Luanda - Em Julho de 2013, ele foi suspenso do cargo de Secretário-geral da JURA, a organização da juventude do principal partido da oposição, a UNITA, ao final de um conturbado e mal esclarecido processo em que era acusado sobretudo de corrupção activa, expressa na aceitação de um montante milionário de dólares das mãos do renomado «empresário da juventude», o «camarada» Beto Kangamba.

N. Talapaxi S.
Fonte: SA

mfuka muzemba.jpg - 33.90 KBDono de uma ascensão astronómica no meio político, iniciado nas fileiras activistas escolares, Mfuka Muzemba dividiu opiniões enquanto a corda esteve no seu pescoço. E continua a dividir. O seu partido foi atabalhoado no julgamento do caso. Deu azo a questionamentos que até hoje não encontraram respostas. Mas, o próprio envolvido, que não é nem santo nem «bad boy», tem a sua quota de responsabilidade por outras tantas dúvidas.

No entanto, ele prometeu, nessa conversa com o Semanário Angolense, que a seu tempo as coisas serão esclarecidas. Até lá, «se não lhe perguntarem, ele sabe; mas se lhe perguntarem, para explicar, ele já não sabe». Sigam então a entrevista com este jovem político, que continua a representar o seu partido na Assembleia Nacional. No entanto, por razões editoriais, ela será publicada em duas partes.

Semanário Angolense (SA) - Depois de um ano da suspensão na JURA, continua a negar as acusações de que foi alvo?
Mfuka Muzemba (MM) - Apesar de continuar a passar por situações políticas ainda difíceis, aprendi que, por maior que seja o desafio ou por mais difíceis que sejam as circunstâncias, vencer é sempre possível. Cresci bastante politicamente e tenho outras preocupações, outras ambições políticas. Já ultrapassei esta fase e estou a olhar para frente. E tenho estado numa posição de ouvir e apreciar mais e falar menos.

Isso é basicamente o resumo da sua reflexão durante este tempo?
Perfeitamente. Preferi não ficar muito fechado e não aceitar o debate que passa pela «fulanização ressentida» e de vitimização, porque me senti uma pessoa livre, sem compromissos e com a capacidade de fazer e falar tudo aquilo que estiver no quadro da política e participação na vida pública e da democracia.

Então acredita que foi vítima de um complot, de alguma «arquitectura» que o afastasse da direcção da JURA?
Eu sei que houve situações que foram criadas para nossa queda, para o nosso desacreditar diante da juventude. Mas eu sou alguém que ainda continua a inspirar a juventude através das minhas acções e das minhas palavras. Interajo muito com a juventude e não senti, de forma alguma, um efeito de desacreditar, como procuraram fazer sobre a minha pessoa.

Mas a questão prevalece: nega aquelas acusações que lhe afastaram da vida política activa?
Com certeza! São acusações que não têm fundamento nenhum. Houve pessoas interessadas em nos afundar politicamente. Uma pessoa que tem compromissos ou é corrupto, se assim podemos dizer, não tem capacidade livre para poder falar, criticar, sugerir e participar. Em nenhum momento, enquanto Secretário-Geral, furtei-me das minhas responsabilidades políticas ou partidárias, ou dei sinais de que estava ao serviço alheio. Estas situações todas que estiveram na origem do meu afastamento tiveram outras motivações.

No seu entender, que motivações são estas?
Hoje ando interessado em saber quais são. Se, na verdade, tivesse um comportamento reprovado ou politicamente incorrecto, eu teria também optado por uma postura que viria a comprometer o partido. E, como sabe, nunca tive pronunciamentos, nem públicos, nem internas, sobre situações que comprometessem o partido.

Decidiu simplesmente aceitar a decisão do partido. É isso?
Entendo que, para mim, a política não é um emprego, é mais uma missão. E, se essa missão me for tirada, aceito voltar à condição de militante com todos os direitos e deveres que o estatuto me revela. E tenho estado escrupulosamente a cumprir e respeitar a decisão que a direcção do partido tomou contra mim, com todas implicações necessárias. Não quero questionar a decisão, mas podemos dizer que o órgão que tomou esta decisão não seria o órgão no âmbito dos estatutos porque eu era um órgão electivo e só em sede de um congresso é que poderia ser destituído.

Por que é que aceitou, então, a decisão?
Não queria abrir outras frentes de choque ou de implicação com o Partido, porque acho que é uma situação que passa. E depois a verdade vem sempre à tona.

«Aceitei a decisão porque se tornou necessário não dar espaço a intrigas»

Chegou a recorrer as instâncias superiores do seu partido para poder reaver a verdade, tal como havia prometido?
A situação que nós passamos tornou-se numa situação pública, com muita visibilidade, com muitos interesses em causa. Interesses de quem nos queria destruir, a nível do partido. E interesses de quem queria aproveitar-se desta situação para também poder nos destruir. Reinou o bom senso do nosso lado. Inclusive, houve compreensão do nosso lado para não darmos espaço àquelas pessoas que queriam criar intrigas.

Assim sendo, entendeu que o seu caso foi propositadamente arquitectado?
Se estou na vida pública, na política, tenho que estar consciente de que estamos a lutar por uma causa, que queremos melhorar uma situação. Nós temos um país que nos obriga a estar mais envolvidos numa luta para que possamos vencer a desgraça que o povo vive. O próprio partido tem uma responsabilidade mais acrescida, que podia estar a olhar, ao invés de se meter numa situação destas.

Porque não processou o Banco (BIC) pela violação do segredo bancário?
Há coisas que preferimos não abordar publicamente e vamos pedir a compressão do público e esperar que a seu tempo as coisas se expliquem. Se não me perguntarem, eu sei. Mas se me perguntarem para explicar, não sei nada. Esta situação para mim está completamente encerrada.

Não acha que essa situação também revela uma fragilidade do seu partido quanto à capacidade de resolução de problemas internos que lhe podem afectar grandemente diante da sociedade? Especialmente do eleitorado?
Temos experiências mesmo a nível do mundo. Sempre que os partidos estão na iminência de conflitos internos, tem sempre uma tendência de divisão, de baixar a sua capacidade eleitoral e, de alguma forma, a sua aceitação diante dos militantes ou mesmo dos cidadãos. Entendo que não precisávamos passar por aí, porque o que o partido tem pela frente, tendo em conta as suas responsabilidades e capacidade de oposição, é muito maior que estas situações de intrigas.

Então, não entrou com um processo na Justiça em nome de uma maior estabilidade política do próprio partido?
Não gostaria de deixar tudo em aberto. Também não estou a dizer que não há processos judiciais. Estou a dizer que procurei aliviar muito a situação, apesar de termos consciência da responsabilização das pessoas em causa. Porque houve realmente acusações muito graves, que comprometeram inclusive a minha dignidade, e era preciso reparar os danos causados por isso.

E então?
Para fechar este capítulo, digo que teremos outros espaços de abordagem. É um pouco na lógica: se não me perguntarem, eu sei; se me perguntarem para explicar aquilo que sei, já não sei. Não precisamos expor necessariamente tudo. Estamos a deixar aqui algumas boas pistas para os cidadãos perceberem realmente o que aconteceu, o que está a acontecer e o que vai acontecer.

Entendo que não quer se aprofundar no assunto. Ainda pensa em voltar para a JURA?
Já não é possível. Ultrapassei a dimensão política de uma organização juvenil partidária. Hoje sinto ser uma pessoa com ca-pacidade política nacional, com a necessidade de congregar jovens partidários, jovens académicos, jovens empreendedores, estudantes, lavadores de carros, zungueiros. Precisamos dar sinais de capacidade para salvar o país. Eu sou uma das pessoas interessadas e tenho comigo alguns jovens que têm respondido positivamente e, até, temos visto espaços para o exercício da nossa cidadania. Os partidos já demonstraram que não têm capacidade de resolverem o problema do país.

As acusações que sofreu e a consequente expulsão afectaram a tua condição de deputado?
Não afectaram como se procurava fazer. Tive muita solidariedade vinda de todos os cantos, de pessoas do partido no poder, de pessoas do meu partido, da minha família. Sinto-me em bom caminho. E não vai tardar nós vamos surpreender e vamos apresentar para Angola uma geração com capacidade para salvar o país.

Está a falar do nascimento de uma nova força política?
Não necessariamente. Eu estou a dizer que só precisamos ter jovens angolanos preocupados com o país, que olhem para o país com responsabilidade, para amanhã o conduzirem no rumo certo.

Depois de tudo por que passou, vai continuar fiel ao ideal da UNITA? Vai retirar-se do partido? Ou pretende dar-lhe uma outra visão?
Sempre disse que, independentemente de tudo, sou militante da UNITA. Continuo militante, estou na bancada parlamentar a dar as minhas contribuições. O resto só o futuro dirá.

Acredita ainda na conquista do poder pela UNITA? Que o seu líder chegue à Presidência da República?
Eu acredito na mudança. Acredito na alternância do poder, mas com forças políticas que tiverem disposição de lutar, que trabalhem para vencer e que acreditem na vitória. Porque é importante que um indivíduo tenha a crença de que é possível. Só Deus é eterno. Pressupõe dizer que quem estiver no poder há muito tempo, também o vai deixar um dia. Mas em determinados casos, o poder não é só a Presidência da República. É importante que tenhamos consciência da democracia e dos limites do exercício dos nossos poderes. Temos de cultivar a ideia de que estamos na política mais para servir do que nos servirmos dela.

«Estamos diante de partidos políticos sem capacidade para uma viragem»

Quais são essas outras forças, de que fala, a posicionar-se diante da incapacidade dos partidos?
Os partidos hoje caíram num descrédito total. Basta ver que nós vivemos numa democracia sem povo. O povo já não acredita nos partidos por razões muito simples. Quando falo dos partidos, falo de todos, até do governante. Os partidos hoje deturpam e enganam a política e não correspondem às expectativas do cidadão. E, associado a isso, há uma carga de promessas falsas que passam para a sociedade e isso cria uma descredibilização. Há uma geração que quer olhar para a política mais como um serviço público do que como um meio de satisfação das necessidades pessoais e colectivas.

Como integrar esta camada jovem neste novo conceito?
É importante que se tenha em mente que a democracia não se dá, mas conquista-se. E é importante que, no marco das conquistas democráticas, se criem outros espaços de cidadania, que são espaços de participação pública. É nestes aspectos que se deve criar espaços para que esta juventude emergente possa demonstrar capacidade para a salvação do país.

Pode-se considerar que a oposição hoje é apenas uma «figura oca»?
Hoje estamos diante de partidos sem capacidade comprovada de reunir o nosso povo para uma viragem do nosso processo político. O facto de os partidos caírem no descrédito é resultado da falta de produção nos processos de transformações Eles (os partidos da oposição) têm que ter mais visão, ser mais agressivos, ter mais actividade e estarem mais próximos dos cidadãos. Não é isso que temos estado a ver.

Que consequências vê no horizonte quanto a essa falta de capacidade?
As consequências são muito simples: um partido a governar muitos anos sozinho e a asfixia da democracia. Sem participação activa dos partidos, não há democracia e o Parlamento é o centro fundamental do debate democrático e do contraditório. Não é isso que tem acontecido na nossa arena política.

Como é que pensa que se restituirá a credibilidade política perdida, principalmente, no que diz respeito aos partidos políticos, tendo em conta esta visão da juventude?
O nosso país precisa de novas pessoas com novas ideias e é importante que se comece a investir seriamente nesta juventude, no sentido de virem a responder com aquilo que é o interesse nacional, que ultrapassa (e de que maneira!) o interesse dos partidos. É importante haver concertações políticas neste aspecto para que não aconteça tal como em determinados países em que o povo é que pagou a factura da burrice dos seus dirigentes. É importante que haja capacidade de trabalho, disposição de luta para se virar a página e haver a transformação do processo político, que é necessário. Evitarmos a instabilidade que verificamos em determinados países.

«Temos uma sociedade civil bem fraca e sem participação»
 
O que diz das autarquias, como um dos espaços que pode ser implemen-tado para a participação de novas ideias?
A realização das autarquias vai ter como consequências, primeiro, o cumprimento do estipulado nacional. Porque, nesta altura, estamos numa agressão à Constituição, com a ausência da realização das eleições autárquicas. Há aqui um vazio constitucional porque não há vontade política para que se realizem. O cidadão que conhece a sua realidade ajuda a definir a agenda política da governação através destas preocupações constatadas na localidade.

De quem é, exactamente, essa falta de vontade da realização das eleições autárquicas de que falou?
A responsabilidade primária recai a quem tem a missão de executar as Leis e o governo. E depois é compartilhada com os partidos, que não têm capacidade de obrigar o governo a cumprir uma medida constitucional. Nós estamos numa ausência de capacidade dos partidos de influenciar quer a execução das leis quer a governação. Não temos uma força de bloqueio. Estamos na lógica de que o partido governante governa sozinho.

Acha que o partido governante tem medo das autarquias?
O partido governante cria barreiras para a não institucionalização das autarquias locais. Pela seguinte razão: é o Executivo que tem por missão a execução das leis e a materialização das condições para que as autarquias tenham lugar e o Governo tem a base parlamentar folgada que lhe dá o suporte para não realizar este pressuposto constitucional.

Como é que o povo pode cobrar?
A ausência de uma sociedade civil forte prejudica a participação dos cidadãos e a democracia. Dizia o con¬ceituado professor português Boaventu-ra de Sousa e Santos que «se o Estado detém o monopólio do poder, a socieda¬de civil detém o monopólio da liberda¬de». Na falta de acção do Parlamento, dos Tribunais, nós temos a sociedade civil, que esforça, que cobra e que pres¬siona o poder político. Temos uma so¬ciedade civil fraca e sem participação.

Será que a sociedade civil se acomodou?
O povo por si só não desperta, é importante que haja lideranças que despertem o povo. A nossa conjuntura política actual asfixia a participação pública. Jean-Jacques Rousseau dizia o seguinte: «A democracia é o sistema do governo onde o regime não é suficien¬temente rico para comprar o cidadão e o cidadão não é suficientemente pobre para se vender ao regime».

O que isso quer dizer no nosso contexto?
Com essas nossas extremas condições de pobrezas e dificuldades, fica difícil o individuo ter algum tempo para participar de uma conferência, de um debate, acompanhar uma medida legislativa ou política. E quando não há democracia sem participação, não há participação sem condições. Estamos numa conjuntura política que não nos permite o exercício da liberdade, da de¬mocracia e da cidadania. É importante que a actual geração assuma responsa¬bilidade e tenha a noção de que é chega¬do o momento. E é chamada, mais uma vez, a responder ao apelo de salvação do país.