Luanda - É chegada a altura de visitar o Ministro da Comunicação Social, para abordar matéria relacionada com este pelouro, considerado “improdutivo”, mas que de facto tem importância ímpar no quadro do processo de democratização em curso no nosso país.

Fonte: SA

Já que falamos no processo de democratização, começo por perguntar o que se passa com o “Jornal de Angola”, que parece estar deslocado no tempo. Quando digo deslocado, refiro-me a algumas décadas mesmo, pois já na década de 1990 o diário estatal tinha novo rosto e nova aragem. Neste momento, parece que regressámos aos idos de 1980, fazendo recordar a necessidade que havia então de “bater no ferro quente”. Eram outros tempos, era outra mentalidade, eram outras aspirações, era outra realidade.

Agora, temos a recordar o final de uma guerra de longa duração e a necessidade de afastamento dos estigmas do passado. Agora, aspiramos a uma verdadeira democratização das instituições públicas – e a comunicação social não pode ser excepção. Penso ser altura de acabar com as farpas que o “Jornal de Angola” e a Rádio Despertar continuam a lançar, como se estivéssemos ainda no calor da “Guerra-Fria”, sendo por isso preciso aquecer-nos batendo “no ferro quente”. Ainda que isso exija substituição de gente caduca que anda pelos dois lados, o rumo que Angola tomou já não se compadece com isso e é mesmo preciso virar a página. De uma vez por todas!

Para isso, não será certamente necessário novo memorando para se voltar a enterrar o machado de guerra, mas bastará um acordo tácito para final das hostilidades. Os meios de comunicação social têm também função didáctica e função de manutenção da estabilidade social, de modo que a eles deve deixar de interessar o que fizeram tempos atrás os actores políticos X, Y ou Z (quaisquer que sejam os seus lados). Deve interessar-lhes o que fazem hoje esses mesmos actores, em prol da reconciliação e em prol do país que é de todos nós e que precisa de cada um de nós – sem ódios e sem atiçar a violência.

Uma segunda questão, caro Ministro da Comunicação Social, tem a ver com aquilo que designo por auto-consumo nos meios de comunicação social. Não faz sentido um jornal publicar regularmente a fotografia do seu director ou do seu proprietário. Pode fazê-lo uma vez ou outra, apenas no caso de a razão de interesse público o justificar. Mas ocupar acima de dois terços da primeira página com assuntos respeitantes a alguma dessas pessoas é transformar um jornal (que é entidade pública, por definição) em entidade privada. E se no interior do jornal essa intenção se mantiver, então quer dizer que esse jornal não passa de projecto privado. Quase ninguém o lê, é verdade, mas para que servem jornais assim? E anote que há vários casos destes na nossa praça.

Depois, temos jornais que não se importam de propalar calúnias em relação a esta ou àquela pessoa, apenas porque alguém por lá não gosta dela, ou porque caiu em desgraça e vamos todos (como se diz) “bater no ceguinho”, ou ainda porque alguém pagou para a calúnia ser difundida e o dinheiro continua mesmo a falar mais alto e a ditar formas de procedimento, independentemente dos códigos de ética e deontologia que se aprendem quando se estuda jornalismo.

Ultimamente, um amigo chamou-me à atenção para a querela que está a ser alimentada por dois jornais – “República” e “Continente”.

O semanário “República” difundiu no dia 27 de Junho uma série de impropérios em relação ao proprietário do semanário “Continente”. Lamento não dispor desse jornal, pois só na semana seguinte soube do desaguisado e já não o encontrei à venda.

Na semana seguinte (4 de Julho), o semanário “Continente” garante logo na primeira página que “quem com ferro mata, com ferro morre”, anunciando por isso que “Licas Madaleno padece de diabetes e baixa te(n)são”. Na segunda página, escreve-se textualmente o seguinte. “O empresário Licas Madaleno é, sem sombra de dúvidas, dos irmãos mais esquisitos de entre os Madalenos: o mais feio, mais torto e desajeitado, gordo, sem estética, cheio de banhas, fruto da gordura. Está a padecer de diabetes e «baixa tesão». Em Luanda dificilmente consegue uma namorada. É tão pequena ser a sua fenhice, que corre normalmente para o Brasil, aí pagando é claro ensaiar com mulatas gostosas o seu já acabado desempenho. De tão doce ser, arranjou mulher com extrema dificuldade, onde para o efeito teve que, no seu condomínio, oferecer uma casa aos sogros para garantir a fidelidade conjugal para o resto da vida, dando a doença que padece é «baixa tesão»”. Tive de alterar a pontuação para se perceber minimamente o texto, mas mantive a maioria dos erros e imprecisões originais.

No dia 11 de Julho, o semanário “República” reage, escrevendo na primeira página: “TPL ordena captura de Riquinho”, indicando na sua fotografia tratar-se do “delinquente 1964”. Na página 16, refere-se matéria relacionada com um processo que opõe “Henrique Luís Miguel, sócio gerente do jornal «Continente»” ao antigo Chefe da Casa Civil, Ministro Carlos Feijó. Estando “tudo a postes” (sim, a postes!) para o julgamento, a advogada de Riquinho apresentou um atestado médico para justificar a sua ausência à audiência. Portanto, “foi então que meritíssimo juiz exarou urgentemente MANDATO DE CAPTURA de Henrique Luís Miguel Riquinho, marcando a próxima audiência de julgamento no dia 27 de Julho de 2014” (reproduzo os erros da fonte). Na edição de 18 de Julho, o semanário “República” prossegue no mesmo tom, referindo que “Riquinho está com a corda ao pescoço” (páginas 1 e 4, onde a imagem de Riquinho aparece mesmo com uma corda ao pescoço).

Caro Ministro, venho pois, a pedido de várias famílias, solicitar que se ponha cobro a arbitrariedades e atropelos à moral como estes que aqui refiro. Cada jornal deve respeitar a lei e deve ter consciência dos limites da liberdade de imprensa. Porque de outra forma, teremos de proibir as crianças angolanas de ler jornais cujo título esteja em letra vermelha... Não é admissível que os jornais insultem pessoas a seu bel-prazer, apenas para satisfazer alguns egos. Um insulta e o outro reage, insultando ainda mais. É uma autêntica aberração, com a qual é preciso acabar.

São estes os assuntos sensíveis que trago ao gabinete de trabalho do Ministro da Comunicação Social, esperando não ter e voltar a eles numa próxima visita. Bom trabalho, caro Ministro.