Luanda - O resultado do PIB está a tornar Angola uma das economias que mais tem crescido a nível mundial. O gráfico que se nos apresenta realmente mostra que houve um trabalho que não se pode ignorar simplesmente. Porém, lançando o olhar à realidade deparamo-nos com situações desoladoras que contrastam com os argumentos apresentados pela média.

Fonte: Club-k.net

Política e Sociedade são as dimensões mais visíveis dos problemas fundamentais que assolam Angola. Se centrarmos a atenção nestes indicadores notaremos que as cidades estão a explodir de tanta gente, isso tudo porque o bendito progresso visa apenas os centros urbanos, deixando o campo no limiar da pobreza. Há demasiada desigualdade económica entre as 18 províncias o que força muitos a refugiarem-se na capital, Luanda, em busca de melhores condições de vida. Se percorrermos as zonas rurais bem como os centros urbanos o retrato que teremos de Angola é desanimador. Pois há uma desproporção entre o que a TV apresenta e o que a realidade evidencia.

A realidade política é deficiente. Lá na antiga Grécia quando se cunhou o termo, Política apontava para a organização da sociedade por meio da acção que tinha pressuposto na razão. Hoje, a realidade de muitos países, autoriza dizer que a Política é suja, corrompe, mente, manipula, leva à corrupção e ao roubo do bem público. Talvez seja por isso que não há transparência na gestão da coisa pública (Res Publica) nem seriedade e responsabilidade política. Outro dado curioso é a inexistência de alternância política; fica-se na ideia e tranquilamente os jovens gritam: «O país está cuyar».

Na verdade, ainda hoje a palavra democracia parece encerrar um certo mistério ao qual só têm acesso as mentes brilhantes ou iluminadas. Como é que um Estado democrático e de Direito não consegue conviver com diferenças? O futuro responderá, um dia...

A nossa sociedade é estruturada com muitas injustiças e gera, por isso, a delinquência. A delinquência vem a ser um denunciador social da ausência de saúde espiritual, moral e cultural.

Admira-me como as questões ligadas a educação e a saúde são encaradas de ânimo leve. Investe- se com reserva na educação e na saúde. A deficiência da saúde e da educação são demonstradas pelos que a implementam: eles e os seus formam-se fora, tratam-se fora e alegam desculpas que não convencem. Por isso muitos estudantes não têm profundidade de análise porque estudam em função do diploma e do emprego, e não por amor ao saber.

Não admira por que em Angola ficar doente é doloroso e perigoso; por que fomos “barrados” no Ranking das melhores universidades de África e por que a nossa educação não é reconhecida pela UNESCO! Um professor meu afirmava que ser professor ou médico é investir na pobreza, e parece que lhe vou dando razão. Vede a greve, as reivindicações dos professores na província da Huíla. Foi solucionada? Não, “apenas foi adiada”. Os tais de competência última nunca

cumprem com os acordos celebrados, disse-me com tristeza um professor. «Já me tornei indiferente à greve, porque a ditadura está muito clara! Percebi que eles nada farão, são apenas descontos (nos dois últimos meses -julho e agosto- os descontos são totais», desabafou outro professor no Facebook. Por que se cala o grito desta dor e se ignora a legitimidade das reivindicações geradas por vários factores dentre as quais as promoções de categoria e os subsídios salariais? Cala-se devido a fuga de responsabilidades por parte dos órgãos competentes.

Não se pode fechar os olhos às exigências de direitos democráticos: melhores salários, melhores condições de trabalho, melhores escolas, eficiência na saúde... a falta destas exigências levou-nos a desintegração antropológico-legislativa, pois que Angola consumiu muitas ideologias alheias ao povo angolano. Daí estar difícil emanar uma lei que tenha a ver com a nossa realidade. O que sempre foi caro a Angola é a tendência à imitação ou a recepção acrítica dos acontecimentos que vêm do norte, ou seja, do chamado primeiro mundo. Podemos entender desde aí a questão do Seguro automóvel que tem merecido muitas críticas, pois na sua formulação teórica diz muito mas na sua aplicação é um desastre. Prostituíram a lei em benefício de uma elite.

Os preços em Angola são meios de discriminação. Vá, por exemplo, a uma boutique ou a um stander de automóveis; os preços são aberrantes. Daí muitos irem pra lá e contemplam somente, levando na mente a beleza do que viram sem esperança de adquirir um dia. Por isso muitos pobres tornaram-se agressivos e não sabem mais se não ir contra o décimo mandamento. E os ricos? Muitos deles, atolados no seu monturo, vivem acobardados e insensíveis a dor dos que sofrem e não sabem senão esquecer o sétimo mandamento, dia e noite. Dá nervos a questão do salário; além de ser desproporcional, a demora faz com que muitos se encham de dívidas.

A tristeza do coração continua a definir de facto a nossa época e a mudança se tornou o inimigo público, as emoções e o medo da violência e da destruição deixaram o governo em estado de alerta, desconfiando de tudo e de todos.

A guerra acabou mas deixou suas marcas, instalou na sociedade angolana a cultura da morte (morrer por um telefone), da insensibilidade, da violência, do vandalismo, da ilegalidade, da mentira, do roubo, do álcool, da miséria, do mau exemplo. A mentalidade que continua a galopar e a impor-se é a mentalidade do mais esperto, do mais astuto, do mais forte: a vida decente pertence àqueles que fizerem da corrupção e da força, a norma de vida e do cargo que ocupam uma autopromoção. Por isso, hoje tudo é subjectivo e tudo é coordenado pelos interesses do partido no poder. A não defesa dos valores fundamentais da cultura levou a própria sociedade à crise. Talvez seja por isso que ainda lutamos com o problema da água e energia, apesar dos rios que serpenteiam por todo o país e que fazem de Angola uma Albufeira. E o petróleo? Foi utilizado para destruir, com a guerra, o país que vamos legar à posteridade, deixando-lhe, em vez do seu rico património, a destruição e a miséria como herança.

Algures na sociedade ouvi alguém dizer: «Angola começou mal a sua história política». Na verdade, essa expressão tem razão de ser. A nossa independência está ladeada de mistérios que poucos se atrevem a questionar. Passa-se sorrateiramente neste assunto e tranquilamente ignoram-se as diatribes subjacentes. No Nacionalismo angolano encontramos um rol de nacionalistas que lutaram para a independência de Angola; porém, admira-me como apenas um caiu nas graças da maioria e ganhou o título de herói nacional. Será justo? Só o tempo o dirá. Não há coerência quando o assunto consiste em abordar a história de Angola. Há repugnância para com a memória histórica; há pouca sinceridade em tratar as coisas com os jovens, “a nova edição” dos angolanos, que precisam conhecer os anais do passado, a fim de fazerem uma releitura ao passado, darem sentido ao presente, perspectivarem o futuro para serem cultores da sua história, cidadãos de seu tempo e donos do seu destino. Mas deixemos que a história siga o seu curso. Por questão de humildade não definamos a nossa época, deixemos que a posteridade interprete os acontecimentos do nosso tempo.

Mas a história não pode murchar nas nossas mãos, transmitamos fielmente as nossas tradições, a nossa cultura, pois a educação das futuras gerações passa pela força do exemplo, tal como diz o provérbio popular: “As palavras convencem, os exemplos arrastam”.

Quê exemplos recebemos dos mais velhos? Não sei, apenas percebi que precisamos de paradigmas; pois que a situação actual exige compreendermos Angola como um projecto de liberdade.