Luanda - Texto da Posição da UNITA apresentada os jornalistas pelo seu Presidente, Isaías Samakuva, sobre medidas de políticas para governar Luanda e Municípios.


Minhas senhoras e meus senhores:

O Titular do Poder executivo apresentou aos angolanos algumas medidas administrativas para melhorar a governação da província de Luanda. Chamamos os senhores jornalistas para transmitirmos aos angolanos, em particular aos munícipes da capital, a posição da UNITA sobre tais medidas.

Em nosso entender, as medidas anunciadas pelo Senhor Presidente da República violam a Constituição por omissão, são insuficientes, chegam muito tarde e não irão resolver os problemas dos munícipes.

O Presidente José Eduardo dos Santos falou mesmo em, cito, “promoção da governação participativa através da participação dos cidadãos na resolução dos problemas e no desenvolvimento do seu município”.

Ora, a Constituição estabelece que esta participação é feita no quadro da concretização do princípio da autonomia local.


Nos termos do artigo 214.º., “a autonomia local compreende o direito e a capacidade efectiva de as autarquias locais gerirem e regulamentarem, nos termos da Constituição e da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os assuntos públicos locais”. E este direito, só pode ser exercido pelas autarquias locais, e não pelos governos provinciais nem pelas administrações municipais.

As autarquias locais são entidades distintas da Administração Pública. São pessoas colectivas territoriais AUTÓNOMAS, quer dizer, distintas do Estado. Elas correspondem ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios representativos das respectivas populações.

Os assuntos específicos locais relativos ao saneamento básico, à gestão das redes públicas de água, à gestão do lixo, à educação das crianças, à saúde, etc. não são da competência do poder executivo do Estado. São da competência da Administração autónoma, que é constituída pelos cidadãos organizados em autarquias locais. A inexistência da administração pública autónoma constitui uma inconstitucionalidade por omissão.

O Senhor Presidente da República, ao procurar resolver os problemas dos munícipes de Luanda no quadro dos interesses da Administração central do Estado e não no quadro da administração pública autónoma, ou seja, e não no quadro dos interesses específicos das pessoas residentes nos municípios, vem prejudicar e protelar a criação efectiva das autarquias locais, ofendendo assim o princípio constitucional da autonomia local.

Por outro lado, as medidas anunciadas para Luanda ofendem também o princípio democrático. Nos termos do artigo 213º da Constituição, “a organização democrática do Estado ao nível local estrutura-se com base no princípio da descentralização político-administrativa,...”, e não com base no princípio da desconcentração administrativa.

Ora, as medidas anunciadas pelo Senhor Presidente da República visam a desconcentração dos serviços públicos e não a sua descentralização efectiva, como manda a democracia.

"Diz-se que a atividade é descentralizada quando é exercida por pessoas distintas do Estado....Na descentralização, o Estado actua indirectamente, pois o faz através de outras pessoas, seres juridicamente distintos dele, (como as autarquias locais) ainda quando sejam criaturas suas” .
Importa recordar que a descentralização não se confunde com a desconcentração.


A desconcentração é procedimento eminentemente interno, significando, tão somente, a substituição de um órgão por dois ou mais com o objetivo de acelerar a prestação do serviço. Na desconcentração o serviço era centralizado e continuou centralizado, pois que a substituição se processou apenas internamente.

Na desconcentração, as atribuições administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõem a hierarquia, criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre um e outros. Isso é feito com o intuito de desafogar, ou seja, desconcentrar, tirar do centro um grande volume de atribuições para permitir o seu mais adequado e racional desempenho.

Não é isto que a Constituição manda fazer. A Constituição manda-nos estabelecer os órgãos autónomos do poder local, cujos titulares terão de ser eleitos pelo povo e responsabilizados perante o povo.

A autonomia local implica descentralização territorial, ou seja, a negação da centralização no Estado de todas as tarefas político-administrativas. É bem sabido que a centralização implica a concentração do poder e assim a negação da autonomia local. Está aqui presente a separação vertical dos poderes que é uma dimensão da separação dos poderes muito cara à democracia. Ao lado da separação horizontal dos Poderes (Legislativo, Executivo e Judicial) temos a separação vertical.

Povo angolano:

O Titular do Poder Executivo anunciou que “A Administração Municipal deverá assim ter um Programa de Desenvolvimento, um Orçamento e um Programa Municipal de Investimento Público, a partir de Janeiro de 2015.”

Isto não chega. A Administração Municipal é um órgão dependente do Presidente da República, faz parte da Administração central do Estado. A Constituição manda o senhor Presidente largar o poder municipal e devolvê-lo aos cidadãos. Quem deve elaborar e aprovar os programas de desenvolvimento municipal são os cidadãos de cada município, através dos seus representantes eleitos nos órgãos das autarquias locais, que não dependem do Presidente da República.

Não deve haver mais administrações municipais dependentes do Titular do poder Executivo ou do governador provincial. É preciso cumprir a constituição, concretizando o princípio da separação vertical de poderes entre o Executivo central e os executivos de novos entes territorais que a Constituição manda a Assembleia Nacional criar.

Ao chefe de cada um desses novos executivos, a Constituição chama de “Presidente da Autarquia”, no seu artigo 220º. Sim, o Cazenga deve ter um presidente, Viana deve ter um Presidente, Cacuaco deve ter um Presidente, Belas deve ter um Presidente. Estes presidentes não devem ser nomeados pelo Presidente da República. Devem ser escolhidos pelos cidadãos de cada município em eleições livres, justas e transparentes. Podem ser membros de partidos políticos ou candidatos independentes.

São estes presidentes, e seus colaboradores, que devem elaborar em primeira instância os programas de investimentos públicos, os orçamentos e os planos de desenvolvimento dos municípios. E quem os aprova em primeira instância são também órgãos autónomos, que não estão sob o controlo do Presidente da República. São as assembleias municipais, compostas igualmente por representantes eleitos pelos cidadãos em eleições livres, justas e transparentes.

E não se trata apenas de melhorar a Corimba, é preciso melhorar a qualidade de vida de todos os angolanos ao mesmo tempo. Os planos para se fazerem mais duas ou três escolas na Corimba, duas ou três estradas municipais no Libolo, mais duas ou três estações de tratamento de lixo no Luena, são decisões dos respectivos governos municipais a serem aprovadas pelas respectivas Assembleias Municipais, não pelo Titular do poder executivo.

Por outro lado, estas medidas chegam tarde. Devo referir que em Maio de 2010, depois de termos visitado durante seis semanas dezenas de empreendimentos e instituições nas nove municipalidades de Luanda e completado um diagnóstico preliminar, apresentamos ao Governo de Luanda, a “Contribuição da UNITA Para a Gestão Sustentável de Luanda”.

O que dissemos naquela altura continua válido hoje:

• Luanda tornou-se ingovernável no quadro institucional actual. Luanda não tinha, e não tem um Plano Director. Não tem fiscalização à altura. O próprio desordenamento de Luanda propicia construções anárquicas e outros esquemas de sobrevivência. Passaram-se quatro anos, e o governo não foi capaz de elaborar um Plano Director.


• O sistema de ensino, os sistemas de produção, a saúde, o sistema de recolha de lixo, o sistema de distribuição de água e luz, as redes públicas, o sistema de circulação rodoviária, estão todos engarrafados. Passaram-se quatro anos, mudaram-se os governadores, mudaram-se os administradores. Mas o chefe dos governadores, não foi capaz de resolver estes problemas.


• Dissemos na altura que as pessoas correm para Luanda, porque é em Luanda que se concentra a riqueza e se apresentam maiores oportunidades de sobrevivência, exactamente porque as políticas do governo não fomentam a criação de empregos nem de grandes oportunidades no interior do país. E Luanda já esgotou a capacidade de oferta de empregos para a população economicamente activa que possui.

• Portanto, sejam quais forem as razões, a taxa actual de imigração e o ritmo de crescimento desordenado ultrapassaram já a capacidade humana de gestão e a capacidade física dos equipamentos, em todos os municípios de Luanda.

• Os efeitos da cidade periférica e ilegal também comprometem a gestão da cidade urbanizada, porquanto a cidade periférica, (a) satura, sabota ou rebenta as redes públicas e os sistemas de fornecimento de serviços de água, electricidade e saneamento; (b) acentua a exclusão social; (c) provoca o incremento dos congestionamentos; (d) desvia recursos públicos; (e) promove o stress, o crime e a violência; e (f) acentua os processos de segregação e de discriminação.

• Portanto, Luanda só será governável quando a nível macro se desenvolverem políticas eficazes e consensuais para se estancar a imigração e o crescimento desordenado da capital .

Povo angolano:

Reiteramos aqui a posição da UNITA expressa em três pontos fundamentais:

1) Angola precisa de descentralizar o desenvolvimento para harmonizar o crescimento. A resolução dos problemas de Luanda está intrinsecamente ligada à implementação consensual de medidas estruturais de fundo para o reordenamento do território e para o repovoamento do país.

2) Enquanto Luanda não tiver um estatuto de responsabilidade político-administrativa autónomo, no quadro da implementação das autarquias locais e um Plano Director vinculativo a ser respeitado pelos futuros governos, Angola vai gastar muito dinheiro em vão.

3) Urge estabelecer, a nível do Parlamento, um Acordo político, através do qual, os representantes do povo auscultem os cidadãos para se encontrarem medidas de política estruturais, inclusivas e consensuais, para desacelerar o crescimento de Luanda e acelerar o crescimento harmonioso do interior do país.

Em 2010, propusemos alargar Luanda estendendo as suas fronteiras, para permitir a construção e gestão descentralizada de novas redes viárias e ferroviárias, novos pólos industriais, novos parques e novas cidades satélite, entre o Rio Logi, a Norte, e o Rio Longa, a Sul e a Província do Kwanza Norte, a Leste.

Propusemos para esta nova província de Luanda a consagração da Região Metropolitana de Luanda, um ente territorial dotado de personalidade jurídica própria, a quem a República transfere competências políticas, regulamentares e administrativas.

Um ano depois, o Executivo agarrou a proposta, copiou uma parte dela, mas não teve a coragem de implementar a efectiva descentralização. Estendeu apenas as fronteiras da província, mas não conferiu autonomia de gestão. Agora pretende dar outro meio passo. Quer apenas desconcentrar os serviços públicos e transformar as administrações municipais em centros orçamentais, quando a Constituição manda criar “novos entes territoriais”, distintos e autónomos do poder do Estado. A Constituição manda os cidadãos eleger Presidentes Municipais para cada um deles governar o município. A eles devem ser atribuídas verbas directamente pela Assembleia Nacional. Tais verbas devem ser geridas de forma autónoma e responsável. A fatia da Cidade Alta deve diminuir e a fatia dos cidadãos deve aumentar. É isto o que a Constituição manda fazer, criar um ambiente democrático descentralizado. Não é possível governar Luanda sob a dependência do Poder executivo central. A gestão dos municípios de Luanda e de todos os outros municípios do país tem de sair da alçada do poder executivo central. Deve passar para os cidadãos, sem mais demora.

Do nosso ponto de vista, a dimensão dos problemas de Luanda exige a criação de duas ou mais autarquias de nível supra-municipal, com atribuições nos domínios da educação, saúde, energias, águas, equipamento rural e urbano, património, cultura e ciência, transportes e comunicações, tempos livres e desportos, habitação, acção social, protecção civil, ambiente e saneamento básico, defesa do consumidor e polícia municipal, como estabelece a CRA nos seus artigos 218º e 219º.

Angola precisa de organizar as suas autarquias locais e de eleger com urgência os três órgãos do poder autárquico, que a Constituição prescreve no seu artigo 220º, que são as Assembleias Municipais, dotadas de poderes deliberativos, os órgãos executivos colegiais e os Presidentes das Autarquias.

O tempo dos governadores e administradores nomeados por um só Partido, acabou. Angola precisa de cumprir a sua própria Constituição para efectivar a descentralização. Já perdemos muito tempo. Precisamos de substituir a Administração local, subordinada a um só homem, pelo Poder Local, que tem órgãos próprios, representativos das respectivas populações e eleitos por elas.
Sem autarquias com órgãos eleitos pelo povo, com recursos financeiros próprios, e autonomia de gestão administrativa, os problemas de Luanda e do país não serão resolvidos.

Convite ao Senhor Presidente da República

É pena que o Senhor Presidente da República tenha reconhecido só agora que um governador ou um administrador de uma grande cidade não deve acumular essas funções com o cargo de primeiro secretário do MPLA. Convidamos o Senhor Presidente a alargar esta medida para todo o país. E que, enquanto aguardamos que a Assembleia Nacional aprove a Lei das Autarquias Locais, os governadores provinciais concentrem-se apenas em questões de governação, que governem para todos os cidadãos, e deixem de actuar como agentes promotores da intolerância e da exclusão.

E o exemplo poderia bem vir de cima. Convidamos por isso o Senhor Presidente da República a libertar-se também das funções partidárias para servir o país de forma apartidária, como presidente de todos.

Muito obrigado.