Lisboa -  A Lei da Probidade Pública “estabelece as bases e o regime jurídico relativos à moralidade pública e ao respeito pelo património público, por parte do agente público”(artigo 1.° da Lei da Probidade Pública). E “aplica-se a todas as actividades de natureza pública”(artigo 2.°/1 da Lei da Probidade Pública) e também e até “as actividades de entidades não públicas, singulares e colectivas, circunstancialmente investidas de poderes públicos” (artigo 2.°/2 da Lei da Probidade Pública). E todo o agente público está abrangido pela Lei da Probidade Pública (artigo 2.°/3 da Lei da Probidade Pública).

Fonte: Club-k.net

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA É UM AGENTE PÚBLICO

 

A duas primeiras questões que se nos apresentam são de sabermos quem é agente público e se o Presidente da República é um agente público. A resposta é-nos dada pela própria Lei da Probidade Pública: “1. Considera-se agente público a pessoa que exerce mandato, cargo, emprego ou função em entidade pública, em virtude de eleição, de nomeação, de contratação ou de qualquer outra forma de investidura ou vínculo, ainda que de modo transitório ou sem remuneração. 2. Para efeitos da presente lei são agentes públicos, nomeadamente as seguintes entidades: a) os membros do Executivo; b) os Deputados à Assembleia Nacional: os magistrados judiciais e do Ministério Público de todos os tribunais sem excepção; c) os membros da Administração Central do Estado; (…) i) os gestores, responsáveis e funcionários ou trabalhadores de institutos, dos fundos públicos ou das fundações públicas, das empresas públicas e das empresas participadas pelo Estado; (…) l) os gestores, responsáveis e trabalhadores de empresas privadas investidas de funções públicas mediante concessão, licença, contrato ou outros vínculos contratuais; (…)”, artigo 15.° da Lei da Probidade Pública. Note-se que não foram apresentados todos os agentes públicos como tal definidos pela Lei da Probidade Pública. Esta lei não se aplica apenas aos agentes da Administração Central do Estado! – bastará ler com atenção a enumeração completa que a Lei da Probidade Pública faz no seu artigo 15.° de quem seja agente público.

 

O Presidente da República de Angola é um agente público? O Presidente da República é uma “pessoa que exerce mandato”, artigo 15.° da Lei da Probidade Pública: é eleito para um mandato de 5 anos, artigos 106.° e 113.°/1 da CRA. É um membro do Executivo, supra-membro, porque é o titular do Poder Executivo, artigo 108.°/1 da CRA, porque exerce esse poder, “auxiliado por um Vice-Presidente, Ministros, Ministros de Estado e Ministros”, artigo 108.°/2 da CRA, e tem um Conselho de Ministros, “órgão auxiliar do Presidente da República”, artigo 134.° /1, por ele presidido, artigo 108.°/2. Em suma e consequentemente, o Presidente da República é, sem dúvidas, um agente público, nos termos da Lei da Probidade Pública!

 

A SONANGOL INTEGRA A ADMINISTRAÇÃO INDIRECTA DO ESTADO

 

Que tipo de pessoa jurídica é a Sonangol? É uma empresa pública, uma pessoa colectiva de direito público: porque assim o estabelece o seu Estatuto Jurídico: “1. A empresa denomina-se «Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola, Empresa Pública» abreviadamente «Sonangol – E.P.» ou simplesmente Sonangol” (artigo 1.°/1 do Decreto n.° 42/10 de 4 de Maio designado por Estatuto Orgânico da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angolada). “1. As empresas públicas são aqueles que, por diploma legal, assim são expressamente qualificadas” (artigo 3.°/1 da Lei de Bases do Sector Empresarial Público, Lei n.° 11/13 de 3 de Setembro).

 

 

A Sonangol integra a administração indirecta do Estado. Mais uma vez são leis que assim o estabelecem. A competência do Presidente da República para nomear o PCA da Sonangol decorre de a Constituição lhe atribuir a capacidade para “dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender a administração indirecta e exercer a tutela sobre a administração autónoma” (art. 120.°/d da CRA). Se dúvidas restarem, a Lei de Bases do Sector Empresarial Público determina o seguinte: “A superintendência do Poder Executivo às Empresas Públicas é exercida pelo Titular do Poder Executivo” (n.° 1 do artigo 43.° da Lei n. ° 11/13 de 3 de Setembro). E é, com invocação do artigo 120.°/d da CRA, susodito, que a Assembleia Nacional, expressamente, atribui ao Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, a competência para a nomeação do PCA da Sonangol (artigo 46.°/2 da Lei de Bases do Sector Empresarial Público, Lei n.° 11/13 de 3 de Setembro).

 

 

A nomeação do Presidente do Conselho de Administração da Sonangol é um acto administrativo, no quadro da administração indirecta do Estado, no Sector Empresarial do Estado. Não é um acto político.

 

NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO OS AGENTES PÚBLICOS (INCLUINDO O PRESIDENTE DA REPÚBLICA) ESTÃO IMPEDIDOS DE PRATICAR CERTOS E DETERMINADOS ACTOS

 

O Presidente da República é um agente público e investido desta função está sujeito a impedimentos: “1. O agente público está impedido de intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos, nos seguintes casos: (…) quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente na linha recta ou até ao segundo grau da linha colacteral, bem como com quem viva em comunhão de mesa e habitação”, alínea b) do n.° 1 do artigo 28.° da Lei da Probidade Pública.

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA PRATICOU O ACTO DE NOMEAÇÃO DO PCA DA SONANGOL

 

Que acto é que o Presidente da República praticou? Nomeação do Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, EP (Empresa Pública), por ser o titular do Poder Executivo (art. 46.°/2 da Lei de Bases do Sector Empresarial Público, Lei n.° 11/13 de 3 Setembro).

 

ISABEL DOS SANTOS, SUA FILHA, É PESSOA INTERESSADA E BENEFICIA COM A NOMEAÇÃO QUE SOBRE ELA RECAI

 

Que pessoa tinha e tem interesse na sua própria nomeação? A cidadã que se chama Isabel dos Santos. Qual é o laço que o agente público – o Presidente da República – tem com a nomeada? É filha dele, do agente público, do Presidente da República: “parente na linha recta”, alínea b) do n.° 1 do artigo 28.° da Lei da Probidade Pública.

 

O AGENTE PÚBLICO, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, NÃO PODE NOMEAR A SUA FILHA PARA A FUNÇÃO DE PCA DA SONANGOL

 

E por esta razão (por a pessoa a nomear ser sua filha) o agente público não pode legalmente intervir (participar) na “preparação” do acto, no processo de “decisão” do acto, e na “execução” do acto. De que acto se trata? O acto de nomeação de Isabel dos Santos para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, EP.

 

O ACTO ADMINISTRATIVO DE NOMEAÇÃO DE ISABEL DOS SANTOS VIOLA PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS

 

O Presidente da República violou vários princípios constitucionais e legais. Todavia, a título ilustrativo serão apresentados apenas alguns mas não todos os princípios violados.

 

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

 

O acto administrativo, nomeação de Isabel dos Santos, filha do agente público, viola o princípio da legalidade, porque o Presidente da República está obrigado a agir em conformidade com a lei. Está impedido de praticar esse acto, por força do artigo 28.°/1-b) da Lei da Probidade Pública, uma lei, mas, com gritante violação dessa norma legal, pratica o acto que não deve (não pode, legalmente) praticar.

 

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

 

O acto administrativo, nomeação de Isabel dos Santos, viola o princípio da imparcialidade, porque o Presidente da República está impedido de praticar esse acto, por a pessoa a nomear ser a sua filha, mas, toma partido e favorece a sua filha, quando existem mais pessoas habilitadas para o exercício desse cargo, que podem ser nomeadas, porque o agente público não está impedido de nomeá-las como está em relação à sua filha. Ora, o agente público ao nomear a sua filha pretere outros candidatos, tão ou mais habilitados do que a sua filha, pelo menos em abstracto. E que com que critério justo e empiricamente verificável nomeou a sua filha? O princípio da igualdade impõe, no mínimo, que a escolha fosse feita por concurso público, para que o agente público não caísse na violação do princípio da imparcialidade. – A convocação do concurso público nesta sede de discussão visa apenas pôr em destaque a arbitrariedade e parcialidade da nomeação feita pelo agente público –. Mas a questão é que o agente não pode (legalmente) nomear a sua filha para aquele cargo!

 

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO REPUBLICANO

 

O princípio republicano (art. 1. ° da CRA) proíbe que os agentes públicos estruturem o Estado de maneira que os seus parentes e preferidos, de forma ilegal e imparcial e com improbidade, ocupem cargos públicos acumulando poderes públicos e económico com base no neopatrimonialismo, exercendo assim um domínio de casta de todo-poderoso(s) ou um domínio de uma neodinastia, privatizando o Estado.

 

A RENÚNCIA AOS CARGOS QUE A NOMEADA TINHA NO SECTOR PRIVADO NÃO ANULA A INCONSTITUIONALIDADE E ILEGALIDADE DO ACTO DO AGENTE PÚBLICO QUE A NOMEOU

 

A decisão da senhora engenheira Isabel dos de Santos de renunciar aos cargos nas empresas privadas de que é sócia não torna o acto do seu pai, a nomeação da filha, um acto legal. O agente público, Presidente da República, não pode, entenda-se bem, legalmente, nomear a sua filha para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, por imperativo constitucional e legal! É o agente público Presidente da República, que não pode fazê-lo!!

 

CONSEQUÊNCIAS PARA O AGENTE PÚBLICO QUE VIOLE O(S) IMPEDIMENTO(S) PREVISTO(S) NO ARTIGO 28.° DA LEI DA PROBIDADE PÚBLICA

 

Quais são as consequências para o agente público que viola os impedimentos estabelecidos na alínea b) do n.° 1 do artigo 28.° da Lei da Probidade Pública? A resposta é dada pelo n.° 2 do mesmo artigo: “A violação das normas sobre impedimento, por acção ou omissão negligente ou dolosa, dá lugar à responsabilização política, diaciplinar e criminal”.

 

NÃO HÁ LUGAR A RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR MAS PODE HAVER RESPONSABILIDADE POLÍTICA PELA OPINIÃO PÚBLICA E POR DISCUSSÃO NA ASSEMBLEIA NACIONAL

 

No caso em discussão o agente público é o Presidente da República. Por não ter, no plano do órgão de que é titular, ninguém acima dele, pela lógicas das coisas, não está sujeito a processo disciplinar. Mas pode ser responsabilizado politicamente pela opinião pública e também pode até haver lugar a debate na Assembleia Nacional para discussão do caso. Note-se que contra o Presidente da República pode ser determinada a abertura de um processo judicial para a sua destituição, se tiver praticado os crimes previstos no artigo 129.° da CRA. A decisão da abertura de um processo judicial para destituição do Presidente da República é um acto político da competência da Assembleia Nacional, segundo o meu entendimeto. – Não quero insinuar nem estou a defender a tese de que a violação do impedimento prescrito no artigo 28.° da Lei da Probidade Pública dê lugar a um processo de destituição do Presidente da República. Apenas pretendo realçar a ideia do controlo político a que está sujeito o Presidente da República.

 

O AGENTE PÚBLICO PRESIDENTE DA REPÚBLICA TERÁ COMETIDO O CRIME DE PREVARICAÇÃO

 

O agente público Presidente da República pode ser responsabilizado criminalmente. No caso em discussão, porque que crime? No meu entendimento, pelo crime de prevaricação, previsto na Lei da Probidade Pública. Este crime é assim tipificado: “O agente público que, contra o que esteja legalmente estatuído, conduza ou decida um processo em que intervenha, no exercício das suas funções, com a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, é punido com prisão maior de dois a oito anos” (artigo 33.° da Lei da Probidade Pública). O que é que está legalmente estatuído e que não deve ser feito? Está estatuído o impedimento (a proibição) de praticar um acto no qual haja interesse ou benefício de parente em linha recta, alínea b) do n.° 1 do artigo 28.°, supracitado. Se o agente público está impedido, no processo de substituição e nomeação do PCA da Sonangol, de escolher pessoa que por ele não pode ser nomeada, a filha, parente em linha recta, beneficia (favorece) ou não, contra o que está estatuído naquela norma jurídica, a pessoa ilegalmente nomeada, a sua filha? Na minha modesta opinião, beneficia a sua filha e pratica um acto que está tipificado (definido) como crime de prevaricação. A aceitação da nomeação pela nomeada – por que a pessoa pode sempre não querer ser nomeada – significa, na minha humilde opinião, que há interesse dela pela função que vai desempenhar. Senão, não aceitaria ser nomeada: estaria desinteressada!

 

O agente público, o Presidente da República, tem sido criticado publicamente pela nomeação ilegal de outros parentes bem ainda como por outras práticas de improbidade pública que lhe são imputadas e é a pessoa que tem a responsabilidade de promulgar as leis da república. A Lei da Probidade Público foi por ele promulgada no Diário da República de Angola. Tem, pois, no meu entendimento, perfeita ciência da gravidade e do alcance do acto que praticou.

 

MAS MESMO QUE A VIOLAÇÃO DO IMPEDIMENTO IMPOSTO NÃO CAIBA NO TIPO DE CRIME DE PREVARICAÇÃO TAL NÃO INIBE OS TRIBUNAIS DE DECIDIREM PELA NULIDADE/OU ANULABILIDADE DO ACTO DE NOMEAÇÃO DE ISABEL DOS SANTOS

 

Tal é o meu melhor entendimento sobre o caso em discussão. Todavia, a discussão serena e fundada na capacidade de ouvir e de estudar o problema com rigor serão seguramente os melhores guias no processo de discussão pública em curso. As leis em conformidade com a constituição, mas sobretudo, as leis justas devem ser respeitadas por todos, sem excepção!

* Fernando Macedo