Luanda - Com os executores presos, e em vias de julgamento, resta saber, agora, quem mandou matar e quem deu as características particular da vítima e do carro que conduzia.

Fonte: A Capital

"Resta saber, agora, quem mandou matar"

Na quarta-feira, 3, teve inicio na 4ª secção do Tribunal Provincial de Luanda, a fase de instrução contraditória do julgamento dos supostos assassinos da cidadã Adélia Teresa Joaquim Bento da Silva, irmã mais nova do governador provincial de Luanda, Bento Bento (na foto).

Nesta fase, que é uma espécie de antevisão do julgamento, os interveniente do processo entre réus, declarantes e testemunhas serão submetidos alguns interrogatórios. Mas o momento mais aguardado é, mesmo, a audição a José Domingos da Silva, esposo da malograda que, a julgar pelos indícios no processo, é suspeito de envolvimento na execução da própria mulher.

Este jornal teve acesso ao processo do assassinato da malograda Adélia Teresa Joaquim Bento, onde conta-se ao pormenor como tudo aconteceu. O tribunal procura, agora, esclarecer as pontas soltas deixadas no decurso da instrução preparatória.

Lê-se no processo que os réus Ariclene Guilherme dos Santos, vulgo Adi, e Paulo António de Almeida, mais conhecido por Lilas, ambos com 19 anos, no interrogatório datado de 06 de Março de 2014, confessaram terem sido os melhor executores do crime, em conformidade com a acusação que sobre eles impende, a de de prática de roubo concorrido com homicídio voluntário.

Contam que no dia 13 de Fevereiro do ano em curso, por volta das 8 horas, foram convidados a ir à área do José Pirão onde receberam de Tomás Migochi Gomes, vulgarmente conhecido por Manucho, 20 anos, uma motorizada de marca YB. Sob as instruções deste, foram fixar-se no Baleizão, enquanto Manucho monitorizava a vítima ao pormenor.

Entretanto, Adi e Lilas, por volta das 16 horas, voltaram a receber instruções de Manucho para deslocarem-se, então, à Maianga, devidamente munidos de referências sobre Adélia Joaquim Bento da Silva. Já sabiam, de antemão, como estava vestida, marca e cor da viatura e, inclusive, os pormenores particulares do veículo em que se fazia transportar a vítima. Era um Land Cruize V8, com os vidros enegrecidos, sendo os traseiros mais escuros que os dianteiros.

Já nas proximidades do Supermercado Martal, Ariclene Guilherme dos Santos, o Adi, desceu da motorizada que os transportava, interceptado a viatura da vítima, batendo no vidro do lado motorista.

A ideia era forçar a vítima, que circulava sozinha, a baixar o vidro e entregar a pasta onde supostamente continha uma levada quantia. Assustada com a situação, aquela indefesa mulher não cedeu e, fazendo pior, acelerou ao ponto de transpor o separador, pondo-se a circular em sentido contrário, fugindo dos assaltantes. Adi, entretanto, pendurou-se tal qual um macaco na viatura, de arma em punho.

Todo o esforço da vítima foi vão. A sua viatura foi embater frontalmente contra outra, que seguia em sentido ascendente. Sem meias medidas, Adi aproveitou o momento e fez dois disparos contra a vítima. Um atingiu-a no abdómen, e outro partiu o vidro traseiro e facilitou a abertura das portas da viatura.

Após isso, a malograda, sem se aperceber que tinha sido atingida, abandonou a viatura em correria e aos gritos, enquanto o seu algoz friamente abriu a mala, retirando uma carteira de cor castanha que, a julgar pelo volume, deduziu que lá tivesse o dinheiro.

Nessa altura o seu comparsa Lilás que mantinha o contacto telefónico com Manucho, que coordenava tudo à distância, informou que a pasta que continha o dinheiro não era aquela e que voltasse para o carro a fim de a encontrar. Ao voltar, constatou que, além daquela que tinha em sua posse, não achou a outra, regressando com a que tinha encontrado inicialmente. Ao abandonar pela segunda vez, Manucho por via Lilas, insistiu que a pasta se encontrava mesmo no veiculo e que a fosse buscar. Ao regressar, porém, encontrou o local rodeado já de curiosos pelo que desistiu de tal tentativa.

Dada a persistência de Manucho que fosse buscar a pastar na viatura, Adi retorquiu perguntando onde o mesmo se encontrava, pois dava a entender que estava nos arredores e no interior de uma viatura. “Ele disse-me que estava ali próximo e que nos via”, frisou Adi.

De seguida, Adi regressou até onde estava Lilas com a motorizada e puseram-se em fuga para depois encontrarem-se com Manucho nas imediações do Centro Recreativo Kilamba, bairro Nelito Soares, ao Município do Rangel, onde aproveitaram a ocasião para revistar a carteira. Para a tristeza do trio, não havia valor nenhum na carteira, contendo apenas os documentos pessoais da malograda. Assim, deitaram a pasta por baixo de uma roullote abandonada.

Os marginais confessaram ainda, que além da carteira, subtraíram da malograda dois telemóveis, tendo um deles ficado com o próprio Adi ao passo que o outro ficaria com o Lilas mas acabaria por vende-lo a Manucho pelo valor de dois mil kwanzas.

Adi, o autor dos disparos que matou a irmã do Governador da Província de Luanda, Bento Bento, disse que alugou uma pistola de marca Jericho por 20 mil kwanzas, a um amigo identificado apenas por Zinho, residente no bairro Benfica.

Porém, Tomás Migochi Gomes, vulgo Manucho, 20 anos de idade, acusado de ser o coordenador do crime de roubo concorrendo com homicídio voluntário, recusa categoricamente os crimes que lhe são imputados.

Lê-se no processo-crime que nos dias 8 de Março, ouvido pela Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC), e 20 de Maio pela Procuradoria Geral da República, ele clamou por inocência nos seguintes termos: “eu não aceito a participação neste crime e não sei as razões que levaram o senhor Lilas apontar-me como o coordenador da acção que culminou com a morte da senhora”, disse.

Recusou também ter sido ele quem forneceu a motorizada que Lilás e Adi usaram no crime. Questionado porque com tanta gente para indicar Lilas só escolheu a si, respondeu que não fazia a mínima ideia, mas aludiu a uma conversa em que Lilas lhe terá dito que “citou o meu nome devido a tortura que o mesmo foi submetido pela Polícia no sentido de confessar o crime”, acusou.

Perguntando onde conheceu Lilás, respondeu que foi no período em que pretendia comprar um veiculo de marca I10, pelo qual encontrou-se com Lilas na casa de Alexandre da Cruz.

Questionado ainda onde encontrou o dinheiro para comprar a viatura de marca Hyundai Accent, no valor de 16 mil dólares, disse que apesar de trabalhar como mecânico, aquela viatura lhe foi oferecida pela sua mãe.

A captura dos marginais

Depois de cometerem, o crime o trio foi esconder-se no município do Cazenga, bairro da Cuca, concretamente na residência do cidadão António Cadete da Silva, mais conhecido por Ti Dinheiro. Os mesmos foram detidos no dia 5 de Março na residência de Ti Dinheiro que, ao se deparar-se com a presença da Polícia, abriu fogo contra as forças da ordem, usando para o efeito uma arma do tipo AKM com cano cerrado, tendo sido alvejado mortalmente.

Curiosamente, na mesma residência foram encontradas a pistola usada no crime com o número de registo 38328432 e a AKM cano cerrado com o número de registo 1963E92043, em posse de Ti Dinheiro. Na mesma senda foi igualmente recuperada a carteira da malograda que havia sido deitada por baixo da roullote abandonada.

Quem foi o mandante?

A pergunta que não se quer calar é: quem brindou os marginais com informações privilegiadas, segundo as quais a vítima Adélia Teresa Joaquim Bento da Silva, 45 anos, levantaria 30 mil dólares no seu local de trabalho, isto é, Banco de Poupança e Crédito (BPC), naquele dia e sairia do serviço aquele hora, a característica da viatura e roupa que trajava?


Para muitos, há indícios que levantam suspeição sobre José Domingos da Silva, o esposo da malograda. Eurico Bento, irmão mais novo da malograda, quando ouvido no dia 18 de Março pela DPIC e questionado sobre o relacionamento da irmã, disse que tinha sido informado recentemente que a relação do casal não era das melhores, assim como não sabia dizer a quem pertencia o dinheiro que a mesma levantou, isto é, se era da malograda ou do marido.

José Domingos da Silva já no dia 01 de Abril, período em que foi ouvido na DPIC, disse que por volta das 18 horas do dia da ocorrência recebeu o telefonema da esposa, numa altura que estava próximo de casa, isto é, no Lar Patriota, que dizia o seguinte: “amor, deram-me um tiro aqui na António Barroso ao lado da Martal, posteriormente desligou o telefone e jamais voltei a falar com ela”, frisou.

Conta que tão logo recebeu o telefonema fez inversão de marcha foi até ao local em causa, mas antes ligou também para o irmão desta, no caso para Eurico Bento, que já estava na Clínica Girassol onde a vítima recebia os primeiros socorros.

Por volta das 20 horas, disse que abandonou a clínica e dirigiu-se até ao local da ocorrência onde encontrou a Policia a realizar a peritagem na viatura pelo que foi informado que posteriormente poderia levar a mesma para casa e foi assim que alguém ligado a família a levou até a casa da sua sogra, sito no bairro Cassenda.

Passados dois dias com a mulher ainda internada nos cuidados intensivos a lutar entre a vida e a morte, ele foi a casa da sogra em companhia de um amigo buscar a viatura, onde, supostamente, ainda se encontrava a pasta com o dinheiro que jamais voltou a ser visto.

O marido questionado sobre o que sabe do presumível dinheiro que a malograda teria levantado da Agência Bancária onde trabalhava declarou que “apenas fui informado dias depois por colega dela que apenas conheço por Joana que informou-me que ela tinha levantado no seu caixa uma quantia de dinheiro que não especificou”.

Questionado sobre a origem do dinheiro, uma vez casados por comunhão de bens, respondeu: “nós tínhamos falado da necessidade de retirar algum dinheiro no banco para comprarmos algum material para a obra que estamos a fazer, mas não especificamos quando levantaria e muito menos o valor inclusive dada a necessidade dei-lhe o meu Bilhete de Identidade já que por norma sempre que ela levantasse dinheiro da minha conta, deixava sempre uma cópia do BI”.

Por outro lado, acresceu que a esposa poderia tirar dinheiro na conta dela ou dele porque a mesma era sua segunda titular. “Nelas tinha bastante dinheiro porque nós possuímos uma empresa de Comércio Geral, Agricultura, Pescas e Construção Civil denominada Organizações Sonhos Loucos”, justificou.

José da Silva mostrou-se estupefacto porque, normalmente, a esposa sempre que tivesse de levantar elevadas somas pedia para o acompanhar, mas naquele fatídico dia isso não aconteceu. Assim como soube por terceiros que a mesma levantara naquele dia três milhões de kwanzas.

O declarante também deixou claro que a sua relação era boa assim como nunca ouviu reclamações de terceiros contra a esposa, frisou também que dificilmente movimentava as contas bancárias de ambos. Quem o fazia, regra geral, era a malograda, funcionária do Banco Poupança e Credito (BPC) e por este facto não tinha necessidade para tal.

Já a colega Joana Domingos Pascoal dos Santos, ouvida na DPIC no dia 14 de Fevereiro do corrente, uma vez que, como atendente de caixa, ajudou a malograda, por volta das 13 horas, a efectur o levantamento dos três milhões.

Na ocasião confirmou que a malograda levantou do seu caixa três milhões de kwanzas e mais tês mil dólares e, por volta das 8 horas do dia seguinte, foi surpreendida com a informação de que aquela tinha sido assaltada e baleada por marginais. Por outro lado, a mesma disse não ter passado informações a ninguém e a seu favor recai o facto de os marginais já possuírem a informação que a vítima levantaria aquele valor a partir das 8 horas do dia da ocorrência.

Por falta de confiança advogado apeado do caso

O julgamento que ainda não teve início como tal já começou a criar grandes tensões. É que, inicialmente, a malograda seria representada por Sérgio Raimundo, mas em última hora a família decidiu substituir o advogado por quem granjeasse mais confiança.

Desta feita, a escolhia recaiu para o não menos conhecido advogado Mbiavanga Rogério Manuel que vai ter agora a missão de atingir os objectivo da família da malograda que não querem nada mais do que justiça. Por outro lado, os réus serão defendidos pelo escritório de Luís do Nascimento.

Entretanto, no processo serão ouvidos 16 pessoas entre declarantes, testemunhas e réus. O mesmo será conduzido pelo juiz Eduardo Moisés Luacute Samuco.

Mariano Bras