Luanda - “A história sagrada deve ser chamada pelo nome que merece, o de história maldita; as palavras Deus, Salvador, santo, devem ser usadas como insultos, como distintivos para os criminosos”, afirmou o filósofo alemão F. Nietzsche, numa das suas obras mais aclamada e discutida, “O Anticristo”. Este trecho, retirado na última página (127) do livro onde apresenta o cristianismo como “vício” e encarrega-se de fazer uma síntese deste mal para a humanidade em sete artigos conclusivos. As proposições que lemos acima são do sexto artigo.


Fonte: Club-k.net

 

Na minha perspectiva, não há um autor melhor, que ajudasse a iluminar a reflexão sobre a temática acima expressa. A razão é simples: Nietzsche na obra “O Anticristo”, protagonizou a crítica mais radical contra a religião, na história do pensamento. Foi o único que pôs a religião “despida”, o único que ajudou a descortinar o quanto a religião fez e faz de mal para a humanidade.


Nos dias de hoje, destaca-se um grande pensador queniano,  Richard Dawkins com a sua obra “Delusion of G(d)od”( Deus é um Delírio, ou ainda a Desilusão de Deus). Igualmente debatida e aclamada por aqueles que usam a racionalidade. Voltarei a análise epistemológica da religião como “risco” nos parágrafos subsequentes.

 


Analisar a Igreja como violadora de Direitos Humanos, seria uma óptima tese de Doutoramento inter-gnosiológica, na medida em que a Igreja enquanto categoria que expressa a negação dos Direitos da Mulher e do Homem, pode ser lida nas seguintes perspectivas e áreas do conhecimento: Perspectiva Histórica (História); Perspectiva Antropológica (Antropologia Cultural); Perspectiva Sociológica (Sociologia); Perspectiva Filosófica (Filosofia) e Perspectiva Jurídica (Direito).


Para entender a Igreja como violadora de Direitos Humanos, talvez seja interessante mostrar ao leitor que no âmbito da teoria dos Direitos Humanos, sempre apresentou-se o Estado como o actor que detém o monopólio na violação dos Direitos Humanos. Nos últimos quinze anos, a análise deu uma reviravolta, tendo descoberto no âmbito teórico e empírico, novos agentes na negação do consenso ético minimamente global: Os organismos internacionais, as ONGs, grupos de extermínio e paramilitar fora de controle do Estado, também violam Direitos Fundamentais. Num Seminário apresentado em 2010, pelo professor alemão Sven Peterk, na Universidade Federal da Paraiba, ao discorrer sobre estes actores, eu reflectia (descobria) sobre a existência de um violador tão antigo quanto a sua existência: A Igreja. Acresci este dado na conferência. Foi acolhido e falta simplesmente de minha parte escrever sobre o assunto com a atenção que merece.
Ao escavarmos a “sepultura do tempo”, lembrar-nos-emos de casos emblemáticos protagonizados pela Igreja como de Jordano Bruno, Galileu Galilei, as cruzadas. O índex é igualmente uma “ferida” que a Igreja impôs a humanidade. Frente à estes acontecimentos foram violados a liberdade geral, a liberdade científica, a liberdade religiosa, de expressão, de pensamento, de consciência, a integridade física e ainda o direito à vida. Penso que pela forma hostil e brutal como a Igreja tratou a ciência, inviabilizou que a humanidade estivesse mais longe do que está hoje. Foram séculos de travão contra toda descoberta que não estivesse de acordo com os defensores da loucura colectiva – a religião.
No rol de barbaridades, das quais a Igreja orgulha-se, está a colonização e a destruição da cultura e toda visão de mundo de que as vítimas da colonização foram alvo. Claro está, que o facto colonial não tinha possibilidade de ser realidade sem a grande ferramenta que é a Igreja. Não uma ferramenta meramente instrumental, mas uma aliada que agia na lógica de garantir a continuidade do poder. A Igreja não passa de uma instituição que reivindica poder com vista a manter as “ovelhas sem cérebro funcional” sobre o seu controlo. Quem duvida que a Igreja é poder, basta lembrar as regras que a Igreja impõe. Como ela dita que caminhos deve-se seguir e de que jeito deves pensar. Isto chama-se exercer poder sobre si.


Ainda na linha do tempo, é mister rememorar que os dez últimos Papas mantiveram a tradição de opor-se a liberdade de pensar e a criatividade. Tal atitude sinistra manifesta-se na condenação do Marxismo, do Socialismo e do Comunismo. Esta condenação foi expressa pelos seguintes Papas: Pio IX (1846-1878); Leão XIII (1878-1903); São Pio X (1903-1914); Bento XV (1914-1922); Pio XI (1922-1939); João XXIII (1958-1963); Paulo VI (1963-1978); João Paulo II: (1978-2005) e Bento XVI (2005-2013). As posições destes senhores podem ser encontradas em encíclicas, discursos, repressão directa a clérigos. Talvez vale citar a posição de Bento VI, uma narrativa que é basicamente a repetição de uma tradição intolerante contra o pensamento: “Lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos encontram-se no centro da concepção marxista. Esta contém de fato erros que ameaçam directamente as verdades de fé sobre o destino eterno das pessoas.” (Libertatis Nuntius; Instruções sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação. Congregação para a Doutrina da Fé. 6 de Agosto de 1984. Cap. VII nº 10; Cardeal Joseph Ratzinger e Arc. Alberto Bovone). E volta a reafirmar a sua posição duas décadas depois: “Neste sentido, amados Irmãos, vale a pena lembrar que em Agosto passado, completou 25 anos a Instrução Libertatis Nuntius da Congregação da Doutrina da Fé, sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, nela sublinhando o perigo que comportava a assunção acrítica, feita por alguns teólogos de teses e metodologias provenientes do Marxismo.” (Discurso do Papa Bento XVI. Aos prelados da Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil dos Regionais Sul III e Sul IV em visita Ad Limina Apostolorum. 5 de Dezembro de 2009).


É preciso esclarecer que da minha parte não está em causa gostar ou não do Marxismo ou Socialismo. Sou um democrata e exactamente por ser democrata entendo que não se deve reprimir a criatividade humana em trazer novas teorias. Caso não estejamos de acordo, devemos combater com a força da razão e da retórica e não com a repressão e armas de morte como a inquisição, o índex ou o afastamento como expressão de abuso e demonstração de poder.
 Esta tendência contra o Marxismo, levou a afastar padres e bispos na América Latina. Temos um exemplo vivo hoje no Brasil – Leonardo Boff – que foi condenado pelo Santo Oficio, na época sob tutela do Cardeal Joseph Ratzing, que mais tarde se tornou o Papa Bento XVI.


Leonardo Boff sentou-se e foi interrogado no mesmo banquinho do Palácio do Santo Ofício onde se sentaram e foram igualmente interrogados os outros dois. Os três fizeram declarações que se tornaram célebres. Galilei disse, em italiano: Eppur si muove (ela ainda se move), reiterando que é a Terra que gira ao redor do Sol. Bruno disse, em latim: “Maiori forsan cum timore sententiam in me fertis quam ego accipiam” (“Talvez sintam maior temor ao pronunciar esta sentença do que eu ao ouvi-la”). Boff disse, em português: “A Inquisição não esquece nada, não perdoa nada, cobra tudo.”(SILVA, 2011).


É preciso lembrar que esta hostilização do Marxismo enquanto Filosofia que influenciou a Teologia da Libertação na América Latina, foi também da vontade de João Paulo II que estrategicamente passou uma imagem tolerante, mas efectivamente nutria ódio por tudo que colocaria em causa o poder e a influência de uma Igreja centrada em Roma e sob controlo dos velhos senis da Cúria Roma.


Para encerrar esta perspectiva histórica, nada mais conveniente do que recolocar Silva no debate quando afirma que “museus e iconografias ainda registam o uso de ferros e correntes para extrair declarações e confissões. E depois, a execução no garrote vil ou na fogueira, ou nos dois, pois eram opções queimar a vítima viva, queimá-la depois de recém-executada ou queimar-lhe os ossos, desenterrados para serem levados ao fogo. E, quando não eram encontrados, queimava-se uma tábua na qual era desenhada a figura do condenado quando vivo.” A isto a Igreja chama salvar o homem do inferno! Pôr-lhe fogo na boca, queimar-lhe os olhos é a salvação da alma!
No plano sociológico, vale iniciar a nossa aventura analítica pelas vítimas mais inocentes que a Igreja escolheu: as crianças. Estes doentes mentais chamados bispos, padres, pastores, papas, diáconos, etc. Não todos, claro! Idealizaram na criança o seu grande objecto de prazer. O que significa que para estes monstros divinos, a pedofilia não existe, é pura invenção dos infiéis, daqueles que um dia irão ao inferno por não se terem convertido e mantido o encontro com Jesus Cristo.


A figura jurídica do estelionato é outro cenário que expressa com alguma eloquência o quanto a Igreja viola os direitos da mulher e do homem. Quantas pessoas foram manipuladas por charlatãs à fim de ofertar para Igreja suas propriedades como seja carro, casa, etc com promessas de poder quintuplicar seus bens. Tais procedimentos põem claramente em causa o direito à propriedade e no caso antecedente nega-se toda a dignidade e direitos da criança. Quantos incautos perderam o direito à vida porque o pastor recomendou interromper o uso de drogas medicamentosas, com promessas de que a cura viria de “xinguilamentos patéticos”? O mesmo diria de idiotas que morreram porque uma dúzia de neuróticos da torre de vigia os recomendou a evitarem a todo custo a transfusão de sangue, pondo em causa o direito à saúde e à vida.


Informações veiculadas pela midia global, dão conta que o Banco do Vaticano ou Instituto para as Obras de Religião (IOR) é accionista maioritário de uma das maiores fábricas de armas da Itália, da Europa e do mundo - Pietro Beretta – Mas tal dado foi desmentido pela empresa. A grande surpresa está no silêncio tumular da Igreja em relação a gravíssima revelação e “acusação” da mídia. Diante de tal informação, a questão que se impõe é: Faz sentido a enunciação da Igreja sobre a paz e a concórdia? Há inúmeros casos empíricos que demonstram a monstruosidade que é a Igreja enquanto instituição para a humanidade.

 
Revisitando o tópico “Mulher”, a Igreja é uma das instituições que mais contribuiu e contribui para a posição de subalternidade dela em relação ao homem. A manutenção e o reforço de uma cultura machista, ainda hoje é tão rígida e presente na estrutura eclesiológica, que basta ver o lugar reservado às senhoras. A feminilidade como fonte de vergonha, o prazer como caminho do pecado e impureza, sempre foi associado à mulher, e a Igreja esteve na vanguarda, na promoção destas negações da dignidade e direitos da mulher.


Uma vez que uma das vocações centrais da Igreja é o poder – claro que isto não é revelado – quando ela vê-se desconfortável fruto dos avanços do mundo e à perder influência, estrategicamente faz mudanças bruscas. Esta proposição tem sustentação no Concílio Vaticano II (1962-1965), que propõe uma Igreja aberta ao mundo. Claro que a Igreja não estava preocupada com o tal destino eterno do homem, mas em manter seus clientes e sua influência em grande escala, uma vez que depende da quantidade de seguidores que estava a perder naquela altura. Situação similar assiste-se nos últimos 10 anos. Verifica-se uma Igreja velha, não atractiva por causa dos seus dogmas fechados em si mesma e a perder terreno para as “teologias da prosperidade” dos evangélicos. Frente a este quadro de declínio de adeptos que chamam pomposamente “crise de fé”, lá vem mais uma vez ela à flexibilizar seus preceitos morais, admitindo paulatinamente o uso do preservativo, o baptismo de crianças que nasceram fora do casamento e de mães separadas, flexibiliza a narrativa sobre a homossexualidade, etc. Diante destas mudanças, não se trata de espiritualidade, mas manter o poder. Tal poder de influência se pode manter com o maior número de “ovelhas possíveis”. O reposicionamento estratégico da Igreja diante das suas barbaridades, muitas vezes passa por pedidos de desculpas interesseiros como as de João Paulo II a propósito da posição do Vaticano frente ao holocausto. Ou ainda sobre as mulheres, expressa com as seguintes palavras: “Infelizmente somos herdeiros duma história com imensos condicionalismos que em todo os tempos e latitudes tornaram difícil o caminho da mulher, ignorada na sua dignidade, deturpada nas suas prerrogativas, não raro marginalizadas e, até mesmo, reduzida à escravidão. Isto impediu-a de ser profundamente ela mesma, e empobreceu a humanidade inteira de autênticas riquezas espirituais. Não seria certamente fácil atribuir precisas responsabilidades, atendendo a força das sedimentações culturais que ao longo dos séculos, plasmaram mentalidades e instituições. Mas, se nisto tiveram responsabilidades objectivas, mesmo não poucos filhos da Igreja”(CM, nº3, 2005, p.8). Ainda hoje, se o mundo tolera-se, seguramente os Senhores da Igreja recitariam este agradecimento como era costume entre os judeus: “Eu te bendigo ó Senhor nosso Deus, por não me teres feito mulher”.


Outro ângulo igualmente fascinante para analisar o “terror religioso”, é o filosófico que tem em Nietzsche um pensador chave. Na obra “O Anticristo”, basicamente o filósofo propõe um quadro valorativo completamente contrário ao do Cristianismo. O que para o Cristianismo é virtude para F. Nietzsche é vício. O homem seria um ser triunfante. De progresso e conquistas sucessivas, mas o mal que é a religião inibiu o homem de usar todas as suas potencialidades e capacidades para o progresso individual e colectivo. Nada mais credível que citar o filósofo em análise: “Não se deve adornar e enfeitar o Cristianismo: ele travou uma guerra de morte contra esse tipo superior de homem, ele prescreveu todos os instintos fundamentais desse tipo, ele destilou o mal, o homem mau, a partir desses instintos – o homem forte como o que há de tipicamente reprovável, o réprobo”(2008, p.17). O filósofo vai mais longe apresentando um conceito de Igreja como sendo “essa forma de hostilidade mortal a toda rectidão, a toda altura da alma, a toda disciplina do espírito (razão), a toda humanidade franca e benévola.”(2008, p. 68).


Concluindo, o velho Nietzsche afirma que a “nossa época é sabedoria… o que no passado era apenas doente, hoje se torna indecente – hoje é indecente ser cristão. E aqui começa meu nojo. – Olho em torno: não restou uma só palavra daquilo que outrora era chamado verdade, nem sequer suportamos mais quando um sacerdote apenas pronuncia a palavra verdade. Mesmo com a mais modéstia reivindicação de rectidão, hoje é preciso saber que um teólogo, um sacerdote, um Papa, não apenas erra a cada frase que pronuncia, mas mente – que ele não tem mais a liberdade de mentir por inocência, por ignorância. O sacerdote, tanto quanto qualquer um, também sabe que não há mais nenhum Deus, nenhum pecador, nenhum Redentor – que livre arbítrio, ordem moral do mundo são mentiras: a seriedade, a profunda auto-superação do espírito não permitem a mais ninguém a não saber a respeito disso. (…) O próprio sacerdote é reconhecido como aquilo que é, como a mais perigosa espécie de parasita, como a verdadeira aranha venenosa da vida… Hoje nós sabemos, nossa consciência sabe – qual é afinal o valor que tem, para que serviram essas sinistras invenções dos sacerdotes e da Igreja com que se alcançou esse estado de auto-violação do homem capaz de provocar nojo no seu aspecto – os conceitos Alem, Juízo Final, Imortalidade da Alma, a própria Alma; isso são instrumentos de tortura, são sistemas de crueldades graças aos quais o sacerdote se tornou senhor, permaneceu senhor…”(2008, p.69-70).