Luanda - Integra do discurso de abertura da Conferência sobre contributos históricos para a paz e a estabilidade na África Austral, proferido pelo Presidente da UNITA, isaías Samakuva.

Fonte: UNITA

Minhas senhoras e meus senhores:

É com muito prazer que em nome da UNITA e em meu nome pessoal saúdo todos os que quiseram honrar-nos com a sua presença.

Sejam todos bem vindos a esta Conferência Sobre CONTRIBUTOS HISTÓRICOS PARA A PAZ E A ESTABILIDADE NA ÁFRICA AUSTRAL.

Quais são os objectivos deste ciclo de Conferências? Porque é que o organizamos agora?

Pesquisadores, académicos e especialmente jovens licenciandos ou mestrandos procuram a UNITA, frequentemente, na busca de documentos e outros testemunhos sobre a História recente de Angola. Este ciclo de conferências que realizaremos em saudação ao mês de Maio visa fornecer alguns destes testemunhos tão procurados.

Hoje, verificamos que os alicerces construídos em Bicesse estão a ser subvertidos. A paz conquistada em Bicesse está a ser transformada em paz de vencedores e paz de vencidos.

Verificamos também que estão a ser introduzidos mitos na História política e militar de Angola com o único objectivo de forjar uma sustentação filosófica- conceptual para se restaurar em Angola um regime monolítico.

Nós também fizemos a história deste país. Combatemos ideias políticas e modelos de desenvolvimento social. Transportamos este combate de ideias para o campo militar. Arquictetamos, organizamos e travamos no terreno, na nossa terra batalhas militares. Somos testemunhas viva da história recente de Angola.

A UNITA tem responsabilidades históricas para com todos os povos de Angola e não pode permitir que se defraude a HISTÓRIA. Vamos apresentar aos angolanos os factos por nós vividos, tal como foram vividos. Hoje faremos a primeira conferência e outras seguir-se-ão em Maio, neste mesmo local.

 

O primeiro grande objectivo desta Conferência, portanto, é fornecer à sociedade o contributo da UNITA para a verdadeira história de Angola, porque achamos que os factos constituintes da história de Angola estão a ser deturpados para servir interesses políticos. E a UNITA, na sua qualidade de um dos artífices da história recente de Angola, pretende apresentar tais factos com objectividade e lisura, tais como ela os viveu.

O segundo grande objectivo destas conferências é constituir um fórum de reflexão sobre os melhores caminhos a trilhar para se completar o processo inacabado de construção do edifício da paz.

De facto, apesar de se terem passado quase 40 anos desde que a soberania portuguesa foi substuida pela soberania angolana, em 1975, persiste o conflito entre os povos de Angola.

A proclamação de um Estado unitário em Angola e a celebração de vários Acordos de Paz não foram suficientes para transformar vários povos e várias culturas numa só Nação, nem para efectivar uma verdadeira reconciliação nacional.

O curso que o país está a tomar periga tanto a identidade de Angola como o futuro das gerações vindouras. Realizamos hoje esta Conferência para fornecer à sociedade um contributo para se inverter o quadro actual de criação de mitos que deturpam a história de Angola, em particular a história sobre a construção da paz e da estabilidade na África Austral.

Minhas senhoras e meus senhores:

Em primeiro lugar, importa recordar que a primeira grande conferência sobre Angola e a África Austral foi a Conferência de Berlim, realizada por europeus entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, e que produziu as fronteiras actuais de Angola.

Como resultado desta conferência, a Grã-Bretanha passou a administrar toda a África Austral, com excepção das colónias portuguesas de Angola e Moçambique e o Sudoeste Africano, toda a África Oriental, com excepção do Tanganica e partilhou a costa ocidental e o norte com a França, a Espanha e Portugal.

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A segunda grande Conferência que tocou a história da paz em Angola, foi a Conferência de Yalta – uma cidade da Crimeia, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, realizada em Fevereiro de 1945.

Nessa Conferência, os três grandes, Roosevelt, Churchill e Stalin, dividiram o mundo em zonas de influência, e colocaram o continente africano na zona de influência ocidental, liderada pelos Estados Unidos. A Europa do Leste ficou sob a influência soviética.

Do ponto de vista geo-estratégico, os russos sempre pretenderam controlar o Atlântico Sul e o Índico para contrapor o controlo que os americanos exerciam sobre o Atlântico Norte e o Pacífico, porque perante uma nova guerra, o bloqueio do Atlântico Sul e do Índico pelos russos, impediria os americanos de receber o petróleo dos países do Golfo pérsico. Naquele contexto, se a Rússia controlasse a África, teria mais influência sobre a Europa, e, assim, poderia negociar com os americanos os termos de uma nova divisão do mundo.

Do ponto de vista económico, a região da África mais importante para os objectivos geo-políticos da União Soviética era a África Austral. E porquê?

Porque ela possui reservas abundantes de minerais estratégicos vitais. De acordo com a Enciclopédia Britânica, por volta da década de 70, em relação à produção mundial, a África austral produzia 75% da produção mundial de diamantes, 70% da produção mundial de cobalto, 70% da produção mundial de vanádio, 50% da produção mundial de platina, 30% da produção mundial de cobre e 20% da produção mundial de urânio. Todos eles importantes para sustentar a indústria bélica. A África do Sul sozinha era o terceiro maior produtor mundial desses minerais estratégicos, atrás dos EUA e da URSS.

Foi neste quadro geo-político que, com os portugueses acossados pela guerra movida pelos Movimentos de libertação (FNLA, MPLA e UNITA) e intensamente pressionados pelas Nações Unidas, surgiu a Revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974, que impulsionou o processo de descolonização de Angola.

 

O MPLA queria evitar que o poder em Angola viesse a ficar com um dos outros movimentos de libertação angolanos, após a independência. Os soviéticos e os cubanos apoiavam esta ideia dos seus aliados. Assim, em Janeiro de 1975, os cubanos começaram a entrar em Angola com o propósito de combater os angolanos por conta do MPLA, seu aliado. Cuba não podia por si só intervir num país que fica a mais 12,000 Km de distância. Só o podia fazer por conta e ordem de um país mais forte, no caso, a União Soviética. E nisso contaram com a cumplicidade do Partido Comunista Português que controlava os principais actores do Movimento das Forças Armadas, os militares que fizeram a revolução de Abril e arquitectaram o processo de descolonização de Angola.

Quando, já em meados de 1975, os americanos se aperceberam que os soviéticos estavam a intervir em Angola através de forças expedicionárias cubanas, então, nessa altura, e só nessa altura, decidiram influenciar os sul-africanos para intervir em Angola por conta do bloco ocidental. Em fins de 1975, Angola tinha no seu solo tropas cubanas, soviéticas e sul-africanas.

Em Janeiro de 1976, a Organização da Unidade Africana organizou a sua primeira Conferência sobre Angola. Aconteceu em Addis-Abeba, com a participação de 44 países. Como os movimentos de libertação angolanos haviam proclamado duas Repúblicas de Angola, uma em Luanda e outra no Huambo, a Conferência queria reconhecer uma delas. Mas não conseguiu, porque 22 países votaram pelo MPLA e 22 países votaram pela FNLA e pela UNITA. Portanto, houve um empate. Isto aconteceu no dia 22 de Janeiro de 1976.

A Conferência aprovou uma Resolução que pedia a retirada imediata e total de todas as forças estrangeiras de Angola, quer dizer, as forças cubanas e as forças sul-africanas. Em face dessa posição da OUA e da emenda Clarck nos Estados Unidos, os sul-africanos completaram a sua saída de Angola em três dias, de 22 a 24 de Janeiro de 1976.

Os cubanos, porém, não saíram. Não só não saíram como aumentaram a sua força que chegou a atingir os 60,000 homens segundo alguns autores e historiadores.

 

Em 1978, as Nações Unidas aprovaram uma Resolução que pedia que a África do Sul organizasse eleições livres conducentes à independência da Namíbia que havia sido colocada sob sua administração. Foi criado, para o efeito um ‘grupo de contacto’ formado pelos países com interesses na Namíbia, nomeadamente os Estados Unidos, a Alemanha Federal, a Inglaterra, o Canadá e a França.

Os países da África Austral, por sua vez, organizaram-se, em contrapeso africano ao grupo de contacto, nos chamados ‘países da linha frente e que era constituído pela Tanzánia, Angola, Moçambique, Zâmbia, Zimbabwe e Botswana.

A UNITA, movimento nacionalista angolano, fundado em 1966 para a luta de libertação nacional, para a promoção da paz, da justiça social, da unidade nacional e para a construção de uma Nação verdadeiramente independente, próspera e Democrática, não se conformou com a substituição da ditadura portuguesa em Angola por outra dirigida por angolanos e protegida pelos russo e cubanos.

No período de 1976 a 1991 a UNITA organizou o povo, forjou alianças e empreendeu uma vigorosa resistência popular generalizada, durante a qual a UNITA descobriu as mais eloquentes capacidades de organização, mobilização e inovação dos angolanos. E tudo isso, através do seu braço armado: as Forças Armadas de Libertação de Angola.

Como colorário da acção das FALA, a UNITA foi possível a celebração dos Acordos de Nova York, em 1988, entre os Governos de Angola, Cuba e África do Sul e, um ano depois, as partes angolanas nesse longo conflito internacional sentaram-se à mesa, em Évora, Portugal, para o início de negociações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Paz Para Angola, no dia 31 de Maio de 1991, em Bicesse, Portugal.

Minhas senhoras e meus senhores;

 

Fizemos esta breve revisão da história para recordar que os Acordos de Paz Para Angola, como vimos, foram os primeiros acordos sobre Angola, celebrados por angolanos no período de 106 anos, de 1885 a 1991.

Os Acordos de Bicesse são os Acordos sobre Angola em que os subscritores preocuparam-se um de certa forma com a pessoa humana, com o angolano, sua cidadania, sua prosperidade e dignidade.

Os Acordos de Bicesse são os Acordos muito importantes para Angola porque visaram criar os alicerces da construção da Nação angolana. Os Acordos de Bicesse criaram o arcabouço para os angolanos construírem a sua paz política e social. Através deles:

ß Instituímos os alicerces da paz militar, com a fusão dois exércitos – as FALA e as FAPLA e a consequente criação das Forças Armadas Angolanas – FAA;

ß Instituímos os fundamentos da paz política, com a extinção do regime de partido único e a instauração do multipartidarismo;

ßInstituímos o arcabouço de uma nova ordem jurídico-constitucional, através da aprovação de uma nova Constituição com um novo paradigma, o constitucionalismo democrático;

ßInstituímos os fundamentos para uma nova ordem económica, com a consagração de uma economia livre, baseada no mercado.

Tudo aquilo que foi negado aos angolanos em 1975 e que trouxe a guerra, foi devolvido aos angolanos – pelo menos no plano formal – em 1991.

Os principais valores pelos quais a UNITA se bateu para o benefício de todos os angolanos - Paz, Multipartidarismo, Liberdade Económica e Democracia – foram conquistados em 1991, através da assinatura, em Bicesse, dos Acordos de Paz para Angola.

O Protocolo de Lusaka, assinado em 1994, pelos mesmos protagonistas dos Acordos de Bicesse e o Memorando do Luena, assinado em 2002, também pelos mesmos protagonistas dos Acordos de Bicesse, constituíram-se em anexos de valor inestimável dos Acordos de Paz. A assinatura do Memorando do Luena, por exemplo, ficou registada na memória colectiva como a ‘paz de Abril’.

Todavia, a paz de Abril, ao ser transformada na paz dos vencedores, está a obstruir os objectivos da reconciliação nacional, está a promover e acentuar as assimetrias regionais, atrofiar o desenvolvimento humano das maiorias e perigar a unidade nacional. Ou seja, a paz de Abril, está a ser utlizada pelos poderes constituídos para atentar contra a Paz democrática.

Os Acordos de Bicesse continuam a representar a essência, o arcabouço da construção do edifício da paz pelos angolanos. A paz não pode estar desligada da democracia, porque ela surge como consequência de um acordo para a mudança do regime político, de ditadura do proletariado para democracia multipartidária.

Os fundamentos da paz erigidos em Bicesse, em 1991, e reafirmados primeiro em Lusaka, em 1994, e mais tarde no Luena, em 2002, continuam por construir. De facto, assinamos a paz, mas ainda não praticamos a paz. Consagramos a paz no papel, mas não a implementamos na prática.

Os construtores dos alicerces constitucionais e militares da paz precisam de passar o testemunho e reconhecer humildemente que a obra de construção do edifício da paz, está incompleta.

Minhas senhoras e meus senhores:

Estamos nas vésperas de mais um dia 31 de Maio, a data da assinatura dos Acordos de paz Para Angola. A UNITA acha que o dia 31 de Maio deveria ser de celebrações no calendário político angolano.

A UNITA considera que celebrar os Acordos de Paz Para Angola constitui uma oportunidade singela para fazermos uma reflexão nacional sobre a nossa História, quer do movimento de libertação nacional, quer do processo de construção da Nação angolana. Este ano, vamos portanto celebrá-la com este ciclo de conferências. Esta é apenas a Primeira deste ciclo.

 

Os factos que serão mencionados aqui, estão factos corroborados por outros actores e historiadores, sejam eles cubanos, soviéticos, americanos, russos ou sul- africanos.

Minhas senhoras e meus senhores:

O terceiro e último objectivo desta conferência é a construção do nosso futuro. Se os conferencistas de Berlim foram motivados por interesses meramente

mercantilistas;

Se os conferencistas em Yalta, na Crimeia, foram motivados por interesses geo- políticos ou económicos;

Se os arquitectos dos Acordos de Nova York estavam interessados em ‘salvar a face’ e evitar mais custos militares desnecessários em face do desmoronamento da URSS;

Também os Acordos de Bicesse não criaram ainda a nova matriz de convivência social entre os angolanos nem a nova matriz económica para servir em primeiro lugar os interesses dos angolanos.

Cabe a nós, patriotas angolanos, e só a nós, iniciar de forma decisiva a construção do edifício da paz social através da definição da matriz social, política e económica para a construção da nação angolana. É o que advogamos como “Um Novo Contrato Social”.

Portanto, a série de Conferências que hoje se iniciam constituem também um Fórum de diálogo para projectarmos o futuro.

A paz que almejamos para a África Austral é a paz democrática. A paz que resulta da prática da boa governação e da justiça social. A paz com rosto humano, que tem no cidadão o centro da actividade governativa.

 

Como no passado, a UNITA continuará a ser um factor actuante para a construção da paz democrática, tanto na África Austral como na África Central.

Declaro aberta esta primeira Conferência em alusão a mais um aniversário da celebração dos Acordos de Paz Para Angola, firmados em 31 de Maio de 1991.

Muito obrigado.