Luanda – O diretor nacional dos Serviços Penitenciários defendeu, em entrevista ao Jornal de Angola, a a­dopção de uma perspectiva mais humana no tratamento dos reclusos. No cargo desde Fevereiro deste ano, o comissário prin­cipal António Joaquim Fortunato enumera uma série de medidas a serem tomadas para re­estruturar o Sistema Penitenciário, torná-lo sustentável e capaz de reeducar de facto os cidadãos privados de liberdade.


Visitas conjugais só é disponíveis para reclusos de Luanda

Fonte: JA
DN dos Servios Penitencirios.jpg - 59.35 KBQue novas ideias pretende introduzir nos Serviços Penitenciários?
Começamos por introduzir mudanças ao nível do próprio raciocínio penitenciário, ao incutir nos nossos efectivos a mentalidade de que o recluso é um ser humano. A sociedade tem de afastar a ideia de que as cadeias são locais onde se guardam indivíduos inúteis. Pretendemos uma maior equiparação no tratamento entre o recluso e agente penitenciário. Colocamos um psicólogo a dirigir a área de reeducação penal, por ser a arma principal do sistema penitenciário, a que vai permitir uma reintegração social normal dos reclusos.

Os reclusos já participam em actividades produtivas?
Pretendemos fomentar o trabalho da reeducação penal para fazer com que os reclusos se integrem mais no trabalho social e na actividade produtiva, quer no sentido lucrativo quer no da formação profissional. Uma vez terminada a pena, eles levam consigo uma profissão e trabalham para dar resposta às necessidades.

Existem projectos para rentabilizar a produção agro-pecuária feita pelos reclusos?
Queremos criar um sistema penitenciário lucrativo com base na produção industrial e agro-pecuária. O programa “Novos Rumos e Novas Oportunidades” é de cariz lucrativo e visa a obtenção de fundos próprios para colmatar as dificuldades financeiras que existem e apoiar outros órgãos do Ministério do Interior. Trabalhamos também na melhoria das condições dos efectivos, os salários foram aumentados e a remuneração é feita mediante a patente.

O tratamento dado aos reclusos ajuda a evitar a reincidência?
No novo Estatuto Orgânico do Ministério do Interior, o Serviço Prisional passou a denominar-se Sistema Penitenciário. Isso porque o raciocínio em volta do que é prisional é muito restritivo. Há várias tendências jurídicas, psicológicas, psiquiátricas e antropológicas que defendem que o homem, quando privado de liberdade, deve ser tratado no sentido de assimilar novas ideias para impedir a reincidência.

Mas a reincidência passa também pela falta de emprego.
Estamos a trabalhar na criação de novas áreas, como a reinserção social, que vai fazer o acompanhamento dos reclusos postos em liberdade e fazer com que prestem serviços úteis à sociedade e afastem a possibilidade de cometer crimes.

Como combater o excesso de população prisional em Luanda?
Isso passa pela transferência de reclusos na cadeia da Damba em Malanje onde temos 1.700 vagas, e 700 vagas no Kapolo no Bié que ainda não estão a funcionar. Luanda tem cerca de 1.040 reclusos em excesso de prisão preventiva. Uma vez consolidada essa transferência evitamos estes casos. Nós temos 39 estabelecimentos prisionais em Angola.

agressao 1.jpg - 20.39 KBVão continuar a ser construídas cadeias para transferência de reclusos?
Vamos suspender a construção de cadeias e melhorar as que já existem. Temos cadeias com debilidades arquitectónicas e vamos reforçar os cordões de segurança. Pretendemos reabilitar e modernizar as cadeias e introduzir meios modernos de gestão e controlo de reclusos, e condições de habitabilidade para os efectivos que trabalham em zonas distantes de casa.

Os cordões de segurança não são os mais desejados?
Os cordões de segurança devem ser encarados numa perspectiva dinâmica e não apenas estática. Por exemplo, um muro de uma cadeia, deve ter mais de três metros para impedir que o recluso pense em fugir. A segurança dinâmica passa pela formação do homem. Precisamos de 2.500 efectivos para atender uma população de 22 mil reclusos.

Continua a registar-se a introdução de drogas nos estabelecimentos prisionais?
Existe tráfico e consumo de drogas nas cadeias do país. Não devemos esconder essa realidade. É uma forma de alertamos as pessoas que estamos atentos a essa situação. Por isso, pretendemos pôr fim à entrada de comida confeccionada em casa. Estamos a trabalhar para reforçar e melhorar a dieta alimentar dos reclusos.

Como é que a droga entra, se existe um sistema de segurança que controla as entradas e saídas?
Parte da droga entra pela comida vinda de casa e em outros objectos. Temos meios técnicos que permitem alertar e vigiar, mas é muito complicado. Por isso, a segurança não pode ser apenas dinâmica. Temos homens com outros problemas e não estão livres da corrupção.

Em relação à comida, há reclusos doentes com alimentação específica como os diabéticos, por exemplo?
Estamos a modernizar o sistema prisional com a introdução de novas condições para que os reclusos não recebam comida vinda de casa. Só reclusos com uma dieta especial vão receber alimentação de fora. Aí cortamos em 50-60 por cento a entrada de drogas.

O Sistema Penitenciário tem funcionários dedicados ao trabalho.
Alguns agentes entendem mal o seu papel no sistema prisional. Acham que o sistema ajuda-os a perseguir interesses individuais. Estamos a trabalhar para detectar esses indivíduos. Estamos a louvar agentes que trabalham com abnegação e disciplina. Estamos a fazer todos os esforços para melhorar os salários. Houve agora um incremento salarial e estamos a tratar da motivação dos efectivos, com a reposição dos postos e distintivos.

Existe diálogo regular entre os agentes prisionais e reclusos?
Há maior diálogo e coordenação com os reclusos e estamos a separá-los por tipo de crime. A ideia é agrupá-los numa determinada brigada mediante o crime cometido. É uma actividade que está a ser feita com cuidado, porque a separação deve ter em conta o aspecto físico e arquitectónico das cadeias.

Os jovens que entram para as novas cadeias recebem alguma formação?
Temos em funcionamento o Centro de Jovens do Waco Cungo, onde os detidos dos 16 aos 21 anos, vindos de Luanda, Huambo e Bié, aprendem artes e ofícios.

O sistema tem quadros para atender o número de presos.
Luanda tem mais de sete mil reclusos e só a cadeia de Viana tem mais de cinco mil. Temos 105 reeducadores e, destes, só 80 trabalham de facto. A ideia é ter um reeducador para cada 35 reclusos. Os reeducadores vão trabalhar com dois a três psicólogos, para que, na ausência de um, o outro possa substituir.

Que acompanhamento tem o recluso quando volta à liberdade total?
Esse acompanhamento é feito apenas aos que saem em liberdade condicional, porque são obrigados apresentar requerimentos às empresas empregadoras.

Ainda se registam casos de maus-tratos nas cadeias, como vimos em vídeos publicados na Internet?
O sentido de humanidade para com os reclusos tem de ser cumprido porque a nossa disciplina e organização permite afirmar isso. Os reclusos não têm que ser maltratados nem enxovalhados.  Quem maltratar um recluso é sancionado. Há neste momento um processo de inquérito no Bengo sobre uma denúncia de maus-tratos.

Viu as imagens de maus-tratos? Como qualifica aquela situação?
É de uma desumanidade incrível. Nunca imaginei ser possível alguém ter tanta crueldade para agir daquela forma. A maior parte destes efectivos foi expulsa do Ministério do Interior. Visito com regularidade as cadeias, inclusive de forma inesperada.

Há reclusos que dão muito trabalho para serem reeducados?
Temos de olhar para os reclusos como seres humanos, embora reconheçamos existirem reclusos maldosos, que desafiam os efectivos. São estes jovens que, quando são libertados, cometem crimes violentos.

Que tipo de acompanhamento têm as reclusas gestantes?
Está em curso a construção de uma creche junto da cadeia feminina para tratar dos filhos das reclusas. As mulheres têm estado envolvidas em trabalhos diversos e beneficiam de acompanhamento psicológico.

As visitas íntimas funcionam em todas as cadeias do país?
Temos vários actos jurídicos importantes, segundo o que defende o Direito Penitenciário, um dos quais é a visita, no sentido de se esta é benéfica para o recluso, incluindo a visita íntima. Temos as visitas conjugais, com quartos disponíveis para o efeito só em Luanda.

Porque só em Luanda?
A visita conjugal persegue a relação sexual. Se é isso que se pretende, é preciso haver um conjunto de situações em volta dessa questão. Estamos a trabalhar no regulamento relativo a este aspecto. A visita é um direito que o recluso deve conquistar mediante o bom comportamento.

Quanto é que o Estado gasta por dia com cada recluso?
Estudos feitos em tempos apontavam 30 dólares. Hoje, está entre 35 a 40 dólares vezes os mais de 22 mil reclusos existentes nas cadeias do país. Só recebemos cerca de sete por cento desse valor. Mas há investimentos em curso e a direcção do Ministério do Interior tem apoiado, porque queremos revitalizar a produção agro-pecuária e industrial para melhorar essa quota.