Luanda - É o que às vezes nos parece, diante de algumas intervenções/ avaliações/opiniões que de facto apontam para a possibilidade da inteligência ter tirado umas “merecidas férias”.

Fonte: Revista Vida

Não pretendo, naturalmente, querer ser mais inteligente ou “esperto” do que alguns dos meus semelhantes, mas devo confessar que tenho bastantes dificuldades em continuar a conversar com eles em relação a determinadas questões que me parecem demasiado evidentes para alimentarem qualquer tipo de contumélias mais consistentes do ponto de vista intelectual.

[Uma chaveta para citar aqui uma definição que não é minha e segundo a qual a inteligência "não é uma mera aprendizagem literária, uma habilidade estritamente acadêmica ou um talento para sair-se bem em provas. Ao contrário disso, o conceito refere-se a uma capacidade mais ampla e mais profunda de compreensão do mundo à sua volta...]

Em apreço está o primeiro BBA da história do telelixo que chegou ao fim no passado domingo algures em território sul-africano e ao qual, como fenómeno mediático, já tinha dedicado alguma atenção neste “armazém de secos e molhados”.

Demasiado evidentes, porque a inteligência quando bem utilizada é uma fantástica e sofisticada capacidade da psique humana que nos dá o privilégio de rapidamente irmos para além daquilo que nos é exibido ou oferecido, no sentido de tentarmos perceber se de facto não haverá por ali algum gato escondido com o rabo de fora ou segundas intenções na hora de nos convidarem para o almoço.

Aliás, tanto assim é, que de há uns tempos a esta parte e por tudo e por nada, as pessoas gostam muito dizer que agora já não há mais almoços de  borla e que mais tarde ou mais cedo vamos ter de pagá-los, quando aceitamos os convites.

Sabemos que no ser humano, a bondade e a generosidade originais,  todos os dias cedem terreno ao avanço determinado da maldade e da perfídia, numa evolução muito complicada em termos do futuro da própria humanidade.

Era suposto que a tendência dominante não fosse tão marcadamente negativa, mas o que verificamos é efectivamente preocupante, pois cada vez temos mais exemplos assustadores que nos falam de um homem que para além de ser o seu próprio lobo, agora já quer ser um pouco mais voraz na arte de desfazer o parceiro, sem perder muito tempo em mastigá-lo primeiro.

A inteligência é normalmente chata e é por vezes deselegante pois faz de nós pessoas desconfiadas mas com toda a razão, diga-se de passagem.

Do outro lado da barricada podem estar pessoas que nos querem enganar também de forma inteligente com uma banha da cobra qualquer.

Por razões óbvias é principalmente no mercado de bens e serviços, do compra e vende que mais precisamos de estar atentos, de ser inteligentes ou “espertos”, para não sermos enganados, para não virarmos otários, como muito bem gostam de falar os brasileiros.

Não vamos aqui voltar a navegar em todos as conhecidos direitos e liberdades que nos conferem a necessária legitimidade para nos refugiarmos onde bem quisermos na hora de defendermos a nossa dama.

Dama é dama e é mesmo para ser defendida. Que se lixe o resto.

Senão, quem o fará?

De diversos pontos de vista, compreendo com todas as reticências já aqui expressas, a defesa que se possa fazer de um “reality show” como o BBA, mas já não posso aceitar nem admitir, em nome da própria inteligência, que se considere o referido programa como um espaço mais sério de analise da sociedade angolana e particularmente da sua juventude, com base no comportamento dos seus concorrentes.

Perplexo, foi o que eu ouvi esta semana, o que me deixou algo desorientado na hora de tirar um azimute para tentar perceber o que se estava a passar na cabeça dos entusiasmados e ardentes defensores do BBA.

Pelos vistos nasceu mais uma estrela popular que vai fazer parte do “nosso” firmamento nos próximos tempos (?!), num desafio complicado entre os “treinadores de bancada” e os milhares de adeptos que soube conquistar, durante as semanas em que esteve “concentracionado” na tal casa e foi visto por todo o mundo que não “desgrudava da telinha” e do qual eu não fiz parte.

Não há sociedade nenhuma normal que funcione completamente fechada e isolada do mundo exterior  durante dois meses num espaço tão exíguo como é uma casa vigiada por camaras de vídeo em todo o lado, tendo os seus habitantes  como única motivação a conquista de um prémio pecuniário de 10 milhões de kwanzas.

Isto não existe na realidade, com a excepção das prisões, salvaguardadas as devidas distâncias, ambiente que eu, por sinal, aprendi a conhecer ainda muito jovem.

É pura ficção organizada por quem percebe do assunto para produzir efeitos espectaculares na hora do programa começar a facturar com as audiências e com os SMS.

Em abono da verdade estamos diante de “cobaias”.

Não pode por isso a referida amostra servir para grande coisa na hora de se quererem tirar conclusões mais abrangentes, pelo que é de todo desaconselhável que se use a mesma como paradigma de estudo.

A própria amostra em si mesma começa por ser alta e premeditadamente defeituosa, sendo intenção do casting conseguir reunir na casa as pessoas psiquicamente mais disponíveis a irem até às últimas consequências na “arte da ruptura” com alguns valores de referência da própria civilização moderna.

Não acredito, por outro lado, que pessoas estruturalmente mais bem formadas do ponto de vista dos referidos valores que são, efectivamente mais consensuais, tenham alguma inclinação para se inscreverem e participarem no casting que vai determinar a composição final dos “brothers” que vão jogar durante várias semanas uma partida sem limites e sem regulação, onde vale quase tudo.

NA- Texto publicado no semanário “O País/Revista Vida/Secos e Molhados” (1-08-14)