Luanda - Foi a enterrar, há dias, no Cemitério da Sant’Ana, em Luanda, uma das suas Personalidades Sociais mais irreverentes e conhecidas. Sobretudo, pelas gerações de 50/60/70. João Marques Falcão, o Pinho. O seu elogio fúnebre coube a um «camba» de longa data, o Andrade Silva (Manico), que o fez na presença de centenas de pessoas, entre familiares, amigos e outros, que testemunharam a sua descida à tumba, em cerimónia concorrida e comovente. (Ele foi vítima de assassinato, na terça-feira da semana passada, em casa da família, por desconhecidos).

Fonte: SA

Em jeito de homenagem, trazemo-lo aqui, para que conste. Ei-lo:

«Catorze (14) de Abril de 1955 a 05 de Agosto de 2014.Foram 59 anos de uma intensa vida, que Deus destinou ao ilustre cidadão desta cidade de Luanda, João Marques Falcão. Simplesmente Pinho. Tempo suficiente, para marcar a sua época, deixando a sua marca pessoal em tudo o que foi e fez. A marca ‘Pinho das Bês’ era inconfundível. Significava que, por detrás dela, vinha a figura carismática do Pinho.

Estamos no Bairro Novo de São Paulo, onde confinavam as Bês e as Cês. É aqui que começa a saga do ‘nosso grant’s’, como lhe chamávamos, e ele gostava. Na sua juventude, começou a dar nas vistas, trajando roupas modernas, de marcas mundialmente conhecidas: Lois, Lewis, Wrangler, Lacoste, Lafinesse, etc... Estamos recordados (alguns de nós), de o acompanhar à sapataria ‘Cybelles’, à Rua Pereira Forjas, hoje Amílcar Cabral, e a empregada de balcão atendê-lo com a maior deferência:

- Falcão! Hoje não temos sapatos para ti. Os teus calçados ainda não vieram da Metrópole (leia-se, Lisboa).

Em plena era colonial, o Pinho já era um jovem intransigente, irrequieto e extrovertido por excelência. Com apenas 16/17 anos. E, já com 18 anos, era, segundo voz corrente, o único negro da cidade de Luanda, nesta faixa etária, que possuía motorizadas de alta cilindrada, tais como a Honda 7 e meio.

Pouco tempo depois, estava ele a conduzir automóveis de marcas luxuosas como Alfa Romeo, Wollksila e BMW. Exímio futebolista, para além de praticante de natação e ginástica, o Pinho inspirava-se nos lutadores de artes marciais dos filmes que via no Cine N’gola, São Domingos, Cine império e Cine Avis. A propósito das Artes Marciais, costumava gabar-se: «O Homem que come muito, pensa pouco».

Era igualmente amante do motocross. É esta figura emblemática de Luanda, que, em 1974, na companhia do seu amigo Zé Gato, logrou ludibriar as autoridades alfandegárias portuguesas, numa longa viagem até à Suíça, passando por Portugal e Espanha. Para tal proeza, usaram cédulas marítimas. Inteligente e astuto, o Pinho lembrava os grandes heróis negros norte-americanos.

Aquando da vinda a Angola do carismático artista norte-americano Percy Sledge, em 1973, numa das suas actuações no recinto do Benfica de Luanda (actual sede do Petro), trajando calças boca de sino, cabelos à Jimmy, sapatos de tacão alto e camisola sem mangas, de maneira extravagante, nenhum porteiro ou segurança lhe pôs entrave,

pensando tratar-se de um elemento da comitiva do grande cantor norte-americano. Enfim! Tudo isso merecia figurar num livro a ser escrito. O ano passado, ainda em vida, portanto, o Pinho foi justamente homenageado como Personalidade do Ano/2013 do bairro Nelito Soares, sucedâneo dos antigos bairros de São Paulo, Caputo, Bairro Indígena, Cacimba e Vila Alice, em que se incluem as Bês e as Cês. Finalmente, além de sermos amigos, o que me qualifica a estar aqui a prestar a última homenagem ao Pinho, em nome de todos, temos sobrinhos em comum.

Neste momento de dor e luto, desejamos que a sua alma descanse em paz, ao lado do Senhor».

(*) Jornalista e escritor