Luanda – Evocar a figura de Jonas Savimbi (JS), 12 anos depois do seu desaparecimento físico, é um exercício que se for feito numa base mais objectiva e com o necessário distanciamento crítico, isto é, sem paixões, continua a ser complexo não cabendo o seu resultado nos compartimentos habituais do bom, do mau ou do vilão e muito menos do santo ou do pecador.

Fonte: SA
Talvez aqui os compartimentos para encaixar  este caso de estudo que é certamente a figura de Jonas Savimbi, fossem o "muito amado/idolatrado" e o "odiado/sem limites", ao qual gostaríamos de acrescentar uma categoria mais neutra.

Trata-se de um compartimento cuja denominação precisa não se nos afigura muito fácil de encontrar no léxico político para ser suficientemente abrangente de um conjunto de pessoas que, em Angola e além fronteiras, olharão para Jonas Savimbi sem sentimentos mais extremos ou apenas com algum interesse/curiosidade.

Para quem o conheceu de perto ou à distância, para quem foi seu correligionário ou adversário, para quem apenas ouviu falar dele, é difícil encontrar pessoas que hoje sejam completamente indiferentes a passagem de Jonas Savimbi pela história de Angola e não reajam ao papel por ele desempenhado.

Reacções marcadas fundamentalmente pela contradição e a divergência, no meio de outras menos vincadas que variam bastante entre o "pode ser", o "talvez" e o "é capaz de não ter sido bem assim" ou ainda "naquele contexto não tinha como  fazer melhor".

De uma coisa estamos certos, se há alguém na nossa história que divide irremediavelmente os angolanos em campos diametralmente opostos/antagónicos, esta figura é a de Jonas Savimbi.

De todos os pontos de vista é uma figura incontornável, pelo que de pouco adiantará em termos de futuro, este continuado investimento mediático na sua diabolização, que já foi mais intenso, mas que não deixa de fazer a sua reentrada em cena sempre que a conjuntura assim o exige na hora da briga politico-eleitoral.

Acreditamos que nem mesmo um milagre fará com que algum dia, estes dois campos se aproximem em matéria de consenso mínimo quanto ao papel que JS desempenhou na evolução de Angola até ao patamar em que hoje se encontra.

Foi como todos sabemos uma trajectória bastante atribulada, mas que tem as suas fortes e indeléveis impressões digitais

O patamar da escadaria em que hoje nos encontramos, foi o resultado de um processo altamente destrutivo e destruidor, tendo nos longos anos de guerra que o país viveu após Novembro de 75 a sua principal referência.

As consequências quer sociais quer políticas do prolongado e devastador conflito continuam bem presentes na vida do país a influenciar fortemente a velocidade do próprio processo de reconciliação/democratização onde o discurso e a praxis estão em permanente conflito.
O tratamento da figura do próprio JS traduz bem este conflito.

Na sua versão actual, estes dois campos  ainda são profundamente  dominados pela geração(protagonistas) que fez a guerra, por isso não estamos a ver como é que, pelo menos durante este nosso tempo de vida, se possa verificar a tal convergência mínima em torno do papel desempenhado por Jonas Savimbi.

Para uns Jonas Savimbi e sem mais discussões é o pai da democracia angolana, para os outros ele foi apenas o grande destruidor do país, numa altura em que já não se devia colocar o argumento político inicial, considerando o facto da UNITA não ter aceite a sua derrota nas históricas eleições de Setembro de 1992 e como consequência ter voltado à guerra.

Para todos aqueles que tentam afastar-se deste fogo cruzado do amor com o ódio, ainda a cheirar a pólvora, colocando-se em pedestais mais analíticos e equidistantes, a tarefa não tem sido fácil na hora de se fazer justiça a pessoa de Jonas Savimbi.
Afinal de contas todos temos direito a justiça.

O grande problema aqui é que ele também nunca foi condenado pela história por mais que alguns insistam em colocá-lo de um lado ou do outro, pela simples razão de que a verdadeira história de um dado período da vida de um país, não pode ser feita pelos seus próprios protagonistas, nem tão pouco pelos jornalistas e comentaristas.

Em abono da verdade, estamos todos a escrever memórias e a contribuir para que algum dia a história de Angola venha a ser escrita definitivamente para as gerações futuras, o que não vai acontecer tão cedo.

O que temos para já são algumas historiografias, sendo a dominante aquela que é feita pelos vencedores do conflito angolano.

Sendo a justiça cega por definição, é aconselhável que se olhe com olhos de ver para todos os cantos da casa e que se levantem todos os tapetes, pois como se sabe, é debaixo deles que também se esconde muito lixo doméstico.

As coisas complicam-se ainda mais quando se trata de transferir o debate sobre JS para o espaço público, com todos os conhecidos receios num país onde o delito de opinião continua a existir e a ser fortemente penalizado, certamente com outros recursos menos visíveis do ponto de vista da repressão mais clássica, mas não menos eficazes para quem ainda acredita no controlo remoto de uma sociedade pela via da retaliação e do ostracismo.  

É neste terreno onde coabitam todos aqueles que hoje entendem que a caminhada deste país foi feita nas últimas três décadas fundamentalmente ao sabor dos interesses politico-partidários de uma elite repartida pelas principais tendências herdadas do movimento de libertação nacional, que acabaram por se  cristalizar no MPLA de JES e na UNITA de JS.

É neste espaço mais aberto e independente do ponto de vista da opinião e da crítica,  que Jonas Savimbi parece estar a receber um tratamento mais equilibrado e mais de acordo com tudo aquilo que ele fez ou permitiu que fosse feito.

Na comparação dos lados mais obscuros do ponto de vista da intolerância e da violação dos direitos humanos, nenhum dos dois protagonistas do encerrado conflito, salvaguardadas algumas proporções, tem grandes vantagens competitivas, isto é, está em condições de criticar vitoriosamente o outro, a ter em conta o impressionante cortejo de violências para todos os gostos e feitios que por aqui passou, cujo balanço definitivo muito dificilmente será algum dia feito com a necessária credibilidade.

Uma das questões que hoje se coloca com maior acuidade entre alguns dos integrantes deste espaço independente de opinião tem a ver com a justificação da morte/eliminação física de Jonas Savimbi como sendo a única possibilidade real que Angola tinha para alcançar a paz e construir a democracia.

Por outras palavras mais lapidares, nada disso que hoje temos e que a propaganda oficial descreve como sendo a "Nova Angola", seria possível com a presença de Savimbi.

Doze anos depois, a paz de facto e de jure foi alcançada e está consolidada, mesmo que tenha sido a "pax romana", mas em relação à democracia já não se pode dizer o mesmo, tendo em conta a realidade e todas as críticas que hoje se fazem ao desempenho do maioritário e às reais motivações da sua liderança.

Esta é de facto uma questão muito sensível que tem partidários dos dois lados, havendo aqui a destacar o argumento segundo o qual  uma paz alcançada com Jonas Savimbi em vida, daria outras garantias e outra substância à transição democrática, que tarda em convencer muitos de nós da bondade das suas opções fundamentais constantes na Lei Constitucional (CRA) aprovada em 2010.

Um pouco à semelhança do que aconteceu com a tímida entrada em cena de JES em 1979 por morte de Agostinho Neto, também Isaías Samakuva foi confrontado com uma realidade para a qual ele não estava minimamente preparado, após mais de 36 anos de liderança consecutiva da UNITA por Jonas Savimbi.

Isto quer dizer que com Jonas Savimbi hoje em vida, já completamente desmilitarizado e reconvertido em líder de um partido político normal, teríamos certamente uma outra UNITA.

De certeza que já não seria a UNITA da Jamba, mas também não seria a UNITA que temos hoje em Luanda, porque Savimbi e Samakuva não têm comparação possível, pelo que os seus estilos diferentes teriam necessariamente de produzir dois resultados distintos nas novas condições políticas criadas pela paz.