Benguela - A prisão do ‘Sr. Urbanismo’. Crimes de peculato, traduzidos em sobrefacturações do preço de determinados serviços, com danos para o Estado, terão sido cometidos pelo arquitecto, apontado como o rosto mais visível de uma rede que serviu interesses de figuras de peso no aparelho da governação.

Fonte: A CAPITAL


A detenção, na passada segunda-feira, 14, do antigo director provincial do Urbanismo e Habitação, Zacarias Kamwenho, pode não querer dizer tudo, mas representa, sem dúvida alguma, uma espécie de afronta ao governador de Benguela, Isaac Francisco Maria dos Anjos, que procura afastar para bem longe rumores que associam dirigentes ao negócio do lixo, contrariando o que considera ser um «entendimento nacional».

 

Em declarações ao jornal A Capital poucas horas após a confirmação da prisão preventiva, fontes da Polícia Económica, conhecedoras do processo-crime, confidenciaram que existem fortes suspeitas de que o arquitecto Kamwenho seja o principal responsável pelo esticar de preços por serviços prestados na recolha e tratamento de resíduos sólidos. «Estamos diante de contratos que indiciam sobrefacturaçoes, com incalculáveis prejuízos para os cofres do Estado», reforçou um oficial superior, o mesmo que descreveu alguns dos momentos que antecederam a prisão.

 

Sem ter destapado o véu que encobre o nome das empresas envolvidas na negociata, até porque se encontrava ainda em fase de averiguações, assinalou que este «mais do que provável» aumento fraudulento do preço do serviço conforma, no fundo, um crime organizado. «Pode ser que outras figuras, incluindo membros do Governo, venham a ser chamadas à pedra. Tratou-se de um esquema bem montado, na medida em que existem outros beneficiários», sustenta a fonte, que vê no acréscimo da dívida pública, desnecessário, uma outra consequência desta situação.

 

Desvendados alguns dos pontos fulcrais do processo-crime, já na PGR, que terá ouvido o suspeito 24 depois, terça-feira, 15, importa fazer recurso a trechos do pronunciamento de Isaac dos Anjos sobre as insuficiências que encontrou no programa de recolha e tratamento de lixo. Uma delas, referente à duplicação de valores, coincide, como se pode observar, com o crime que terá sido cometido pelo arquitecto Zacarias Kamwenho, que também já foi director das Obras Públicas.

 

Aborrecido com um cenário que caminhava para a insustentabilidade, daí o concurso público que alterou o anterior figurino, Dos Anjos dizia não perceber como uma certa empresa levava qualquer coisa como USD 40 milhões, ao invés dos 20 milhões correspondentes ao serviço que prestou.

 

Em relação a este caso concreto, a fonte policial afirma que a investigação notou a existência de serviços calculados por técnicos do Urbanismo em USD 100 mil, mas que acabaram por chegar a 300 mil. «São realidades como estas, às quais estão associadas várias pessoas, que compõem a acusação», referiu, salientando que Zacarias Kamwenho disse a agentes deste órgão da PN que já sabia que seria preso naquela segunda-feira.

 

Foi levado de uma unidade hotelaria para as instalações da Polícia Económica, onde deixou a sua viatura. «Era, naturalmente, um homem muito desolado quando se dirigia ao patrulheiro que o deixou na penitenciária do Cavaco. Estivemos perante um cenário muito triste, na medida em que se trata de alguém que já foi referência no Governo», frisou.

 O destino dos exonerados

 É estranho, talvez nem tento, que as figuras a contas com a justiça por suspeitas de crime de peculato tenham sido detidas só depois da exoneração. Esta observação, caucionada pela fonte que temos vindo a citar, serve para mostrar que muitos terão prestado depoimentos mesmo no exercício de determinadas funções, mas a «viagem» à cadeia só foi consumada após a destituição do cargo.

 

A observação, na perspectiva do nosso interlocutor, visa, na verdade, mostrar que os elementos envolvidos nesta teia da sobrefacturação não serão tocados enquanto estiverem a dirigir organismos do Governo.

 

Aqui chegado, convidou o A Capital a olhar para os casos de Manuel Francisco, ex-administrador de Benguela, ligado à polémica do «jardim milionário», e de António Bento, antigo director provincial da Saúde.

 

Outros servidores públicos, entre chefes de secções e de departamentos, foram presos após a destituição dos respectivos postos. David Naenda, 1º secretário provincial da JMPLA, e Abel Ferreira, ex-chefe de Secção da Educação no município da Ganda, são alguns dos exemplos.

Outro aspecto que salta à vista é que todos eles continuam à espera de julgamento, presumindo-se que o mesmo venha a acontecer com Zacarias Kamwenho.

 

Um jurista consultado por este semanário afirmou que o antigo director do Urbanismo e Habitação terá, se quiser evitar os 135 dias de prisão preventiva, de ressarcir o Estado com a diferença supostamente desviada. «Desta forma, poderá ver atenuada a pena quando for a julgamento», sustentou.

  

USD 120 milhões? Não é para tanto… 

 

É certo que, ao contrário de outros casos, este processo-crime não agitou a opinião pública, já que quase desconhecido, mas não se deve perder de vista que o arquitecto Zacarias Kamwenho esteve na boca de «meio mundo» devido a uma denúncia da empresa Sonauto, que o acusava de ter urdido o seu afastamento de uma zona onde operava (recolha de lixo).

Citando fontes familiares ao dossiê, alguma imprensa chegou a falar num suposto desvio de 120 milhões de dólares norte-americanos. Com a Polícia ainda empenhada na quantificação do que diz representar prejuízos para o Estado, não foi possível apurar os valores, mas o oficial superior disse não acreditar no montante acima referenciado.

 

Longe de pretender funcionar como advogado de quem quer que seja, ressaltou que «o melhor é esperar pela conclusão do trabalho». Importa salientar que já antes, pouco depois da publicação da matéria, há cerca de dois anos, este montante suscitava algumas interrogações, na medida em que superava, inclusive, todo o orçamento da província (60 milhões de dólares).

Até aqui, sabendo-se que os valores supostamente desviados deverão ser conhecidos nos próximos dias, parece estar sobre a mesa o essencial do processo que trama o arquitecto Kamwenho, tido como um grande conhecedor de questões ligadas ao urbanismo.

 

Leva mais de vinte anos nesta área, contando com o período em que esteve na Administração Municipal de Benguela, antes do salto para as Obras Públicas e Urbanismo. Deu o rosto pelo programa habitacional, ao abrigo do qual a província deveria ter recebido mais de 130 mil fogos, com apelos centrados no investimento de promotores imobiliários nas reservas fundiárias. 

*Marcos António