Lisboa - O ex-primeiro-ministro angolano Lopo do Nascimento recordou hoje em Lisboa o colonialismo do Estado Novo e, dirigindo-se ao “Portugal democrático”, disse que fala português mas que não é lusófono.

Fonte: Lusa

“Gostava de deixar uma palavra ao Portugal democrático. Sou um angolano negro e o português é a minha língua, mas não sou lusófono. O Estado Novo fez de nós lusos. O Portugal Democrático não deve ir por esse caminho”, disse o dirigente histórico do MPLA na conferência “Ditadura Portuguesa – porque durou, porque acabou”, que decorre até quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Lopo do Nascimento, durante o painel em que participaram o ex-chefe de Estado moçambicano Joaquim Chissano e o antigo ministro da Educação de Cabo Verde Corsino Tolentino, denunciou o colonialismo e a segregação durante o Estado Novo, mas referiu como fator determinante para Angola a conferência que o MPLA realizou em setembro de 1974, em que o partido decidiu manter a língua portuguesa como fator de unidade e respeitar a população branca, “partindo do princípio de que angolanos são todos os que nasceram em Angola”.

Lopo do Nascimento referiu-se também aos séculos de escravatura vividos em território angolano e que o Estado Novo fez perdurar com a publicação das leis das terras e do trabalho escravo.

“Quanto mais o Estado Novo criava leis discriminatórias, mais crescia o descontentamento”, disse Lopo do Nascimento, que evocou os tempos da juventude no “bairro indígena” em Luanda para se referir aos primeiros momentos de indignação face à discriminação racial.

“O chefe de posto foi verificar se a minha família comia de garfo e faca e se dormia numa cama ou no chão. A discriminação levou-me para a luta contra o colonialismo”, disse Lopo de Nascimento, preso pela primeira vez aos 19 anos pela PIDE, por atividades políticas.

Mais tarde, residente no Kuanza Norte, foi detido durante o estabelecimento de uma estrutura interna do MPLA que dirigia a luta de independência no exílio e condenado a seis anos de cadeia.

“A minha experiência diz: quem me dera ter ido para o Tarrafal (campo de concentração em Cabo Verde) porque eu estive numa cela de dois metros por dois metros e meio durante seis anos. As pessoas perguntam se eu podia dormir. Eu não fiz mais nada durante seis anos”, recordou Lopo do Nascimento.

Para Corsino Tolentino, académico, ex-secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Educação do governo de Cabo Verde e administrador da Fundação Amílcar Cabral, a ditadura portuguesa durou tanto (48 anos) porque a maioria do povo português acreditou em mitos.

“A PIDE, a censura e a propaganda existiam para o proteger (o povo) do inimigo e quem não fosse por Salazar era contra a nação”, sublinhou o antigo diplomata de Cabo Verde.

“A falta de pão e educação, assim como a falta de paz e de liberdade, estava escrita no destino do povo e uns colonizavam e outros eram colonizados”, afirmou ainda Corsino Tolentino referindo-se a uma intensa “rede de interesses e de violência” que perdurou durante a ditadura.

“A ditadura acabou quando o sonho e a arte de resistir conseguiram a mudança. Resultou dos sacrifícios dos povos unidos. Acabou quando os capitães de abril conquistaram as pessoas e criaram a torrente. A descolonização foi o eco da democracia”, disse ainda o académico cabo-verdiano.

Quarenta anos após o 25 de Abril e referindo-se aos “três D” da revolução, Corsino Tolentino disse que “valeu a pena” mas está preocupado com o Desenvolvimento e com a Democracia e criticou os “golpe de Estado, a incompetência, a fome, o desemprego e o desânimo”, em muitos países que conquistaram a independência.

“É preciso mais estado democrático e mais sociedade civil. Mas sem a coragem da universidade e da imprensa nada pode acontecer”, disse referindo-se ao futuro.