interesse (s) as tem promovido? Porque são tão mal-educadas e extremamente agressivas as reações do visado? Diz o axioma: “Quem não deve, não teme.” E outro diz: “Não há fumo sem chamas.” NO AVESSO, O ESSENCIAL:


Admitindo, todavia, que não temos a clara perceção do que efetivamente passa-se entre esses dois grupos de pessoas ou de individualidades de topo – pois só os próprios conhecem efetivamente, as razões de fundo -, certo é que quem insulta também convida o adversário a investir e a exportar ilimitadamente recursos humanos para o seu país tornando- se num dos maiores acolhedores de mão-de-obra dali proveniente. Se por um lado assistimos a chegada em grande escala dessa mão-de-obra em Angola, do outro, assistimos o seu privilegiado posicionamento ao nível de categoria, de carreira e de remuneração face aos seus pares ou colegas angolanos – muitos dos quais formados na Europa e na América. Quem insulta é também quem convida e acolhe a implantação acelerada de empresas portuguesas em Angola sem qualquer tradução ao nível do desenvolvimento das condições e do bem-estar das populações.

Em sentido contrario – de Angola para Portugal -, o movimento que assistimos diariamente é o da chegada maciça de capitais angolanos à Portugal. Perplexo tem-se que ficar ver a elite angolana afirmar que Portugal está agora pior do que a Guiné-Bissau, e mesmo assim continuar a transferir ininterruptamente, para Portugal, capitais públicos angolanos e outros de origem duvidosa, o que Portugal acolhe com muito gosto e prazer como tudo indica. Ou seja, para Portugal não importa que venham esses capitais embrulhados em ofensas, desconsiderações e desprezo.

No entanto, apesar de tudo algumas vozes se arvoram a dizer que Portugal perdeu a sua dignidade apenas e só porque envolveu-se com gente malcriada, corrupta e sem escrúpulo. À estes, passam-lhe completamente ao lado certas características de quem habitualmente assina os editoriais do Jornal de Angola. Entretanto diga-se que, com todo respeito que devemos e que nos merece o estado e o povo Guineense, se, aos olhos da elite angolana, Portugal chegou ao nível da Guiné, então os angolanos estarão com os dois pés no vale da desgraça. Ora não quero com isso significar que o povo guineense seja um povo desgraçado, porém, que a Guiné está a ultrapassar um período muito complicado da sua história. Basta ver que o desespero de sair da situação que afeta a Guiné-Bissau é inconfundível no semblante de qualquer cidadão guineense. Pergunto pois, como quererão os dirigentes angolanos encaminhar o estado e a nação para o caos e o suplício do povo guineense que tanto lamentam e abominam, investindo tudo quanto seja dinheiro em Portugal?

A sensação com que se fica e a conclusão a tirar da postura da elite angolana, é que numa tal conjuntura estarão certamente a sobrepor-se interesses pessoais e de grupo em detrimento dos interesses do povo angolano. Ou seja, aonde nenhuma réstia de esperança sorri ao povo angolano e aonde as expetativas são péssimas para o comum dos investidores, é aonde a elite vê uma tremenda janela de oportunidades para fixar dividendos pessoais e dessa maneira soçobram as expetativas do povo! Todavia, sem querer derivar para considerações sobre um hipotético masoquismo da elite angolana, curiosamente, note-se que a parte aparentemente calada, frágil e vulnerável, na prática, é quem move e controla o annimus das relações entre os dois países. CALADINHOS E MANSINHOS!?


Os portugueses pouco ou nada falam. Pouco ou nada respondem sobre os insultos que vêm de lá mas são na realidade o lado ganhador neste que - aos olhos dos angolanos – é um pseudo-conflito;


Ganhadores porque apesar de serem - pela elite angolana - rebaixados ao nível da Guiné-Bissau, os portugueses têm amealhado e transferido diariamente para Portugal largas somas de milhões de euros. Aconselha- se a consultar as bases de dados estatísticos oficiais; Ganhadores porque os investimentos que fazem em Angola são altamente lucrativos e nada lhes é pedido em termos de responsabilidade social; Daí aproveitarem e ajudarem imenso a resolver a panóplia de problemas que afetam o seu país nomeadamente, o do financiamento da economia, o da solvência dos bancos e o do desemprego;


Ganhadores porque têm-se implantado em toda vida e nas mais diversas esferas e domínios da sociedade e do estado angolano sem terem de oferecer qualquer contrapartida ao povo angolano senão, a da lavagem de dinheiro e branqueamento de capitais da elite. De um tal somatório de vitórias a consequência natural é a da portugalização de Angola, daí ser facílimo compreender a razão do silêncio português e da sua aparente mansidão. De que modo poderia o cidadão comum compreender porque comportar-se com mansidão e sujeitar-se ao trato depreciativo, desrespeitoso e desonroso de expressões como “...bandidos e invejosos...”referindo-se a altas figuras da sociedade portuguesa e "largos milhares" que "vão para Alcântara”, contidas nos editoriais do Jornal de Angola referindo-se aos portugueses aspirantes a imigrar para Angola. Por cá, certamente muitos pensarão; Porque não ser mansos e aparentemente subservientes, se o que queremos e que realmente importa é transferirmos para Portugal a riqueza que ainda lhes resta?


Porque não sermos mansos e aparentemente subservientes, Se é esse um caminho eficaz e que nos permitirá plasmarmos silenciosamente – num horizonte à médio prazo - uma sociedade multirracial em que seremos nós a dominar? Algo do género do que passa-se na Africa do Sul e na Namíbia! Brancos vindos de Portugal, porém, angolanos de pleno direito - pensam eles. Quem julga que ter o exército e a polícia na mão é quanto baste para manter o controlo da situação, desengane-se. Pois, ao contrário do que sucedia até ao dia 11 de Novembro de 1975 em que os angolanos eram, com cinismo, naturalizados portugueses, agora são os portugueses quem precipitam-se a naturalizar-se angolanos. Porque será? Se é fruto de uma abertura de espírito, então, porque não reclamarem em Portugal o que sempre repudiaram lá – uma nação e um estado multirracial?

O que temos em presença e que realmente se projeta no horizonte à médio prazo do futuro de Angola, é a consolidação de uma experiência em curso, alimentada e suportada por uns poucos angolanos que não olham à meios para atingirem fins pessoais por um lado, e politicamente ensimesmados por outro. Daí que como angolano não tenho o mínimo orgulho de presenciar senas de incidentes que se vão replicando entre a elite angolana e a portuguesa. Pelo contrário, tenho encarado tais acontecimentos com extrema apreensão e grande preocupação pelo futuro do povo angolano que não é aí tido nem achado. O povo angolano é na realidade, o único que arredado do centro das polêmicas, todos os dias perde para os estrangeiros o que lhe é de direito; dispor dos seus recursos naturais potenciando uma vida longa e com qualidade.

Ao povo só se oferece a sombria expetativa de (no limite, daqui a três gerações), voltar a viver debaixo do jugo português sem quaisquer hipóteses de escapar dele. Ou seja, numa tal conjuntura a probabilidade de quebrar os grilhões será remota. Improvável no campo das probabilidades é seguramente, garantir para a situação com que nos estamos a defrontar um desfecho como o do passado recente em que tivemos sorte de, com incomensurável sacrifício, sangue e lágrimas alcançar a nossa independência e soberania.

Aos caros leitores e aos angolanos em especial, um até breve!

Tito Silva