Luanda - Sem dados sobre as creches e jardins-de-infância que funcionam na capital, as autoridades parecem incapazes de controlar um negócio que prolifera a preços proibitivos e à margem de regras básicas de segurança. Para desprotecção das crianças, conforme constatou a reportagem do Agora.

Fonte: Agora
Surgem em terraços, quintais e até mesmo em varandas acanhadas. Algumas não têm água potável, materiais pedagógicos e nem sequer pessoal qualificado. Mas, apesar das múltiplas e alarmantes insuficiências, cobram mensalidades muitas vezes superiores às propinas das universidades privadas.

O retrato reproduz a realidade de instituições de apoio à infância inspeccionadas pelo Agora, numa reportagem que percorreu por infantários localizados em Viana, Kilamba Kiaxi, no município de Belas, na Maianga, Ingombota e Cacuaco.

RADIOGRAFIA DO MERCADO ESTÁ EM CURSO E ANTECIPA ENCERRAMENTOS

Com preços mensais que oscilam entre os 25 e os 35 mil Kz, no caso das creches, e que variam dos 45 aos 95 mil Kz, para os jardins-de-infância, a província de Luanda assiste ao crescimento descontrolado destas estruturas do subsistema de educação do ciclo pré-escolar.

Conforme reconheceu uma fonte do Ministério da Educação ao Agora, o número de creches e jardins-de-infância ainda é desconhecido, "atendendo à sua proliferação em diversos cantos da capital".

No entanto, a mesma fonte garante que está em curso uma radiografia ao sector, através da qual deverá separar-se o trigo do joio, reconhecendo-se a actividade dos espaços condignos e encerrando-se todos aqueles que não oferecerem condições para a prestação de cuidados à infância.

Enquanto não se clarificam as regras do sector, e se avança para uma fiscalização apertada, é a desorganização que mais ordena, colocando em risco a segurança das crianças.

MÃE ACUSA INFANTÁRIO DE DROGAR O FILHO DE DOIS ANOS

Albertina Domingos, por exemplo, inscreveu o filho, de dois anos, num infantário de Cacuaco e não precisou de esperar mais de um mês para registar os primeiros sinais de apreensão.

"Notei que já não comia como antes, não brincava, nem reagia. A situação repetiu-se por várias semanas, até que me apercebi, através de uma análise médica, de que o meu filho era drogado para dormir, por ser o mais irrequieto do berçário".

Na posse deste diagnóstico, Albertina questionou a direcção do infantário sobre a alimentação do filho e as condições climáticas do berçário, antes de fazer uma participação à Policia Nacional. Segundo esta mãe, os responsáveis do espaço garantiram que iriam averiguar os resultados das análises, a fim de se pronunciarem sobre o caso, ainda em aberto. Mas, seja qual for o desfecho, Albertina sublinha que teme pela segurança do seu bebé, que preferiu entregar aos cuidados de uma sobrinha.

PEDAGOGA CHAMA A ATENÇÃO

A prudência justifica-se, a avaliar pela sucessão de reclamações recolhidas pelo nosso jornal. "É uma realidade a que se assiste em todos os cantos da cidade.

Existem infantários nos terraços, em quintais restritos e inclusive em varandas de residências, mas que não possuem água potável, nem meios audiovisuais para o ensino do português", protesta Helena Tavares, pedagoga e mãe de três filhos.

Para esta especialista, "muitos infantários estão a surgir na ilegalidade, dada a crescente procura de espaços por parte dos pais", desesperados em encontrar um sítio para deixar os filhos enquanto trabalham.

De acordo com Eugénia da Silva Canhango, responsável por um infantário luandense, o aumento destas instituições na capital deve-se ao crescimento habitacional da província, através da criação de condomínios, zonas de habitação social e centralidades. "Aquelas famílias que viviam no centro da cidade e tinham os infantários perto dos seus locais de trabalho hoje procuram os mais próximos de casa", defende.

Já Helena Tavares chama a atenção para a falta de alternativas e para a insuficiência de competências pedagógicas das educadoras afectas à educação pré-escolar. "Ainda por cima, os preços exigidos chegam a ser superiores aos das universidades públicas e privadas, quando, na realidade, não há ensino pré-escolar nenhum, porque as crianças passam o dia a dormir", indigna-se a pedagoga.

No entender da psicóloga Alexandrina Dinis, a situação atinge proporções mais inquietantes, atendendo ao "papel complementar que as instituições infantis devem desempenhar no crescimento das crianças, tanto no aspecto psicomotor, como no intelectual".

Alexandrina reconhece, contudo, que "muitas possuem meios e materiais eficientes que ajudam na aquisição e assimilação de noções básicas sobre a ética e a moral para as crianças". O problema, considera a especialista, é que "os preços praticados são uma extorsão".

A também docente do ensino secundário e mãe de dois filhos recomenda que as educadoras sejam mais pacientes, acolhedoras e eficazes nas suas práticas educativas, a fim de identificarem cada comportamento estranho que as crianças venham a desenvolver, dada a vivência distante dos seus progenitores.

A psicóloga lembra que os menores "chegam adormecidos e são levados para casa nas mesmas condições, já depois das 18 horas, situação que provoca, em alguns momentos, reacções comportamentais negativas".

O tacto para lidar com estas situações fica, no entanto, muitas vezes comprometido, devido à falta de preparação do pessoal.

EXPERIÊNCIA DE CAMPO SOBREPÕE-SE A CURRÍCULO ACADÉMICO

"Já cheguei a bater numa criança, por parecer-me rebelde. Senti- me arrependida posteriormente, e aquela situação fez-me acreditar na necessidade de as educadoras infantis estudarem mais para compreender o mundo infantil", admite Silvana Mateus, que precisou apenas do 8.º ano de escolaridade para se iniciar como educadora.

Agora, cinco anos depois, a jovem de 25 anos garante que aprendeu, na prática, o que lhe falta em teoria. "Hoje sinto-me uma mãe verdadeira, dado o carinho que recebo e dou às crianças do meu infantário". A experiência de campo também moldou o percurso de Ester Nachanga, de 46 anos.

Dona de um infantário, conta que assumiu o papel de educadora de infância antes de investir no negócio. "Há seis anos, criei o meu infantário, mesmo sem nunca ter passado por escola alguma, e cuidava das crianças melhor do que as educadoras profissionais que tinham frequentado o magistério primário", defende a empresária, destacando a importância das bases familiares.

"Tive êxito porque já era mãe de seis filhos e tinha vivido o suficiente para compreender o que é cuidar de uma criança. Mas vi o meu negócio esmorecer por falta de segurança e vigilantes", reconhece, apelando a uma maior organização do sector.