Luanda - Os 27 arguidos são acusados de constituírem uma organização cuja actividade consistia em efectuar transferências ilícitas para o exterior do País de valores da Conta Única do Tesouro Nacional, mediante falsificação de ofícios, sinopses e protocolos introduzidos, irregularmente, no Gabinete do Governador do BNA. Este esquema assim montado resultou num rombo aos cofres do Estado angolano avaliado em mais de 100 milhões de dólares norte-americanos. Os mesmos encontravam-se em liberdade condicional sob termo de identidade e residência em função de pagamento de caução, mas recentemente o Tribunal Supremo emitiu um mandado de captura contra os acusados que já começaram a ser recolhidos novamente para a cadeia

Fonte: ACapital

Segundo o Acórdão do Tribunal Supremo, a que este jornal teve acesso, datado de 03 de Junho de 2014, assinado por Augusto Escrivão, quanto à situação carcerária dos réus, os crimes de quem vêm pronunciados não admitem liberdade provisória, conforme estabelece a línea a), do nÎ2 do artÎ. 10 da Lei nÎ 18-A/92 de 17 de Julho. Por isso, a 3„ Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo acordou em confirmar o despacho de pronúncia, devendo os autos continuarem a sua tramitação normal. Assim, e porque no crime em causa não se consente liberdade provisória, o tribunal orienta que devem ser executados os mandados de captura já emitidos.


Este jornal apurou que, passado um mês desde que foi publicado o Acórdão do Tribunal Supremo, os 27 acusados de uma das maiores fraudes ocorridas no Banco Nacional de Angola (BNA) continuam a gozar a liberdade. Pelo menos até ao fecho da presente edição, o mandado de captura ainda não tinha sido executado.


Nenhum dos visados foi recolhido à cadeia, sabendo-se, desde já, que muitos deles mudaram de residência, assim como de telefone, sendo esta, segundo justificação recolhida, a principal dificuldade para a localização dos réus que, entretanto, estão proibidos de ausentar-se do país.

Os factos constantes da pronúncia revelam que os acusados constituíram uma organização criminosa cuja actividade consistia em efectuar transferências ilícitas de valores da Conta Única do Tesouro Nacional para o exterior do país, mediante falsificação de ofícios, sinopses e protocolos introduzidos no Gabinete do Governador do BNA irregularmente, desta feita, prejudicando o Estado angolano, permitindo assim o enriquecimento ilícito dos mesmos.

Entretanto, consta dos autos a que este jornal teve acesso, que o grupo em causa começou a agir nos dias 10 e 16 de Novembro de 2009, facilitados por uma bem orquestrada acção com o Departamento de Gestão de Reservas (DGR) do BNA que executou 11 operações de pagamentos para o exterior do país, todas elas consideradas irregulares, através de transferências bancárias que o BNA teria ordenado ao Banco correspondente do BNA, no caso o Banco Espírito Santo de Londres.

Segundo o referido documento, o grupo era liderado por funcionários de base do BNA, entre os quais Francisco Gomes Mangumbala, 44 anos, arquivista do Departamento de Gestão de Reservas, Fernando Gomes Manuel, 49 anos, contínuo da Divisão de Reservas, Fernando António Lopes, 50 anos, recepcionista da Divisão de Pagamento e Controlo do Departamento de Gestão de Reservas, Elizeu Zua Vunge, 43 anos, Estafeta do Gabinete do Governador do BNA, Mateus Martins e Papusseco Sampaio Cambuta, 42 anos, Motorista/Estafeta do Ministério das Finanças.

O mais estranho é que aquela avultada soma sumiu dos cofres do BNA com uma facilidade espantosa. Conta-se, pois, que o co-réu Domingos Serafim, 41 anos, curiosamente efectivo da Polícia Nacional, recebeu dos seus comparsas várias coordenadas Bancárias de diferentes empresas, que passaram a utilizar para elaborar falsos instrutivos de pagamento.

Na posse das coordenadas bancárias, o co-réu Domingos Serafim serviu-se, segundo o tribunal supremo, de fotocópias de ofícios já utilizados pelo Ministério das Finanças, para operações autorizadas, na sua própria casa e no seu computador, coadjuvado pelo co-réu Luís José Fernando Bango procederem a elaboração de falsos instrutivos de pagamento, isto é, sinopses, protocolos e ofícios de pagamentos), datados de 5 de Novembro de 2009 tendo daí resultado 11 operações fraudulentas e ordenando a transferência de vários milhões de dólares para as contas das empresas, cujas contas lhes foram previamente entregues.

Para concluírem a falsificação dos instrutivos de pagamentos, o grupo contratou o cidadão José Augusto Manuel, vulgo Zé do Pau Grande, um exímio falsificador de assinaturas, que neste momento encontra-se em fuga. Ele pôs no termo dos ofícios, pelo seu próprio punho, o nome do então ministro das Finanças Eduardo Leopoldo Severim de Morais, como se da assinatura deste se tratasse. Pôs igualmente, o selo branco em uso no gabinete daquele, e no termo das sinopses, apôs pelo seu próprio punho, o nome do então director nacional do Tesouro, José Abalo Tanga, como se assinatura deste também se tratasse e os documentos foram aprovados sem qualquer suspeita.

Depois desta operação de falsificação, Domingos Serafim entregou os 11 ofícios, sinopses e protocolos, a Francisco Gomes Mangumbala, então arquivista do DGR, que tudo fez para escapar à confrontação da confirmação da autenticidade dos documentos no Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado e entregou-os a Elizeu Vunge, o estafeta do Gabinete do Governador do BNA, que por sua vez fez chegar ao referido gabinete, onde o Governador, Abraão dos Santos Gourgel, os assinou com as datas de 9 e 10 de Novembro de 2009, convicto de que eram verdadeiros, ordenando assim a execução dos pagamentos.

Como resultado daquelas 11 operações fraudulentas e distracção do sistema de segurança do BNA, levou ao prejuízo para conta do Tesouro Nacional, no valor de noventa e três milhões, novecentos e quarenta e seis mil, trezentos e nove dólares americanos. Em 11 de Novembro de 2009, os envolvidos esfregaram as mãos de contentes pelo sucesso do roubo e no dia 11 de Novembro o bando passou a distribuir os valores entre si.

O segundo golpe

Com o intuito de continuarem a fraude aos Cofres do Estado Angolano, o mesmo grupo entra novamente em cena, desta vez, Sérgio José Joaquim ou simplesmente Zé Black, de 37 anos, que contactou o seu cunhado, na altura, Mateus António Mussungo e Osvaldo Scuma, concertaram com os comparsas Eliseu Diogo Afonso, Mário de Jesus Matias, e Eduardo Lucamba dos Santos, no sentido de angariarem outras coordenadas bancárias de empresas sedeadas no exterior do país, para onde poderiam efectuar mais transferências da mesma natureza.

Desta forma, Márcio Matias e Eduardo Lucamba dos Santos forneceram a Zé Black, as coordenadas bancárias das empresas Gobain Comércio, Consultoria, Economia e Serviço Lda, e Companhia de Comparticipações e Managemment, Lda, ambas sedeadas em Portugal.

Na mesma perspectiva, no início de Setembro de 2009, Domingos Serafim recebeu de Francisco Gomes Mangumbala, de Francisco Nhaga de Carvalho e de Zé Black as coordenadas bancárias de outras empresas sedeadas no estrangeiro. Fernando Filipe Neto recebeu também outras coordenadas bancárias, tal como Laurinda António, a única mulher envolvida neste crime e Domingos Serafim.

Com tais coordenadas bancárias, os cidadãos Domingos Serafim, Luís José Fernando Bango e Fernando Filipe Neto, procederam a elaboração de outros instrutivos falsos de pagamentos, e ofícios para o mesmo fim, que constituíram o mesmo processo fraudulento, desta feita, prejudicando o Estado Angolano em um total de quarenta e dois milhões, setenta e dois mil e oitenta e dois dólares americanos.

Cada um dos citados teve a sua comparticipação na concretização das operações fraudulentas, e os valores defraudados foram entre eles distribuídos, tal como ficou previamente estabelecido, conforme descriminado e com os quais foram adquiridos bens de elevados valores.

Das diligências processuais efectuadas, foram apreendidos bens dos envolvidos. Destaca-se que na residência de Laurinda António, empresária, foi apreendida uma viatura de marca Hummer, que se encontrava avariada no seu quintal, e ainda uma arma de fogo do tipo AKM, com respectivo carregador pelo que a mesma também responde por posse ilegal de arma de fogo.

A descoberta da fraude

O crime foi descoberto no dia 20 de Novembro de 2009 pelo então ministro das Finanças, em exercício, Manuel da Cruz Neto, que sem usar qualquer detector de última geração, descortinou as irregularidade na execução das 11 operações de pagamento sobre o exterior por se ter verificado um saldo negativo na Conta Única do Tesouro (CUT). Este, imediatamente, comunicou o facto ao então Governador do BNA, Abraão dos Santos Gourgel.

Já no dia 21 de Novembro de 2009, o ministro em exercício das Finanças e o Governador do Banco Nacional de Angola participaram o facto às autoridades competentes do país, tendo-se solicitado, de imediato, ao Banco Espírito Santo de Londres, correspondente do BNA e aos Bancos beneficiários, o bloqueamento dos valores que ainda estivessem na posse dos mesmos e sujeitos à confirmação pelos beneficiários.

Para se apurar a origem dos instrutivos de pagamentos considerados irregulares, foram verificados os documentos no arquivo do Departamento de Gestão de Reservas do BNA, onde se confirmaram que os mesmos eram falsos e que não tinham saído do Ministério das Finanças.

Desencadeada as investigações dos factos veio a saber-se que os documentos falsos deram entrada no BNA entre os dias 5 a 10 de Novembro de 2009. Porém, para a prossecução dos seus fins, os envolvidos que actuavam em Angola, sempre numa acção consertada com os que actuavam no exterior, receberam as coordenadas bancárias de várias empresas de vários cidadãos e de vários bancos no exterior do país. Assim, enquanto os réus que actuavam no país, mais propriamente no BNA, no Ministério das Finanças e noutras instituições angolanas, falsificavam as assinaturas e os documentos, os que actuavam fora do país, faziam tudo para que os valores a serem transferidos chegassem com segurança aos seus destinatários.

Nesta altura aguarda-se então que os mandados de captura começam a ser cumpridos para que os acusados aguardem o julgamento na cadeia.

Os Procurados

Domingos Serafim, 44 anos de idade, subinspector da Polícia Nacional;

Francisco Gomes Magumbala, 47 anos,
arquivista do Departamento de Gestão de Reservas do BNA;

Lourenço Luís Manuel dos Santos, 52 anos, contabilista;

Manuel Augusto Martins, vulgo Safardão, 54 anos, superintendente-chefe da Polícia Nacional;

Tito Rangel, vulgo Man Toy, 58 anos;

Eliseu Zua Vunge, 46 anos, estafeta do Gabinete do Gorvernador do BNA;

Osvaldo Mártires Scuma, 44 anos;

Sérgio José Joaquim, vulgo Zé Black, 40 anos;

Fernando Filipe Neto, 59 anos, bancário-reformado;

Luís José Fernando Bango, 57 anos, advogado;

Papusseco Sampaio Cambuta, 45 anos, motorista/estafeta do Ministério das Finanças;

Eliseu Diogo da Costa Afonso, 35, contabilista e gestor;

Laurinda António, 49 anos, empresária;

Adelino de Jesus Ferreira Dias dos Santos, 49 anos, médico nuclear;

Augusto Luís Manuel dos Santos, 56 anos;

Abílio Carlos Cauaia, 46 anos;

Miguel Domingos Martins, 55 anos;

Márcio de Jesus Leitão Matias, 32 anos, gestor bancário e segurador;

Eduardo Lucamba Fernandes dos Santos, 32 anos, empresário;

Mateus António Sebastião Mussungo, 29 anos;

Mateus Martins, 46 anos, técnico do Swift do Departamento de Gestão de Reservas do BNA;

Moisés Mayer Afonso, 39 anos, topógrafo;

Fernando António Lopes, 53 anos, recepcionista da Divisão de Pagamento e Controlo do Departamento de Gestão de Reservas do BNA;

Fernando Gomes Manuel, 52 anos, contínuo da Divisão de Operações Internacional do Departamento de Gestão de Reservas do BNA;

Teodoro de Carvalho Miranda dos Santos, 36 anos, funcionário do Banco BIC;

José Tiago, vulgo Gato, 46 anos;

Lino Kuango Bande, 47 anos. *Mariano Brás