Luanda – As autoridades angolanas, através do Serviço de Migração e Estrangeiro (SME), expulsaram compulsivamente do território nacional – sem qualquer justificação plausível – a coordenadora do Programa de Apoio Actores Não Estatais (PAANE II), Tirzi Maria Concetta. A mesma abandonou Angola na primeira semana do mês de Junho do ano em curso, rumo ao seu país de origem.

Fonte: Club-k.net
Director do SME 1.jpg - 61.74 KBA cidadã de nacionalidade italiana (que encontrava legalmente em Angola a menos de dois meses) foi notificada pelo director do SME, José Paulino Cunha da Silva, no dia 30 de Maio do corrente, nos termos que se dispõe o artigo 27º da Lei n.º 2/07, de 31 de Agosto - Regime Jurídico de Estrangeiros na República de Angola, no prazo de oito dias.

Mas antes de abandonar solo angolano, a coordenadora do PAANE II, financiado pela União Europeia, viu o seu “Visto de Trabalho” n.º 000563012/SME/14, cedido a 28 de Março de 2014, com durabilidade de um ano, a ser cancelado.

Curiosamente, o artigo 27.º (que tem como epigrafo: Notificação de abandono) da Lei n.º 2/07, de 31 de Agosto, evocado pelo director do SME para a expulsão de Tirzi Concetta, não elucida claramente as razões que levaram às autoridades angolanas a tomarem esta medida drástica, uma vez que a mesma não se encontrava ilegalmente no país.

Este artigo – que se encontra na Secção II (Regime de Saída) da lei em causa – diz simplesmente que "o Serviço de Migração e Estrangeiros deve notificar o cidadão estrangeiro que se encontre em situação migratória irregular, a abandonar o território nacional num período não superior a oito dias".

No entanto, o Club-K sabe que durante a sua curta estadia em Angola, Tirzi Concetta manteve encontros (de trabalho) com os membros das organizações não governamentais, dentre as quais, do denominado “Movimento Revolucionário”.

Para elucidar melhor o caro leitor sobre a medida das autoridades angolanas, o Club-K atrás alguns artigos da Secção II (Regime de Saída) da Lei n.º 2/07, de 31 de Agosto - Regime Jurídico de Estrangeiros na República de Angola.
 
SECÇÃO II
Regime de Saída

ARTIGO 25.º
(Da saída do território nacional)
(...)
 
ARTIGO 26.º
(Modalidades de saída)

1. A saída do cidadão estrangeiro do território nacional pode ser voluntária ou compulsiva.

2. Considera-se saída voluntária àquela que o cidadão estrangeiro realiza por vontade e no interesse próprio e é compulsiva aquela que é feita de forma coactiva, no interesse da ordem interna e da segurança nacional.

3. A saída compulsiva pode ser:
a) por notificação para o abandono do território nacional;
b) por expulsão.

ARTIGO 27.º
(Notificação de abandono)

O Serviço de Migração e Estrangeiros deve notificar o cidadão estrangeiro que se encontre em situação migratória irregular, a abandonar o território nacional num período não superior a oito dias.

ARTIGO 28.º
(Causas de expulsão)

1. Sem prejuízo dos acordos ou convenções internacionais de que a República de Angola seja parte, pode ser expulso judicialmente do território nacional o cidadão estrangeiro que de entre outros:
a) tenha utilizado meios fraudulentos para entrar e permanecer em território nacional;
b) atente contra a segurança nacional ou a ordem interna;
c) viole os deveres estabelecidos na presente lei, nomeadamente no artigo 9.º;
d) desrespeite de modo grave ou reiterado as leis angolanas;
e) tenha sido condenado em pena de prisão maior.

2. O cidadão estrangeiro residente, bem como o titular de visto de trabalho em conflito laboral com a entidade empregadora ou que possua cônjuge angolano e filho dele dependente economicamente, só deve ser expulso por decisão judicial.

3. Pode ser expulso administrativamente do território nacional o cidadão estrangeiro que de entre outros:
a) tenha praticado actos que, se fossem conhecidos pelas autoridades angolanas, teriam obstado a sua entrada no País;
b) não exerça qualquer profissão, nem possua meios de subsistência no País;
c) seja titular do visto de trabalho e se vincule a qualquer outra empresa diferente da que o contratou sem prévia autorização da entidade competente;
d) tenha sido sancionado com multa e não tenha efectuado o seu pagamento dentro do prazo estabelecido;
e) tenha sido condenado em pena acessória de expulsão e reentrado irregularmente no País;
f) não cumpra a notificação de abandono voluntário do território nacional.

ARTIGO 29.º
(Da expulsão)

1. A expulsão é efectuada fazendo regressar o cidadão estrangeiro ao país de origem ou de residência habitual.
2. (...)
3. (...)
4. (...)
5. A expulsão do território nacional não prejudica a responsabilidade criminal em que o cidadão estrangeiro tenha incorrido.

ARTIGO 30.º
(Entidades competentes para decidir a expulsão)

1. São competentes para proferir decisões de expulsão com os fundamentos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 28.º as autoridades judiciais e o Serviço de Migração e Estrangeiros com os fundamentos previstos no n.º 3 do mesmo artigo.

2. O cidadão estrangeiro sujeito à medida de expulsão judicial fica detido no Centro de Detenção de Estrangeiros Ilegais até à sua saída do território nacional.

ARTIGO 31.º
(Processo de expulsão)

1. Sempre que tenha conhecimento de qualquer facto que possa constituir fundamento de expulsão, o serviço de Migração e Estrangeiros organiza um processo que contenha de forma resumida as provas necessárias à decisão de expulsão.

2. Do processo deve constar, igualmente o auto de notícia que contenha a descrição dos factos que fundamentam a expulsão.

3. Após a sua conclusão, o processo organizado nos termos deste artigo é remetido ao órgão judicial competente, no prazo de cinco dias para julgamento, salvo se se tratar de expulsão administrativa referida no artigo 28.º, que é decidida no prazo de oito dias.

4. Recebido o processo, o juiz deve marcar julgamento dentro das 48 horas seguintes, mandando, para esse efeito, notificar o cidadão estrangeiro e as testemunhas.

ARTIGO 32.º
(Da decisão de expulsão)

1. Da decisão de expulsão, devem constar:
a) os fundamentos da expulsão;
b) o prazo para a execução da decisão, não pode exceder os 15 dias para o cidadão estrangeiro residente e oito para o não residente;
c) o prazo não inferior a cinco anos, durante o qual é interdita a entrada em território angolano;
d) o país para onde o cidadão estrangeiro deve ser expulso.

2. A execução da decisão de expulsão implica o registo do expulsando na lista nacional de pessoas indesejáveis nos termos do artigo 15.º

ARTIGO 33.º
(Situação do estrangeiro sujeito à decisão de expulsão)

1. O cidadão estrangeiro contra quem tenha sido proferida decisão de expulsão é detido no Centro de Detenção de Estrangeiros Ilegais até à execução da decisão de expulsão nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 32.º.
2. A criação de Centros de Detenção de Estrangeiros Ilegais é da responsabilidade do Ministério do Interior e o seu funcionamento deve ser objecto de regulamentação própria a ser aprovada pelo Ministro do Interior.

ARTIGO 34.º
(Execução da sentença de expulsão)
1. (...)  
2. (...)

ARTIGO 35.º
(Comunicação da expulsão)

A ordem de expulsão deve ser comunicada às autoridades competentes do país para onde o cidadão estrangeiro vai ser expulso.

A expulsão da coordenadora do Programa de Apoio Actores Não Estatais do país terá caído mal a eurodeputada Ana Gomes que logo escreveu (no dia 4 de Julho de 2014) para Catherine Ashton, alta representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, e a Andris Piebalgs, Comissário para o Desenvolvimento, exortando-as a solicitarem junto a Delegação da União Europeia e das autoridades angolanas, uma justificação e sem qualquer interferência.

Segue na íntegra a carta de Ana Gomes
 
Catherine Ashton, Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança
Andris Piebalgs, Comissário para o Desenvolvimento

Bruxelas, 4 de Julho de 2014

Assunto: Expulsão de consultora Italiana de Angola

Cara Cathy, Caro Andris,

Chegou recentemente ao meu conhecimento que a Srª Tirzi Maria Concetta, coordenadora do programa PAANE (Programa de Apoio aos Actores Localidade: Não Estatais) financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento em Angola, teve seu visto de trabalho abruptamente revogado pelas autoridades angolanas, tendo subsequentemente sido forçada a abandonar o país.

O trabalho da Srª Concetta focava-se nas questões concernentes ao direito dos cidadãos à participação no processo de descentralização e nos direitos económicos, sociais e culturais. Desde a sua fase inicial, o PAANE sempre apoiou a liberdade de expressão, a capacitação de organizações da sociedade civil no manuseamento das novas tecnologias, redes sociais e blogs.

No início de 2014, a Srª Concetta teve diversos encontros com profissionais da comunicação, jovens estudantes e, entre eles, os que se denominam Central7311, que têm organizado algumas manifestações desde 2011.

A Srª Concetta também colaborou na organização de uma conferência na Universidade Católica de Luanda. A conferência teve como tema central a descentralização e as eleições autárquicas em Angola e incluiu diferentes partidos políticos, igrejas e organizações da sociedade civil como participantes.

No dia 23 de maio, a Srª Concetta foi informada, via SMS a partir do SME (Serviço de Migração e Fronteiras) angolano, que o seu visto de trabalho havia sido revogado e que ela teria que abandonar o país em 72 horas.

Depois de ter tentado, sem sucesso, entrar em contato com o SME para uma explicação, a Srª Concetta reuniu-se com as Sras. Filipa Côrte Real e Manuela Navarro, da Secção Económica, de Comércio e Apoio Institucional da Delegação da UE em Luanda, no dia 28 de maio.

Naquela reunião, a Srª Concetta foi informada que a Delegação da UE tinha conhecimento há já um mês de uma investigação em curso contra ela, levada à cabo pelas autoridades angolanas que poderiam ter como consequência a atribuição do título de persona non grata, mas optaram por não a informar nem a ela, nem a Embaixada Italiana ou o escritório encarregado de programas financiados pelo FED, de forma a evitar um conflito diplomático.

Mais tarde, a Srª Concetta foi notificada por carta da ordem de expulsão, sem qualquer justificação, e abandonou o país, tendo seu contrato sido rescindido, apesar de sua validade até Julho de 2015.

Estou extremamente preocupada com o alegado comportamento da Delegação da UE em Luanda neste caso, que, ao não agir em defesa da Srª Concetta perante as autoridades angolanas, ou sequer de informar da Sra. Concetta sobre a investigação realizada contra ela, não agiu no interesse e para a proteção de uma cidadã da UE que, além disso, estava empregada no país para implementar um programa financiado pela UE!

O fato de que o projecto em causa os direitos humanos e apoio à sociedade civil angolana, o que é nitidamente uma questão sensível para as autoridades angolanas, é um motivo ainda maior de preocupação e proteção especiais.

A Delegação da UE deveria ter, pelo menos, proporcionado à Srª Concetta uma oportunidade para pedir às autoridades angolanas uma explicação e defender o seu trabalho. Por isso, peço-lhe para fornecer uma explicação detalhada sobre o comportamento da Delegação da UE em Luanda neste caso.

Exorto-vos, além disso, a solicitar às autoridades angolanas que justifiquem a ordem de expulsão e que permitam que as pessoas que trabalham em direitos humanos no país realizem o seu trabalho sem interferência.

Com os melhores cumprimentos,

Ana Gomes
Membro do Parlamento Europeu

O que é o Programa de Apoio Actores Não Estatais II?

O PAANE II é fruto de todo um trabalho feito no âmbito do PAANE I, com todos os atores envolvidos no processo de reconstrução nacional e de luta contra a pobreza. O PAANE I, realizado em Agosto 2007 á Dezembro de 2010, conseguiu promover uma dinâmica positiva entre as organizações da sociedade civil angolana.

Por essa razão que, no quadro do Programa Indicativo Nacional (PIN) 2008-2013 do 10º FED, foi previsto a implementação duma segunda fase do Programa, PAANE II, que tem, como províncias principais de intervenção, as províncias de Uíge, Huila, Lunda Norte, Benguela e Bié.

A formulação do PAANE II foi realizada em colaboração com o programa de Agencia Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) com a qual foi assinado em 12 de Outubro de 2012, um acordo de transferência (Transfer Agreement) de valor 500.000 Euros, com objectivo de complementar o programa.

O PAANE II é realizado sobre a responsabilidade do Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial, através do Gabinete de Ordenador Nacional e sobe uma Assistência Técnica do consórcio liderado pela Soc. ICE em parceria com a STEM e ITALCONSULT essa por último com base em Angola.

O Objectivo Geral do PAANE II

Contribuir para a participação activa e para o reconhecimento dos actores não estatais na luta contra pobreza e na promoção da governação.

Os objectivos específicos:

Reforçar a capacidade de ANE angolanos (províncias de Uíge, Huila, Lunda Norte, Benguela e Bié) como actores activos no diálogo com as autoridades locais e nacionais;
Melhorar a articulação e ligação de redes dos ANE em Angola;
Capitalizar e apoiar circuitos de comunicação e de partilha de informação de resultados.
 
A estratégia de implementação do programa baseia-se numa serie de actividades logicamente interligados e sequenciadas que incluem estudos actividades de capacitação financiamento de actividades e visita de seguimentos.

Nome: Programa de Apoio Actores não Estatais (PAANE II)
Número do Projecto: Europeaid/131070/D/SER/AO
Data de Convenção de Financiamento: 11/ 03/2012
País: Angola
Data do Início Efectivo da AT: 20/02/2013
Duração Prevista de implementação: 26 meses
Custo total do programa (FED): 3.000.000 Euros
Contribuição Cooperação Espanhola: 500.000

 

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