Luanda - DESAFIOS DA PAZ: A GUERRA PÓS-COLONIAL ANGOLANA

 

1.         INTRODUÇÃO

Angola, situada na costa ocidental da África, tem uma posição geográfica privilegiada no continente Africano. Está na Rota do Cabo,  faz parte simultaneamente da África Austral, da África central, e do Golfo da Guiné, regiões com recursos minerais estratégicos. Estes factores viriam a colocar Angola no centro das disputas, no contexto da Guerra Fria.

O último quarto do Séc. XX (1975-2000) foi palco de grandes acontecimentos que resultaram em alterações geopolíticas profundas no mundo em geral e na África Austral em particular. Citamos algumas, que consideramos relevantes para este trabalho:

•          O fim do colonialismo português em África;

•          A guerra pós-colonial em Angola;

•          A guerra civil Moçambicana;

•                 A Independência do Zimbabwe;

•          A Perestroika, a desintegração da União Soviética e o fim da Guerra Fria;

•                 A independência da Namíbia;

•          O fim do apartheid na  República da África do Sul.

Neste trabalho, chamamos Pós-colonial à guerra que se seguiu aos Acordos de Alvor (1975) para nos afastarmos da expressão “guerra civil”, bastante redutora. Afinal, a guerra  em Angola conheceu os soviéticos (russos hoje) os cubanos, os americanos, os sul-africanos e vários outros, para além, obviamente, de nós os angolanos.

A Guerra Fria dominou o mundo desde o fim da II Guerra Mundial, em 1945. As duas potências emergentes desta guerra, os Estados Unidos da América (USA) e a ex-União Soviética (URSS) entraram na corrida ao armamento, à conquista dos mares, de zonas de influência e de exclusão em todos os continentes. A Guerra Fria estendeu-se ao espaço, com mísseis e satélites. As guerras da Coreia, a crise dos mísseis em Cuba, do Vietnam, do Afeganistão, da Nicarágua e a nossa de Angola, são algumas das muitas inscritas no contexto da Guerra Fria.

O fim do colonialismo português em Angola, foi a rara oportunidade para a ex-União Soviética (Rússia) se instalar na África Austral. Para o efeito, o aliado mais próximo de Angola, Cuba, foi convidado a cumprir “a missão internacionalista”.

A presença das forças cubanas em Angola, ainda na vigência dos Acordos de Alvor e do Governo de Transição, não tardou a ser denunciada, o que provocou a reacção dos Estados Unidos da América, que mobilizaram a África do Sul, potência regional e amiga,  a  intervir em Angola. Porém, o novo presidente americano Jim Carter (1976-1980), sob pressão dos “lobbies”, acabaria por retirar o apoio americano à intervenção Sul-africana em Angola. Em Fevereiro de 1976, quando da sua retirada estratégica para as matas, a UNITA combatia sozinha e em várias frentes, contra as forças internacionalistas cubanas, os russos e as FAPLA.

 

2.         A RESISTÊNCIA POPULAR GENERALIZADA

Esta foi a designação que a UNITA atribuiu à guerra pós-colonial, iniciada com o derrube do Governo de Transição, em Julho de 1975. Por Resistência Popular Generalizada, entenda-se:

1º: A organização do Povo e nele se apoiar para criar uma força armada capaz de enfrentar simultaneamente a invasão russo-cubana e a ditadura instalada em Luanda;

2º: A adopção   da estratégia da guerra prolongada como a única forma para a conversão das nossas fraquezas iniciais de 1975/76 em  força vitoriosa de 1990/91.

Entre as inúmeras conquistas resultantes da aplicação da Estratégia da Guerra Prolongada, podemos citar:

•          A libertação de vastas áreas de Angola e a criação de bases de apoio revolucionárias;

•          A criação das Forças Armadas semi-convencionais e convencionais, complementares às guerrilhas, capazes de libertar e preservar vastas áreas do País;

•          A criação de estruturas de apoio à Resistência Popular Generalizada, tais como:

um sistema de ensino a vários níveis, com capacidade de formação de quadros para as necessidades da Resistência Popular; um sistema avançado de saúde, com hospitais hierarquizados; a produção agrícola, o comércio e a exploração dos recursos naturais;

•          Finalmente, a contra-ofensiva.

Saliente-se que a Estratégia da Guerra Popular Prolongada é um legado de Maozedong ( Mao Tsé Tung).  A sua adopção pela UNITA resultou na sua  sobrevivência  e na conversão  das fraquezas de1975 para a força  capaz de lançar a contra-ofensiva generalizada.

Quando da assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse, estavam consolidadas como Bases Revolucionárias de Apoio:

•          A Base Central do Cuando-Cubango no Sudeste (1979);

•          A Frente “Estamos a Voltar” no Moxico (1982);

•          A Frente “ Frustração do Povo” nas províncias de Huambo e Kwanza-Sul (1982);

•          A Frente Leste, nas Lundas, (1983);

•          A Frente Norte, no Uíge e províncias adjacentes, incluindo Cabinda e Luanda, 1984;

A Jamba,  criada em 1979, era a capital provisória de Angola em Resistência Popular generalizada, em oposição a Luanda. Nesta condição a Jamba constituiu-se, de facto, na capital de um Estado dentro do Estado, com a capacidade de estabelecer relações oficiosas com o Mundo. E nesta qualidade, que a Jamba acolhe, em 1985 a Conferencia da Internacional Democrática, fórum que reuniu chefes de movimentos e organizações que no mundo se batiam contra o totalitarismo de inspiração soviética. Estiveram presentes na Conferencia representantes da UNITA, dos Mujahidines do Afeganistão, Vladmir Bukovsky, dissidente Soviético, os anti-castristas de Cuba e Adolfo Calero dos Anti-Sandinistas da Nicarágua.

Na procura de soluções para os complexos problemas da África Austral, passaram pela Jamba personalidades da política mundial, tais como: inúmeras personalidades africanas; Alexander Haigue, ex-secretário de estado americano; o Conde Alexandre de Marranche (francês); Peter Botha e Pic Botha sul-africano; Stanislav Svoboda, vice-ministro dos negócios estrangeiros da Checoslováquia, uma longa lista de senadores, congressistas e líderes do Black Caucus americanos; parlamentares e outras notabilidades dos vários cantos do mundo.

A capital provisória de Angola situava-se na primeira Base de apoio, denominada 66, que ia do Extremo Sudoeste (Bico-de-Angola) aos rios Cubango, Kwanza, kuitu, Kwanavale, Kembo e Kwandu. Abrangia a maior parte da província do Cuando-Cubango e parte da do Bié.

Para se conquistar e preservar um território assim tão vasto, a UNITA precisou de crescer em todos os aspectos. A transição da Guerra de guerrilhas dispersas para a guerra de Movimento (1979/1980) e desta para a convencional (1982) viria a produzir os frutos desejados. Com efeito, a UNITA iniciou em 1978 um vasto programa de recrutamento, treino intensivo e organização das unidades semi-regulares com as quais lançou a contra-ofensiva, já no quadro da Guerra de Movimento. A convergência de interesses entre a UNITA e a África do Sul, propiciou a cooperação no combate ao expansionismo sovieto-cubano em Angola e na África Austral. Os Estados Unidos, já sob a presidência de Ronald Reagan, apoiaram a UNITA entre 1980 e 1991.

A consolidação da Base de apoio do Sudeste implicava o desalojamento das forças adversas de posições residuais, como Mavinga, Cuito-Cuanavale, Longa, Dirico, Mawe, Mavengue, Cuangar, Rito, Vila Nova de Armada (Nancova) etc.

O Cuito-Cuanavale, era a posição militar mais avançada das FAPLA, apoiados pelos soviéticos e cubanos, a sudeste. Com um grande aeroporto militar, é desta localidade que foram lançadas as maiores ofensivas da Guerra contra a Jamba.

O Cuito-Cuanavale é apresentado hoje como local de uma batalha decisiva para as soluções da Independência da Namíbia e do fim do Apartheid na África do Sul. A UNITA tem diferente ponto de vista: o Cuito-Cuanavale apenas serviu de ponto de partida das ofensivas apontadas para a Jamba, via Mavinga, para aniquilar a UNITA.

Vale a pena ler Manuel Rojas García, Coronel da Força Aérea Cubana e ex-prisioneiro da UNITA, no seu livro “Prisioneiros da UNITA nas Terras do Fim do Mundo” 

 

3.         A Perestroika e o fim da União Soviética

Nos anos 80 do Séc. XX, Gorbatchev ascendeu ao poder na União Soviética. Entendidas as contradições do poder e do sistema, o novo presidente elaborou a teoria, escreveu e publicou o livro “A Perestroika” e enveredou pelas reformas que se revelaram suicidas a curto termo. Resultado: desmoronamento da superpotência, dando lugar a repúblicas independentes. O próprio Gorbatchev viu-se um dia sem o tapete, puxado por Boris Yeltsin, presidente da Rússia. Foi o fim da Guerra Fria. Gorbatchev abandonou o palácio presidencial (o famoso Kremlin), ainda presidente mas já sem república.

O desmoronamento da União Soviética pôs fim à Guerra Fria e abriu caminho ao fim da Guerra pós-colonial em Angola. Valera a pena a UNITA e os angolanos terem resistido à ocupação sovieto-cubana do País.

Grandes gestos da UNITA são dignos de menção, pois ajudaram a distender o clima e criar as condições para o diálogo multilateral:

o          1984: a libertação de 36 cidadãos checos;

o          1987: a libertação de 133 militares das FAPLA, num processo quadrangular de troca de prisioneiros, envolvendo a UNITA, O Governo da República Popular de Angola, a República da África do Sul e a França;

o          A entrega ao ANC, de dois militares seus, através da fronteira da Zâmbia;

o          1988: libertação de pilotos da força aérea cubana, capturados em combate.

 Enquanto na Europa caía o muro de Berlim, em consequência do desmoronamento do império soviético, em 1989, os angolanos representantes do MPLA e da UNITA em Gbadolite (República do Zaïre)  e, posteriormente, em Évora (Portugal) ensaiavam os primeiros passos para as negociações directas para a paz em Angola. Em 1991, os angolanos chegaram aos Acordos de Paz para Angola (Bicesse) em Portugal.

4.         A Independência da Namíbia

No processo conhecido por acordos quadripartidos sobre a África Austral, a ONU, através de várias resoluções e negociações quadripartidas, exigiu a retirada simétrica (linkage) das forças russas e cubanas de Angola e seu regresso aos países de origem (Cuba e Rússia) e das forças sul-africanas da Namíbia para a República da África do Sul. A ONU assumiu directamente a verificação da retirada das forças estrangeiras da região e assegurou a gestão transitória da Namíbia para a Independência, em 1990.

Sublinhe-se que os custos do repatriamento das unidades militares cubanas ao País de origem, Cuba, foram assumidos pela ONU.

Cabe aqui recordar que a SWAPO foi aliada da UNITA até 1976. Ela, a SWAPO, iniciou a sua luta armada com a instalação das bases de guerrilha nos territórios libertados da UNITA, nas províncias angolanas do Moxico e do Cuando-Cubango.

Em 1976, a SWAPO optou pela aliança com o Partido no poder em Luanda, para se aproximar da fronteira namibiana.

A UNITA saudou a independência da Namíbia, que beneficiou também da Resistência Popular Generalizada em Angola, na medida em que esta abreviou a presença sovieto-cubana na vizinha Angola. A UNITA acredita que a Resistência Popular Generalizada ao expansionismo sovieto-cubano em Angola, contribuiu decisivamente para o desgaste, e desmoronamento do império soviético.

 

5.         O fim do Apartheid              

O ANC é dos mais antigos movimentos de libertação da África a Sul do Equador, criado no início do século XX (1912) para libertar a República da África do Sul do injusto sistema de segregação racial. Os valores da luta do povo sul-africano, sob a liderança do ANC foram adoptados por vários movimentos de libertação noutros países. O hino Nkosisikelela África transpôs as fronteiras sul-africanas, para se tornar num dos símbolos do Pan-africanismo na África Austral. As melodias dos hinos nacionais da Zâmbia e do Malawi, são do Nkosisikelela África. A UNITA adoptou-a, igualmente, em 1966 para hino do Partido e por muitos anos.

A Heróica e longa luta de Resistência do povo sul-africano contra o apartheid, associada às grandes mutações geopolíticas do fim do Séc. XX, convergiram na vitória em 1994.

Se a Resistência Popular Generalizada não tivesse tido sucesso na defesa da Jamba a partir do Cuito-Cuanavale, o curso dos acontecimentos na região austral do continente teria sido totalmente diferente. Actualmente, a sub-região austral projecta o seu futuro com os grandes desafios da integração regional, para o bem-estar dos seus povos.

Termino com o seguinte apelo ao Executivo (Governo) do nosso querido País, Angola e, muito especialmente ao Presidente da República, Engº. José Eduardo dos Santos:

“O Cuito-Cuanavale, a Base Militar Avançada das ex-FAPLA e forças estrangeiras coligadas, de onde foram lançadas todas as ofensivas do Sudeste contra a UNITA e a Jamba, seja para sempre uma peça integrante e indissociável dos Acordos de Paz para Angola, firmados entre o Governo Angolano e a UNITA, acordos esses que constituem os alicerces e o cimento da democracia, do estado de direito, da unidade Nacional e da formação das Forças Armadas Angolanas (FAA) a partir das extintas FAPLA e FALA.

Em nome dos Acordos de Paz, não faz sentido a Guerra Pós-colonial angolana, ter heróis”.

 

Muito obrigado pela vossa atenção

 

Luanda, 23 de Abril de 2014