Luanda - CriminalidadeFalar da criminalidade de um ponto de vista mais jornalístico implica desde logo estabelecer o sempre recomendável distanciamento crítico em relação à realidade circundante tendo em conta todos os seus contornos e todos os protagonistas.

Fonte: Morrodamaianga

De outra forma o jornalismo desaparece, para dar lugar a outras intervenções mediáticas semelhantes, mais na área da propaganda e do marketing que, em abono da verdade, são aquelas que mais têm prevalecido até agora, a ter em conta o desempenho do principal destacamento da comunicação social angolana.

Defendemos que só com o referido distanciamento crítico, os jornalistas e os médias estarão em condições de contribuir com todo o seu potencial para que a parceria anti-criminalidade envolvendo as instituições oficiais e a sociedade civil seja dinâmica e tenha um desempenho com a melhor eficácia possível.

Em causa está a satisfação das expectativas de todos os cidadãos que legitimamente reclamam do Estado a protecção a que têm direito e que pelos vistos não lhes está a ser garantida a ter em conta todos os relatos a que vamos tendo acesso.

Se a intenção é efectivamente dar um combate sério e consequente à criminalidade nos limites de um Estado Democrático de Direito, é de sublinhar estes limites por razões que se percebem facilmente, adiantará muito pouco atrelar a comunicação social a qualquer estratégia mais institucional, transformando-a numa mera caixa de ressonância e sem a recomendável independência editorial.

Esta independência é estruturante, sendo um dos seus principais trunfos, já que sem esta componente a própria liberdade de imprensa que é por si só uma grande alavanca ao serviço do progresso, transforma-se num embrulho bonito, mas sem qualquer conteúdo  no seu interior, isto é sem grande utilidade.

A liberdade de imprensa antes de proteger os jornalistas, é um direito fundamental do tipo guarda-chuva, que a própria sociedade decidiu consagrar na Constituição, por ser uma das melhores e menos burocratizadas garantias encontradas no âmbito da gestão equilibrada e transparente de todos os poderes, onde o destaque vai certamente para o poder político.

Pela própria história recente da humanidade, está mais do que provado que uma imprensa livre faz muito melhor à saúde do desenvolvimento integral e harmónico de um país, do que uma imprensa amordaçada ou demasiado controlada.

Aqui gostamos sempre de citar o Presidente norte-americano, Thomas Jefferson, que foi o terceiro da história do EUA e o principal redactor da sua Declaração da Independência, que um dia disse que, citamos, “se pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último.”

Não acreditamos que Jefferson fizesse a mesma declaração se estivesse hoje no lugar de Barack Obama, mas continuamos a valorizar devidamente este seu pensamento.

A liberdade de imprensa que é de facto e de jure um dos melhores bens públicos que a sociedade tem ao seu dispôr e que em muito tem contribuído para a salvaguarda de todos os interesses que circulam dentro do mesmo país.

Estamos a falar, nomeadamente, da salvaguarda do interesse nacional que algumas vezes é posto em  choque com o interesse público, entendendo-se que só os governos, devido a sua legitimidade democrática, são os detentores exclusivos das chaves do primeiro cofre que também tem a designação de interesse da segurança nacional.

O ideal seria que todos os interesses em jogo tivessem o mesmo denominador comum, pois estamos todos a remar dentro do mesmo barco e já vimos, pelo desastre do Titanic, que por si só, nenhum navio por mais poderoso que seja, é capaz de enfrentar o mar quando o dito cujo fica “mau”.

Ao sublinhar os limites, quis destacar a necessidade de nos continuarmos a movimentar apenas dentro do espaço do próprio Estado Democrático de Direito, sem muitas excepções, onde as alegadas razões operacionais estão confrontadas com os tais limites, que nem sempre as autoridades policiais gostam muito de ouvir falar diante de algumas urgências e contingências.

Em nome dos direitos humanos é aqui onde se registam os maiores confrontos e atropelos entre os dois interesses, sendo certo que o reino do livre arbítrio e da discricionariedade só, aparentemente, nos dá a sensação de ser o caminho mais rápido.

Para além de todas as injustiças que podem e são cometidas, entre fatais e não fatais, a ausência do primado da lei, acaba por realimentar a própria criminalidade que se quer combater, devido ao surgimento de um sentimento generalizado de impunidade entre os agentes da ordem que é o terreno mais fértil para brotarem novos e mais violentos criminosos a curto prazo.

A tentação de transformar a imprensa numa caixa de ressonância seja de quem for, não será, certamente, a melhor opção para os jornalistas/médias ajudarem o país a solucionar ou a mitigar os seus graves problemas sociais e muito particularmente nesta fase crítica, onde a criminalidade entrou para agenda nacional com a dimensão que tem.

Quanto nós, esta tendência era absolutamente previsível que viesse a acontecer, diante da evolução de alguns indicadores sócio-económicos mais realistas, que acabam por ter leituras nem sempre convergentes em função de outros interesses situados na esfera do debate politico-partidário e da gestão do próprio poder.

Ps- Este texto teve por base uma recente comunicação feita por mim no âmbito de uma iniciativa da AJPD.

NA- Publicado no semanário “O PAÍS/Revista Vida/Secos e Molhados” (18-07-14)