Lisboa - No meio de tanta confusão à volta do Orçamento, poucos deram importância à carta que a China Three Gorges enviou ao governo português. Os responsáveis da eléctrica chinesa mostraram o seu desagrado com o novo imposto sobre a produção de electricidade. Até aqui nada de mal. O problema é que a carta insinua que o Estado português não é uma pessoa de bem e ameaça que esta situação pode pôr em causa quaisquer futuros investimentos da China em Portugal.

Fonte: Expresso

Porque é que esta carta é grave? Porque a China Three Gorges comporta-se como aquilo que é. Uma poderosa companhia detida a cem por cento por um Estado estrangeiro e que fala em nome desse Estado.

Quando a EDP foi privatizada, chamei várias vezes a atenção para o facto de uma privatização a favor de um Estado estrangeiro ser, na prática, uma renacionalização. Mas o nosso governo "liberal" olhou para o cheque e esqueceu esta evidência. A escassez de capital e de financiamento era tal, que só conseguiu olhar para os muitos resultados positivos da venda.

O problema deste tipo de negócios só surge quando alguma coisa corre mal. Só nesse momento é que o governo português percebe que, afinal, não tem pela frente uma empresa estrangeira que comprou uma empresa portuguesa, mas sim um Estado estrangeiro que comprou uma empresa portuguesa. Um pormenor que faz toda a diferença e que o governo "liberal" esqueceu quando entregou a EDP ao controlo de uma estado profundamente antiliberal.

Ainda mal refeito do susto da China, o governo recebeu hoje o golpe mais violento das últimas décadas nas relações com Angola. As frases de José Eduardo dos Santos sobre o fim da parceria estratégica com Portugal são indiscutivelmente graves. Vão ser analisadas de várias formas, nas linhas e entrelinhas, e têm, seguramente, por detrás várias manobras diplomáticas que ainda não conhecemos.

Angola pode ter muitas razões de queixa - como Portugal tem - mas comete um erro nesta absurda declaração. José Eduardo dos Santos sabe que nem este governo, nem qualquer outro, podem impedir que o Ministério Público português abra e prolongue investigações judiciais, mesmo que pouco fundamentadas. E nem este governo, nem qualquer outro, conseguem impedir que a Comunicação Social portuguesa noticie esses processos ou outras histórias eventualmente desagradáveis, no meio de muitas outras seguramente simpáticas e fabulosas para um país com a história e a pujança de Angola.

Sem perceber isso, o gesto de Eduardo dos Santos é desproporcionado e em vão. Nada que me espante, mas que deixa muita gente surpreendida, sobretudo os que nunca perceberam que a lógica de guerra continua a dominar boa parte das cabeças do Palácio da Cidade Alta, em Luanda.