Luanda – Achei bastante curioso e estranho a postura do Presidente angolano, Eng.º José Eduardo dos Santos, sobre a democracia angolana. Recentemente a televisão brasileira, TV-Band, tivera tornado pública a entrevista com ele, feita por jornalista Franklin Martins, antigo ministro da Comunicação Social do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Fonte: Club-k.net
Nesta ocasião infrequente, o Presidente angolano, dentre outros assuntos, debruçara-se sobre a sucessão ao seu reinado longevo, que dura desde Setembro de 1979, após a morte inesperada e inexplicável do Dr. António Agostinho Neto, em Moscovo.

Nesta entrevista o estadista angolano, chefe do estado, pôs inequivocamente em xeque o princípio fundamental democrático, grego, que se baseia no «sufrágio universal direto», como forma mais adequada de governação, da renovação dos poderes públicos, da representatividade e da participação.

Pois que, na democracia ocidental o poder político pertence ao povo, aos cidadãos comuns, aos patrícios e às plebeus. Os quais, em conjunto, entram na disputa eleitoral para eleger os seus representantes, governantes e magistrados judiciais – num pleito eleitoral direto ou indireto.

A chefia do estado não é uma emanação da votante de quem governa, em conluio com o clique que lhe rodeia. Mas sim, resulta da vontade coletiva do povo, do processo eleitoral transparente, credível e justo, em que os candidatos surgem livremente, por inspiração pessoal, na base da meritocracia. Isso exige uma liderança qualitativa que reúne as virtudes necessárias e o pensamento político clarividente que inspira o saber, o carisma e a honestidade.

Os líderes de peso, nos momentos cruciais, emergem como uma alternativa incontornável ao status quo, numa perspectiva de efetuar uma viragem decisiva, capaz de fazer face aos grandes desafios da sociedade. Os bons líderes projetam-se por si próprios; não são frutos da sombra do soberano que lhe lança como seu delfim pessoal para apenas servir de guardião dos seus negócios ilícitos e de bens pilhados do patrimônio público. Impedindo, desta forma, a manifestação livre do povo, na sua aspiração profunda pela liberdade, felicidade, igualdade, justiça social e autodeterminação.
 
Neste respeito, o filosofo político militar, grego (430 a.C.-350 a.C.), Xenofonte, afirmava o seguinte: “Se se escolhe um Chefe, não é para que ele se ocupe de si próprio, mas para que assegure a prosperidade daqueles que o escolheram.”

À luz deste pensamento do xenofonte, o ponto fulcral reside na origem do poder e do cargo, daquele que proporcionou este cargo, que resulta no poder, ao qual deve a fidelidade e a prestação de serviços e de contas. A proveniência do cargo público e do poder do estado e o modo de sua disposição, de grosso modo, determinam a natureza deste poder e a forma de sua governação.

Ali estará a problemática desta Tese sobre o modelo de sucessão ao poder que se propõe o Presidente angolano. Todavia, são várias formas e modelos de sucessão do poder, dentre as quais, as seguintes:

1. Sucessão por via de descendência (monarquia, aristocracia, oligarquia ou dinastia).
 
2. Sucessão por via de Golpe de Estado (sublevação militar contra o regime – violenta ou pacifica).
 
3. Sucessão por via de uma revolução (levantamento popular – pacifica ou violenta).
 
4. Sucessão por via de luta armada (disputa entre duas ou mais forças políticas antagônicas, com pensamentos políticos contraditórios).
 
5. Sucessão por via da afirmação partidária (monocracia autoritária, com a acentuada centralização e concentração de todos os poderes públicos e privados – partido-estado).
 
6. Sucessão por via de eleição democrática (sufrágio universal, em que o poder político emana do povo, que elege os representantes, os governantes e os magistrados judiciais – num pleito eleitoral direto ou indireto).
 
7. Sucessão por via transitória ou temporária (sucede-se por vacatura do cargo, devido a morte, renúncia, destituição ou impedimento de qualquer natureza – definida por lei).

As setes formas de sucessão acima descritas, na caracterização sistemática, obedecem a duas categorias distintas, sendo:

a) A via de «eleição do poder», da qual o povo é que dita as regras do jogo político e decide sobre quem deve representá-lo; responsabilizar-se pela legislação; administrar a justiça; chefiar o estado; ocupar-se da governação, e da distribuição da riqueza; controlar e fiscalizar o poder.
 
b) A via de «imposição do Poder» ao povo, por várias formas, sem que este tenha a faca e o queijo na mão.

Nesta óptica, torna-se mais fácil perceber, com maior precisão, de que lado estará o raciocínio do Presidente angolano. Dentre as duas categorias de sucessão ao poder, acima referenciadas, o seu pêndulo está muito mais inclinada à alínea (b) que se enquadram nos números 1 e 5 das formas de sucessão ao poder.

Pois que, nas circunstâncias atuais, o Presidente angolano se encontra encurralado entre a sucessão por via de descendência (filho)ou por via aristocrática, ou oligárquica (Manuel Vicente ou outro). Qualquer uma das duas opções supracitadas irá sempre culminar na mesma, na afirmação da «monocracia autoritária», sob a cobertura da pluralidade política, em que a oposição servirá apenas de enfeite, sem capacidade real de alternância, de fiscalização, de legislação e de transformação democrática.

Neste encadeamento dos fatos, o estado angolano conhecerá novamente uma fase mais dramática e turbulenta, em que o novo «poder autocrático» fará tudo em seu poder, a todo o custo, para se implantar, enraizar-se, consolidar-se e criar um ambiente de caos para que, em águas turvas, se pesque melhor. Em consequência disso, veremos o desmoronamento acentuado do estado de direito e democrático. Subordinando, desta forma, o poder legislativo e o poder judicial ao poder executivo.

Aliás, já está em forja um novo ante projeto da constituição que será imposta em 2016, na véspera das eleições gerais de 2017, que virá consagrar um verdadeiro estado autocrático, em que o poder monolítico terá os seus instrumentos legais aperfeiçoados, realçados,reforçados e aprofundados.

Para este efeito, os mecanismos internos e externos já estão firmemente instalados, sustentados pela «diplomacia econômica»,como instrumento poderoso de chantagem, intimidação e extorsão. Neste respeito, Portugal já tornou-se vítima desta política inculta; acabando-se de ceder a sua dignidade política, a soberania do estado e a independência do poder judicial.

Transformando-se assim num paraíso fiscal e numa imensa lavandaria de recursos financeiros desviados do cofre do estado angolano para o mercado ocidental, onde estão sediadas as contas chorudas da «família real» e do seu «círculo interno». Este processo, de fuga de capitais, obedece a uma vasta estratégia de acesso ao mercado ocidental, em colaboração com as multinacionais petrolíferas que operam na região do Golfe da Guiné.

Angola, neste respeito, passou a ser o maior produtor do petróleo desta região, com um certo grau de estabilidade política – contrariamente à Nigéria. Os magnatas angolanos, asfixiados internamente, buscam tubos de escapes para os fundos avultados que se escapam diariamente do tesouro público.
 
Enquanto se expande para o exterior, internamente a ditadura virá abrir novos espaços de atuação, fortalecendo os sustentáculos de repressão, numa impunidade absoluta. Nesta relação, Portugal será o maior ativista e beneficiário privilegiado disso. virá ampliar e reforçar (como sempre) o seu papel de intermediário e de lobby do regime angolano junto dos mercados financeiros, dos poderes políticos e das organizações multilaterais, que se disputam o acesso ao mercado petrolífero do Golfe da Guiné.

Em suma, a realidade angolana apresenta-se da seguinte forma, numa evolução constante que irá ditar os acontecimentos do futuro mais próximo:

a) A Degenerescência do Poder do Presidente Eng.º José Eduardo dos Santos, cuja imagem caíra no descrédito total, devido os atos de corrupção galopante; do enriquecimento ilícito de sua família e de si próprio; e da longevidade do seu consulado.
 
b) A ausência de uma figura credível e carismático no seio da liderança atual do MPLA, partido da situação, que seja capaz de unir os consensos necessários do partido para uma sucessão partidária consensual, estável, honesta, unificadora e reformista – por excelência. Acima de tudo, face à configuração actual do poder e ao caráter ferino e vingativo do soberano angolano, quem ousará levantar o dedo contra os caprichos e as artimanhas do José Eduardo dos Santos, no seio da liderança atual do MPLA?
 
c) A oposição, embora tenha algumas figuras de grande merecimento, a sua vulnerabilidade consiste em não dispor-se de recursos financeiros adequados, com os quais pudesse estabelecer um certo grau de equilíbrio necessário, de modo a alterar atempadamente o status quo presente.
 
Pois que, prevalece em Angola o regime de monopólio, em que os circuitos dos fluxos financeiros são controlados pelo presidente José Eduardo dos Santos, sua família e o núcleo interno do poder. O acesso ao dinheiro, aos negócios, aos investimentos e ao mercado de trabalho é altamente condicionado pela Cidade Alta e pelo Kremlin (HQ do MPLA em Luanda). Desta forma, a oposição está confinada à periferia dos palcos significativos das atividades financeiras. Mantendo-a, deste modo, no estado permanente de indigência e de austeridade.
 
d) A partidarização da função pública, dos tribunais, do conselho nacional eleitoral, das instituições financeiras e dos órgãos da defesa e da segurança. sendo estes, nomeados por eng.º José Eduardo dos Santos, subordinados a ele e condicionados por ele, ao qual devem uma rigorosa e restritiva obediência.  

Nesta condição de impasse, de hegemonia política, de monopólio político-econômico e de desequilíbrio político acentuado, o cenário mais provável, a curto prazo, será do recuo significativo do processo da transformação democrática – que será ditado por uma «sucessão de conveniência pessoal, imposta por José Eduardo dos Santos». Utilizando os mecanismos de imposição ou de eleição fictícia em que qualquer um dos cenários de sucessão será ditado, manipulado e mecanizado por ele, em interesse de si próprio.

Óbvio, isso terá o reflexo negativo na sociedade, seguida de um ambiente de descontentamentos, de revoltas e de repressões da comunidade juvenil e de outros segmentos mais esclarecidos da sociedade angolana. Cedo ou tarde, como consequência disso, criará uma nova dinâmica no seio da sociedade angolana que virá propiciar condições objetivas para uma oposição tenaz, melhor estruturada, organizada e munida de recursos financeiros, capaz de alterar a situação vigente e tornar possível a restauração do estado de direito e democrático.

Para este efeito, será necessário uma mudança profunda do sistema político e a alteração da superstrutura do estado. só assim, a meu ver, será viável o processo da moralização, inovação, renovação e reestruturação do sistema político do país.

Portanto, na condição atual, o Presidente José Eduardo dos Santos, «não é o Garante da estabilidade duradoura». O Presidente angolano, só o seria se tivesse vontade política e fosse capaz de fazer o jogo limpo de transição do poder e deixasse esta função em pleno poder do povo angolano para escolher livremente o seu sucessor, sem artimanhas e trunques de manipulação dos processos eleitorais. pela experiência, ele não é deste caráter, nem ousará fazê-lo; muito menos será capaz de apreender com Nelson Mandela.

Logo, a postura atual do Presidente angolano propícia uma incerteza profunda para Angola, com riscos de pôr em causa os ganhos importantíssimos que o país já conquistou no decurso da guerra civil prolongada e devastadora, que ferira gravemente a carne e a alma de cada família angolana.