Luanda - Vários sectores da sociedade têm manifestado o seu desgosto pelo facto de nenhuma universidade angolana fazer parte, mais uma vez, do Ranking 2013 das 100 Melhores Universidades de África.

Fonte: Club-k.net

Nuno Dala.jpg - 34.91 KBNesta lista os três primeiros lugares são ocupados por universidades sul-africanas (que predominam na lista a par das universidades egípcias e nigerianas).

Dos países de língua portuguesa estão presentes a Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique, na 43a posição) e a Universidade de Cabo – Verde (Cabo-Verde, 95a posição).

Obviamente, nesta lista, as universidades foram posicionadas em função do grau de cumprimento/satisfação dos requisitos técnico-científicos, como os seguintes: (1) número das faculdades e seu rendimento; (2) nível dos professores e suas produções científicas assim como publicações; (3) pesquisas relevantes e as revistas científicas que publicam os resultados; (4) universidade ao serviço da comunidade; - rendimento estudantil verificável no mercado de trabalho; (5) realizações de actividades extra-académicas, colóquios e a importância das recomendações assim como a concorrência da excelência professoral.

De facto, as universidades angolanas não cumprem estes requisitos, facto que remete as mesmas numa categoria de instituições de ensino superior sem prestígio em África.

Tal como exposto acima, os critérios de selecção das melhores universidades africanas se traduzem em elementos qualitativos que não existem nas universidades angolanas, incluindo – obviamente – as universidades e os institutos superiores privados.

Uma característica marcante nas universidades angolanas é o ensino livresco, que se repercute numa aprendizagem também livresca. Embora certamente não seja esta realidade verificável em todas as universidades das dezenas que há no país, frise-se que tais são raríssimas excepções à regra de um conjunto de instituições superiores de ensino livresco.

O ensino é livresco por várias razões como seguintes:

1 – Um grande número de professores faz recurso da metodologia de ensino passivo e não possui repertório diversificado de métodos, técnicas, estratégias e práticas pedagógicas do âmbito da pedagogia activo-pragmática assim como muitos não dominam as tecnologias de ensino e aprendizagem – a qualidade das aulas depende grandemente do desempenho do professor na realização do discurso pedagógico, o qual deve estar à altura do princípio e simultaneamente objectivo de transformar informação em conhecimento em ordem a que os estudantes compreendam a estrutura da matéria, e não meramente a forma, decorando-a pura e simplesmente; as aulas não devem ser sessões de expositivismo e decoração e de conjecturas, hipóteses científicas, teorias científicas ou postulados, pois a universidade existe, entre outros objectivos cardeais, para a construção da ciência por meio dos actos e/ou processos de reflexão, sistematização e crítica filosófica e científica.

Por outro lado o uso de tecnologias de ensino e aprendizagem possibilita ao professor estar especialmente concentrado no processo transformacional da aula, em que conduz os estudantes à compreensão da estrutura, função e aplicação do conhecimento. Estes, os estudantes devem deter o maior protagonismo, pois são eles que constroem as aprendizagens, sendo o professor orientador e facilitador;

2 – As universidades não possuem laboratórios, centros de pesquisa científica assim como centros de criação e inovação tecnológica – evidentemente, ainda que a vasta maioria dos professores estivesse bem no primeiro aspecto, estes se esbarrariam com o problema da inexistência de estruturas de realização da pedagogia activo-pragmática, ou seja, os laboratórios, os centros de pesquisa científica e os de criação e inovação científica, importantíssimos não só para a construção material e concreta do conhecimento cientifico estabelecido e para o ensaio de novas hipóteses, teorias, postulados e modelos científicos como também para a criação e inovação tecnológica.

Lamentavelmente, este quadro de inexistência de tais estruturas remete os estudantes à condição de meros reprodutores do conhecimento científico absorvido nos livros científico-didácticos, aliás, maioritariamente fascículos, muitos dos quais sem qualidade académica, científica nem didáctica.

Certa vez nos deparamos com um caso em que estudantes de enfermagem de uma instituição nem sequer estudavam anatomia com ajuda dos mapas biológicos; quando muito os professores desta cadeira e de outras similares faziam desenhos no quadro, desenhos sem qualidade, aliás. 

O facto tristemente risível é que a vasta maioria dos formados é licenciada pelas universidades sem a necessária agregação prática – concreta – e material da respectiva área de formação, o que é gravíssimo, aliás, uma situação que configura um estado superior de fraude, pois os quadros formados em Angola deveriam estar qualificados para trabalhar em qualquer parte do mundo, o que não se verifica, sendo que, quando tal ocorre é no âmbito da excepção, não da regra. À bem dizer, as licenciaturas feitas em Angola – na sua vasta maioria – são uma espécie de ensino médio-superior.

Por outro lado é propalado o engano de que os cursos de ciências humanas e sociais e da educação são formações fáceis. Em primeiro lugar, esta asserção, lamentavelmente repetida por estudantes e professores, remete as ciências humanas e sociais no nível de importância secundária, o que é um equívoco. Em segundo lugar, tal afirmação transmite o mito de que pode-se fazer um bom curso de ciências humanas, sociais ou de educação só lendo livros, o que é também um equívoco tremendo.

Estes equívocos mais as lógicas da aparência, do materialismo, do imediatismo e do diploma de que padecem grande parte das comunidades académicas estão na base da desastrosa qualidade dos graduados nas ciências que temos vindo a citar, de tal sorte que é comum em Angola assistirmos a deprimentes abordagens de sociólogos, psicólogos, antropólogos, historiadores, pedagogos etc. que nada mais fazem do que reproduzir as teorias cientificas e modelos científicos fundamentais das respectivas áreas, ou seja, não trazem nada de novo à sociedade, não investigam, não fazem adendas à ciência; a situação é a mesma com os graduados em cursos técnicos ou tecnológicos: os que criam novas tecnologias ou fazem inovações são a excepção à regra de uma população de milhares de graduados que nada fazem senão fazer uso do que “os outros” criaram e inovaram.

É um disparate tremendo a afirmação de que “já tudo está inventado”. As universidades angolanas têm que deixar de ser estas caixas-de-ressonância do conhecimento científico em que se constituem e da retórica barata das formalidades ao estilo de “cão que ladra, mas não morde”.

Ensino Superior Livresco – Parte 2 (conclusão) 

No texto anterior, parte 1, expusemos e esgrimimos duas das principais razões que subjazem ao estado de escola livresca em que se constitui o ensino superior angolano. Na continuação apresentamos uma terceira razão, a saber:

[3] – A maioria esmagadora dos professores universitários não se dedica à investigação científica nem faz publicações – ora, se este quadro fosse invertido, havendo uma vasta maioria de professores cientistas com publicações das mais diversas formas, teríamos seguramente, por exemplo, magistrais discursos pedagógicos em sala de aula.

Por outro lado, note-se que os estudantes veriam nos professores modelos académicos e científicos a seguir, ou seja, passariam a pretender seguir o exemplo de contribuir para a ciência e/ou introduzir melhorias nos mecanismos de suporte e manutenção da sociedade.

Lamentavelmente, o quadro real é da cultura de um ensino livresco-formal, pelo qual os estudantes são transformados em meros papagaios, “repetidores do conhecimento científico”, incapazes de dar contributos à ciência e à tecnologia, autênticas reproduções dos seus professores, que se limitam a ensinar, não havendo diferença entre o professor de ensino médio e o professor universitário – aliás, por exemplo, será que a totalidade ou a maioria dos professores universitários angolanos seria admitida à docência em universidades de Portugal ou do Brasil?

Esta pergunta aparentemente jocosa serve apenas para induzir à séria reflexão sobre a qualidade da universidade angolana. Seguramente, não é com o ensino livresco que as instituições de ensino superior em Angola alcançarão os níveis pretendidos – à altura da grandeza dos desafios do desenvolvimento sustentável de Angola.

Por outro lado – efectivamente –, mais importante do que satisfazer rankings africanos ou mundiais, é necessário que as nossas universidades se convertam em instituições seriamente engajadas em dar contribuições no desenvolvimento de Angola. Por exemplo, dar respostas às questões mais complexas do desenvolvimento, tais como as seguintes: Como realizar um estado democrático e de bem-estar sem arruinar o meio-ambiente? O que e como fazer para que os benefícios do crescimento e do desenvolvimento sustentável alcancem as minorias Khoi-san, Hereros, Camusekeles etc. sem destruir as suas estruturas culturais e idiossincráticas? Que caminhos devem ser trilhados para a despartidarização das instituições de Angola? Quais são os grandes obstáculos à construção da nação?

Um outro grande problema reside na ausência de instituições de patrocínio às actividades científicas e tecnológicas. De facto, para sairmos do nível de sociedade primária em que nos encontramos, precisamos da universidade, pois a mesma é um empreendimento à altura da pretensão de realizar o estado de bem-estar.

Deveras, a universidade precisa ser apoiada por instituições, quer através de fundos de investigação científica, criação e inovação tecnológica quer através da criação de instituições especializadas em fornecer patrocínio desta natureza. Mas por outro lado é necessário que as próprias estruturas administrativas das universidades privadas abandonem a lógica economicista de que padecem, que – feitas as excepções – transformou-as em meras estruturas de enriquecimento rápido dos seus donos.

É mister que a formação superior de quadros excelentes em Angola saia da esfera da excepção para a esfera da regra, ou seja, que a formação de quadros de excelente qualidade seja uma regra, uma realidade costumeira nas universidades angolanas, relegando a mediocridade para a esfera da excepção. Este é um alvo que demanda de todos esforços estrénuos em busca da realização da Angola que pretendemos.