Lisboa – Luanda não queria o dinheiro apreendido em Portugal. Mas agora já quer. 0 ex-banqueiro não o queria entregar. Mas agora já quer. Confuso? Leia a história da reviravolta.


MP pode emitir um mandado de captura contra Eduardo Lucamba


Fonte: Sábado
Tarde de 19 de Março de 2014, 14h15. Nas imediações do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), no Parque das Nações, em Lisboa, o empresário e ex-banqueiro Alvaro Sobrinho, arguido no caso do desaparecimento de cerca de 100 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola (BNA), mantém-se discretamente no interior do seu carro, longe da atenção dos jornalistas que estão à porta. Combinou com o advogado que o representa em Portugal que só entra se o juiz Carlos Alexandre o exigir.

Não foi necessário: pouco mais de uma hora depois do início da sessão, estava concretizada uma reviravolta inesperada no processo movido por Angola contra incertos: o banqueiro, a quem o Ministério Público (MP) e o juiz de instrução tinham apreendido 3.044 milhões de euros, com o objectivo de os entregar ao Estado angolano, surpreendeu o tribunal ao anunciar que não se opunha à orientação das autoridades judiciais portuguesas.

A acta da sessão judicial, a que a Sábado teve acesso, revela que Alvaro Sobrinho declarou ter desistido de manter pendente um conflito que se arrastava há meses com as autoridades portuguesas.

Na prática, o banqueiro continua a dizer que são seus os 3044 milhões de euros apreendidos, mas deixou de se opor à entrega do dinheiro ao Estado angolano, reservando-se o direito de reclamar em Angola a sua devolução.

A decisão foi uma surpresa, mas não tanto como a mudança de atitude do próprio Estado angolano, que sempre dissera à justiça portuguesa que o dinheiro era de Alvaro Sobrinho, mas que agora argumentou precisamente o contrário. Confuso?

O próprio juiz Carlos Alexandre declarou-se "perplexo" e fez constar esse estado de espírito no despacho que selou a ratificação do acordo entre Sobrinho, Angola e o MP.

Segundo os documentos judiciais consultados pela Sábado, foi o advogado Paulo Blanco, representante do Estado angolano, que anunciou ao tribunal as novas intenções do procurador-geral de Angola (PGR), João de Sousa.

Como o processo esteve em segredo de justiça, o advogado alegou que não tivera acesso a toda a informação, mas que agora não tinha "quaisquer dúvidas" de que Angola era o "legítimo e exclusivo proprietário" dos milhões de euros de Sobrinho.

Meses antes, João de Sousa chegara a escrever uma carta, que foi junta ao processo pela defesa de Alvaro Sobrinho, em que garantia que o banqueiro não praticara crimes em Angola, salientando que também não se opunha à restituição dos 3044 milhões de euros.

Na altura, o MP e o juiz Carlos Alexandre recusaram entregar o dinheiro porque consideraram que Sobrinho era suspeito da prática de crimes de branqueamento de capitais – ainda hoje é arguido no processo – na investigação que começara a identificar o rasto dos 100 milhões de dólares que as autoridades angolanas diziam terem desaparecido do BNA.

O MP e a Polícia Judiciária (PJ) já sabem hoje qual foi o circuito português de todo este dinheiro, que saiu da sucursal do Banco Espírito Santo (BESA) em Londres por ordem do governador do BNA.

Cerca de 24 milhões de dólares (em que se incluíam os 3 milhões de Sobrinho) chegaram a Portugal através do Banif do Funchal e das contas bancárias da Gobain - Comércio, Consultoria Económica e Serviços, uma sociedade por quotas sediada na zona franca da Madeira.

A Gobain foi entretanto dissolvida. Muitos outros milhões foram destinados (Angola ainda conseguiu travar transferências de milhões de euros) a empresas como a Linkvalor, a Wellis, a Movimundo, a Energy Trading, a Bisacar e a Icongest. A complexidade das conexões financeiras levou o MP a aceitar uma proposta recente da PJ: nasceram seis outros inquéritos-crime do processo principal.

FILHO DE "KWATA KANAWA" ENVOLVIDO NA REDE

Justiça quer ouvir Eduardo Lucamba, mas ele está a adiar a vinda a Portugal. A audição de Eduardo Lucamba, que terá estado envolvido na burla em Angola, é fundamental para o MP e para o juiz Carlos Alexandre.

Mas o filho do general Norberto dos Santos "Kwata Kanawa", ex-ministro angolano dos Assuntos Parlamentares e actual governador da província de Malanje, não quererá vir a Portugal. Se isso se confirmar, os investigadores avançam com um mandado de captura internacional.