Brasil - Leia abaixo a íntegra do discurso do presidente americano Barack Obama na homenagem de terça-feira ao líder sul-africano Nelson Mandela, em Joanesburgo, África do Sul.

Fonte: zerohora

"À Graça Machel e à família Mandela; ao presidente Zuma e aos membros do governo, aos chefes de Estado e de governo, do passado e do presente; ilustres convidados. É uma honra singular estar com vocês hoje para celebrar uma vida como nenhuma outra . Ao povo da África do Sul e pessoas de todas as raças e classes sociais. O mundo agradece a vocês por partilhar Nelson Mandela conosco. A luta dele foi a luta de vocês. O triunfo dele foi o triunfo de vocês. Sua dignidade e sua esperança foram a expressão da vida dele. E sua liberdade e sua democracia são o seu querido legado.

 

É difícil elogiar qualquer homem - para expressar em palavras não apenas os fatos e as datas que fazem uma vida, mas a verdade essencial de uma pessoa - suas alegrias e tristezas particulares; os momentos de silêncio e as qualidades particulares que iluminam a alma de alguém. É ainda mais difícil quando se trata de um gigante da história, que moveu uma nação ao caminho da justiça, e no processo mobilizou bilhões em todo o mundo.

Nascido durante Primeira Guerra Mundial, distante dos corredores do poder, um menino criado como pastoreiro e sob a tutela de anciões da tribo Thembu, Madiba emergiria como o último grande libertador do século 20. Como Gandhi, ele se tornaria líder de um movimento de resistência, que no começo tinha poucas perspectivas de sucesso. Como o Dr. King (Martin Luther King), daria uma voz potente às reivindicações dos oprimidos e à necessidade moral da justiça racial. Ele iria suportar uma prisão brutal, que começou na época de Kennedy e Kruschev e chegou aos dias finais da Guerra Fria. Ao deixar a prisão, sem recorrer ao poder das armas, manteve o país unido - assim como Abraham Lincoln - quando ele ameaçava se quebrar. E como os fundadores dos Estados Unidos, ele construiria uma ordem constitucional para preservar a liberdade às futuras gerações - um compromisso com a democracia e o Estado de direito não apenas ratificado por sua eleição, mas por sua decisão de abandonar o poder após apenas um mandato.

Dado curso da sua vida, o alcance de suas realizações, a adoração que ele merecidamente recebeu, é tentador que eu lembre Nelson Mandela como um ícone, sorridente e sereno, desapegado das dos assuntos vulgares de homens menos importantes.Mas o próprio Madiba resistiu fortemente a um retrato tão sem vida. Em vez disso, Madiba insistiu em dividir conosco suas dúvidas e seus medos; seus erros de cálculo, juntamente com suas vitórias. "Eu não sou um santo", ele dizia, "a menos que você considere um santo como um pecador que continua tentando".

Foi precisamente porque ele podia admitir a imperfeição - porque ele poderia ser tão cheio de bom humor, mesmo mal, apesar dos pesados fardos que carregava - que nós o amávamos. Ele não era um busto de mármore; ele era um homem de carne e osso - um filho e um marido, um pai e um amigo. E foi por isso que nós aprendemos tanto com ele, e é por isso que nós ainda podemos aprender com ele. Porque nada que ele alcançou era inevitável. No auge da vida dele, nós vimos um homem que ganhou seu lugar na história através de luta e astúcia, de persistência e fé. Ele nos disse o que é possível não só nas páginas de livros históricos, mas nas nossas próprias vidas.

Mandela nos mostrou o poder da ação; de correr riscos em nomes dos nossos ideais. Talvez Madiba estivesse certo de que ele herdou "uma rebeldia orgulhosa, um senso de justiça teimoso" do pai dele. E nós sabemos que ele dividiu com milhões de negros e mestiços sul-africanos a raiva nascida de "milhares de desrespeitos, milhares de indignidades, milhares de momentos esquecidos... um desejo de lutar contra o sistema que aprisionou meu povo", ele disse.

Mas como outros gigantes do CNA (Congresso Nacional Africano) - os Sisulus e Tambos - Madiba disciplinou a raiva e canalizou o desejo dele de lutar em organização, e plataformas, e estratégias de ação, para que homens e mulheres pudessem se erguer pela sua dignidade dada por Deus. Além disso, ele aceitou as consequências de suas ações, sabendo que enfrentar os interesses de poderosos e injustiças tem um preço. "Eu lutei contra a dominação dos brancos e lutei contra a dominação dos negros. Eu estimo o ideal de democracia e sociedade livre em que todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que eu espero viver e alcançar. Mas se for preciso, é um ideal para o qual estou preparado para morrer."

Mandela nos ensinou o poder da ação, mas ele também nos ensinou o poder das ideias; a importância da razão e argumentos; a necessidade de estudar não só aqueles com quem você concorda, mas também aqueles com os quais você discorda. Ele entendia que as ideias não podiam ser contidas por muros de prisões, ou extintas pela bala de um atirador. Ele transformou seu julgamento em uma denúncia do apartheid por causa da sua eloquência e sua paixão, mas também por causa de seu treinamento como um defensor. Ele usou décadas na prisão para afiar seus argumentos, mas também para divulgar sua sede de conhecimento para outras pessoas no movimento. E ele aprendeu a linguagem e os costumes do seu opressor para que um dia ele pudesse melhor trasmitir a ele como nossa liberdade depende dele.

Mandela demonstrou que ação e ideias não são suficientes. Não importa quão certas, elas precisam estar esculpidas na lei e instituições. Ele era prático, testando suas crenças na superfície dura das circunstâncias e da história. Em princípios fundamentais ele era inflexível, é por isso que ele podia rebater ofertas de liberdade incondicional, lembrando ao regime do apartheid que "prisioneiros não podem assinar contratos."

Mas como ele mostrou em cuidadosas negociações de transferência de poder e elaboração de novas leis, ele não tinha medo de comprometer para o bem de um objetivo maior. E porque ele não era somente um líder do movimento, mas um político hábil, a Constituição que emergiu foi digna dessa democracia multiracial, fiel à sua visão das leis que protegem minorias, bem como os direitos da maioria, e a preciosa liberdade de todos os sul-africanos.

E ele entendeu os laços que unem o espírito humano. Tem uma palavra na África do Sul - Ubuntu uma palavra que captura o maior presente do mandela: sua ideia de que todos somos ligados de uma maneira invisível aos olhos, que há uma unidade na humanidade, que entendemos a nós mesmos ao compartilharmos com outros e ao nos importarmos com aqueles na nossa volta.

Nós nunca saberemos o quanto dessa ideia nasceu com ele e quanto foi formada em uma cela escura e solitária. Mas lembramos de gestos - grandes e pequenos - como apresentar seus carcereiros como convidados de honra na sua posse, ao usar o uniforme do time de rugby Springbok, ao tornar a dor de sua família em uma chance de combater HIV/AIDS - o que revelou a profundidade de sua empatia e compreensão. Ele não só personificou o Ubuntu, ele ensinou milhões a encontrar a verdade dentro deles.

Foi necessário um homem como Madiba para libertar não só o prisioneiro, mas o carcereiro também (aplausos) para mostrar que você precisa confiar nos outros para que os outros confiem em você; para ensinar que reconciliação não é uma questão de ignorar um passado cruel, mas uma maneira de confrontá-lo com inclusão, generosidade e verdade. Ele mudou leis, mas ele também mudou corações.

Para o povo da África do Sul, para aqueles que ele inspirou ao redor do mundo, a morte de Madiba é um momento de luto e um momento para celebrar sua vida heróica. Mas acredito que também deve motivar em cada um de nós um momento de auto-reflexão. Honestamente, independentemente de nossa posição ou circunstância, precisamos nos perguntar: "O quanto eu apliquei as lições dele na minha vida?" É uma pergunta que eu faço a mim mesmo, como homem e como presidente.

Sabemos que, como na África do Sul, os Estados Unidos tiveram que superar séculos de preconceito racial. Como aqui, foi necessário sacrifício - o sacrifício de inúmeras pessoas, conhecidas e desconhecidas, para ver o amanhecer de um novo dia. Michelle e eu fomos beneficiados por essa luta (aplausos). Mas, nos Estados Unidos, e na África do Sul, e em países ao redor do mundo, não podemos deixar nosso progresso esconder o fato de que nosso trabalho ainda não terminou.

As lutas que seguem a vitória da igualdade formal ou sufrágio universal podem não ser tão cheias de drama e clareza moral como aquelas que vieram antes, mas elas não são menos importantes. Por todo o mundo, hoje ainda vemos crianças que sofrem de fome e doenças. Ainda vemos escolas ruins. Ainda vemos jovens sem perspectivas para o futuro. Em todo o mundo, homens e mulheres ainda são perseguidos por suas crenças políticas, por sua aparência, por suas ideologias e pelo o que amam. Isso está acontecendo hoje.

E assim nós também devemos agir em nome da justiça. Nós também devemos agir em nome da paz. Há muitas pessoas que abraçam felizes o legado de reconciliação racial de Madiba, mas apaixonadamente resistem até mesmo a reformas modestas que desafiariam a pobreza crônica e a crescente desigualdade. Há muitos líderes que afirmam solidariedade à luta de Madiba pela liberdade, mas não toleram a dissidência em seu próprio povo. E há muitos de nós à margem, confortáveis em complacência ou cinismo quando nossas vozes devem ser ouvidas.

As questões que enfrentamos hoje - como promover a igualdade e a justiça; como defender a liberdade e os direitos humanos; como acabar com o conflito e a guerra sectária - não têm respostas fáceis. Mas não havia respostas fáceis na frente dessa criança nascida na Primeira Guerra Mundial. Nelson Mandela nos lembra que tudo parece impossível até que seja realizado. A África do Sul mostra que é verdade. A África do Sul mostra que podemos mudar, que podemos escolher um mundo que não seja definido por nossas diferenças, mas por nossas esperanças comuns. Podemos escolher um mundo não definido pelo conflito, mas por paz, por justiça e por oportunidade.

Nós nunca veremos os gostos de Nelson Mandela novamente. Mas deixe-me dizer aos jovens da África e do mundo todo: você, também, pode fazer o trabalho da vida dele o seu próprio. Mais de 30 anos atrás, quando ainda era estudante, eu aprendi sobre Nelson Mandela e as batalhas desta bela terra, e isso agitou algo em mim. Ele me despertou para as minhas responsabilidades para os outros e para mim mesmo, e me colocou em uma viagem improvável que me conduziu até aqui, hoje. E, embora eu sempre esteja aquém do exemplo de Madiba, ele me faz querer ser um homem melhor. Ele fala com o que há de melhor dentro de nós.

Após este grande libertador ir descansar, quando voltarmos para nossas cidades e aldeias, voltarmos às nossas rotinas diárias, vamos procurar por sua força. Vamos procurar sua grandeza de espírito em algum lugar dentro de nós. E quando a noite escurecer, quando a injustiça pesar em nossos corações, ou quando os nossos melhores planos parecerem fora de alcance, vamos pensar em Madiba e nas palavras que lhe trouxeram conforto dentro das quatro paredes de sua cela: "Não importa o quão estreito seja o portão, o quão pesados os castigos, eu sou o mestre do meu destino: eu sou o capitão da minha alma".

E que uma alma magnífica era. Vamos sentir falta dele profundamente. Que Deus abençoe a memória de Nelson Mandela. Que Deus abençoe o povo da África do Sul."