Luanda – O Poder politico, na sua essência, não difere muito de outros poderes, é o reflexo de algo concreto, e é uma abstracção subjectiva ou objectiva da matéria. O poder politico, na sua manifestação prática, é material, e no seu reflexo teórico, é abstracto. Porém, o realismo do poder político deriva do seu carácter relativo, condicional, que não se manifesta de modo absoluto em relação aos outros sujeitos do mesmo universo.

Fonte: Club-k.net
Uma interpretação formal, o poder político é um conjunto dos órgãos que asseguram a administração de um Estado, de forma singular ou representativa, na sua relação com o cidadão.

As balizas do poder político, dentro do esquema jurisdicional, é que determinam a natureza e o alcance do poder politico. O poder político abstracto ou subjectivo não se baseia nos factos, mas sim, no pensamento de um sujeito, que constitui este poder. O pensamento abstracto, o ideal, nesta relação, sobrepõe-se, separa-se e ignora os outros elementos reais, inerentes de um todo, com leis próprias – numa interacção e conjugação complexa, sob uma transformação incessante.

Em termos concretos, a democracia define as balizas do poder politico, dentro das quais deve incidir-se e cingir-se, de modo escrupuloso, o seu ângulo de acção. Em contraste, a autocracia não estabelece balizas do exercício do poder politico. Pois, o soberano, deste poder, separa-se do universo social, e cria o mundo conceptual, de si próprio, que se coloca acima da sociedade, como ordem estabelecida. O que impera, neste regime, é a vontade expressa do soberano, que é todo e é tudo, na manifestação teórica e prática do Estado.

O todo e o tudo, como principio do Estado, reflecte-se na eternização do poder, cuja manutenção só se torna possível por via de assegurá-la aplicando todos os meios ao seu alcance, e a todo o custo. Logo a manutenção do poder a todo o custo, torna-se assim, a doutrina do Estado. Qualquer mudança na correlação de forças, capaz de alterar o status quo, e estabelecer uma nova relação entre o poder e o cidadão, implica o uso imediato da doutrina de se defender a todo o custo, sem ter em consideração os meios e as consequências que tudo isso acarreta.

A título de exemplo, na Bósnia (1992-1995) e em Ruanda (1994), a partilha do poder, a liberdade, a igualdade, a justiça e a distribuição equitativa da riqueza, exigidas pelas etnias oprimidas (bósnios muçulmanos e tutsis, respectivamente), foram os factores principais que estiveram na origem da limpeza étnica, (genocídio) naqueles países.

A analogia que se estabelece, conduz-nos a constatar a profundidade e o alcance deste conceito, que leva o poder à extremidade, ao desprezo e ao atentado à vida da pessoa humana, apenas para conservar o poder político, a todo o custo. Neste contexto, a inviolabilidade da vida humana, perde o seu sentido real, e torna-se num mero objecto de retorica demagógica, cuja personalidade se torna indigna e inválida, como tal.

A personalidade da pessoa humana assenta-se invariavelmente na razão, no raciocínio, no julgamento dos fenómenos e na tomada de decisões ou opções. Quando o ser humano é restringido no julgamento e na escolha, deixa-se de ser livre e digno na sua personalidade. Ou seja, torna-se escravo ou servo, dependente de alguém, sem personalidade jurídica.

O alcance deste estágio social, pode conduzir-se, variavelmente, à violabilidade da vida humana, na dimensão do genocídio, como os anais da história humana tem sido implacáveis, nesta matéria. Pois, a este nível, da contraposição, a irracionalidade do soberano autocrático, atinge os níveis mais elevados do delírio politico, que lhe induz a barbaridade – da pior espécie.

O princípio da negação absoluta e da exclusão mútua, em contrapartida a lei dos contrários, não se ajusta, de forma nenhuma, com os valores democráticos, que consistem na liberdade, na igualdade, na inclusão social, na partilha do poder, na coexistência pacífica, e sobretudo, na mudança regular do poder politico. Ali estará o maior desafio, se de facto, o poder politico em Angola adere intimamente a esses princípios, supra referenciados, e esteja disponível em conceder a derrota politica, num processo eleitoral transparente, justo e credível.

Os factos em presença, a conduta do poder angolano, revelam nitidamente a incongruência política. Na teoria, de forma abstracta e subjectiva, o regime estabelece os princípios democráticos. Porém, na prática, conduz uma política autocrática; induzindo nas mentes das pessoas o obscurantismo, assente na teoria da eternidade do MPLA no poder, e a «não-aceitação» da derrota politica e da alternância do poder politico. Parecendo um paradoxo, mas a luz do maquiavelismo, isso representa a natureza real deste regime.

Para este efeito, o poder angolano aplica todos os métodos da intolerância politica, através da intimidação, da guerra psicológica, da exclusão social, da privação de direitos e liberdades fundamentais, da chantagem, do terror e do isolamento da população para não ser contactada fisicamente por outras forças politicas. Nas comunas e nos municípios o povo é tratado como uma manada de gado, puxado do lado para o outro, recolhido em currais, sem liberdade de informação, de expressão, de opinião, de escolha e da manifestação da vontade política de cada cidadão – em liberdade.

Acima disso, o Poder cria uma série de obstáculos (formais, informais, convencionais, não-convencionais, abertos, clandestinos, violentos, psicológicos, arbitrários e sumários) contra as formações políticas e as organizações da sociedade civil.  Tudo isso é enquadrado na doutrina de conservar o poder a todo o custo.

Este é um drama quotidiano que o povo angolano vive, nas zonas rurais, inibindo de se libertar deste pântano em que se encontra atolado. Todavia, os ventos da democracia em Angola são bastantes fortes e imparáveis. O problema estará aí. À medida em que avança e se aprofunda os valores democráticos, em todo o país, como que será possível a manutenção desta doutrina do MPLA, da eternidade e da cobiça do poder, por todos os meios?

A História recente de Angola, não está omisso de excessos políticos, de massacres e de genocídios, cujas feridas e cicatrizes ainda são visíveis nos rostos de muita gente. Por isso, para que se supere esta situação perigosa, é preciso que haja mecanismos formais e disposições jurídico-legais, em termos de leis específicas, que garantam a reconciliação real dos angolanos, a unidade nacional, a aceitação inequívoca da alternância regular do poder, a partilha do poder (que contrarie o principio actual, segundo o qual: o vencedor fica com tudo) e a primazia dos direitos individuais e da cidadania.

Pois, a Pátria, de todos nós, não pode manter-se refém do medo permanente, de arbitrariedade, da indefinição do regime politico, da vingança, da chantagem, da exclusão social, da discriminação racial, do regionalismo e do chauvinismo. A História da Humanidade repete-se constantemente se não acautelar bem os erros do passado. Até lá, será tarde de mais. Razão pela qual, se torna urgente precaver-se e ter coragem de tomarmos medidas condizentes e coerentes, por todos nós, sem excepção e sem exclusão – não prejudicando ninguém.

Alguma coisa é certa, a democracia é o jogo difícil de risco em que, ou ganha ou perde. Ela exige aceitar as regras, normas e princípios preestabelecidos, de modo que o jogo seja transparente, justo, credível e legítimo. A aceitação do quadro previamente estabelecido, na prática, é que garante a condição indispensável da autoridade emanar do conjunto dos cidadãos, na qualidade de eleitores, que têm a legitimidade de conferir e delegar o poder aos seus representantes em termos de órgãos legislativo, executivo e judicial – de forma directa e indirecta.

Na manipulação do processo eleitoral, este prossuposto, da autoridade popular, como origem do poder politico, fica sem legitimidade política e jurídico-legal; porque não cumpriu devidamente com o quadro-legal, pré-estabelecido, ao abrigo da Constituição e da Lei. Por inferência, o poder saído deste processo, manipulado e falsificado, de facto, é injusto, ilegal e ilegítimo.

O que ocorreu recentemente na Escócia, do REFERENDO, é o exemplo concreto de respeitar a vontade do povo e de correr o risco de ganhar ou perder. Neste caso específico, se a Escócia votasse “SIM” a favor da independência, todo o quadro político, jurídico-legal e socioeconómico do Reino Unido, forjado há mais de três séculos, cairia por terra. Isso aconteceu no Sudão e na Etópia, com a emergência do Sudão do Sul e Eritreia, respectivamente.

O Reino da Espanha, por não aceitar o REFERENDO na Catalunha, como acabou de acontecer na Escócia, virá deparar-se com o mesmo destino do desmoronamento, como tivera acontecido com o Grande Império Soviético, no rescaldo da Guerra-fria. O Hong Kong, neste respeito, é o outro caso, de realce, que busca a salvaguarda das suas conquistas democráticas, ameaçadas seriamente pelo Governo Central de Pequim, que é uma violação flagrante dos Acordos da descolonização, celebrados entre Londres e Pequim.  

Seja qual for as circunstancias, a vontade do povo é sagrada, e é inviolável. Os caprichos políticos não podem prevalecer sobre a vontade soberana do povo, por mais pequeno ou fraco seja. Este é o valor primário e o mais sagrado da democracia. Caso contrário, a democracia perde a sua legitimidade como sistema político cuja autoridade emana do povo, para o povo e pelo povo, e com o direito absoluto de fazer parte do processo de tomada de decisões e de formular as políticas do Estado.  

Razão pela qual, é fundamental na democracia respeitar escrupulosamente a opinião e a vontade do cidadão, como individuo, e dos cidadãos, como povo. Não pode, de forma nenhuma, tratar o cidadão como um animal irracional. A Sabedoria de uma Nação está enraizada no seu povo.

Os políticos e os governantes que oprimem o povo e restringem os direitos e liberdades fundamentais, no fundo, muitos dos quais, são ignorantes e insensatos. Se fosse num pleno Estado democrático de direito, onde houvesse a competição leal, baseada no mérito, muitos desses elementos, armados de espertos, não estariam onde estão hoje.

Eles actuam e comportam-se pior que os colonialistas portugueses. Esquecem que, a falta de liberdade, de igualdade e de justiça social é que desencadeara a luta de libertação em Africa e noutras Colonias Europeias, a fim de libertar-se do jugo do Colonialismo.

Muitos enganam-se quando pensam que, o Colonialismo tem a cor ou é apenas exercido por estrangeiros. Pelo contrário, os filhos da Pátria podem igualmente transformar-se em piores colonos, piores opressores e piores exploradores. Não será isso que esteja a acontecer aqui, nesta Pátria da Mama N´Zinga Mbandi, Soberana do Reino do Dongo e da Matamba?

Pois, nenhum governador das províncias Ultramarinas, do poder colonial português, que passou pela Cidade Alta, saíra dela como multibilionário, como acontece com Eng.º José Eduardo dos Santos e sua filha, Dr.ª Isabel dos Santos. Mesmo Dr. António de Oliveira Salazar, que governou Portugal e as províncias Ultramarinas, tivera ficado tão ricaço como o Presidente angolano. Até, por ironia, Oliveira Salazar vivera uma vida simples e modesta, sem estravagância e desperdício. Alias, ele foi um «bom gestor público português, para Portugal». Então, interroga-se, onde estará a inverdade?    

Portanto, as Instituições do Estado só são respeitáveis e respeitadas se forem transparentes, responsáveis, justas, credíveis e legítimas, sobretudo se comportar-se condignamente, nos marcos da Constituição e da Lei. Quando os Órgãos de Soberania e as Instituições Públicas não respeitarem a Constituição e a Lei, deixam de legitimar-se e perde o respeito dos cidadãos, das formações politicas e da sociedade civil.

Porque são, de facto, ilegítimos, injustos e incredíveis. É como num lar, quando um chefe da família não agir com rectidão, com dignidade, com rigor e com respeito diante os filhos e a esposa, não espera que seja tratado com carinho, com estima, com consideração e com amor íntimo por parte da família.

Em suma, a questão fundamental de Angola é de possuir balizas superficiais, jurídico-legais, plasmadas na Constituição e noutros instrumentos legais. Mas, contudo, sem eficácia de realce na prática. Pois, o Soberano Angolano pensa que, a legitimidade do Estado está unicamente incorporada nele, como individuo, que provê do Ceu. As outras componentes do Estado são apenas auxiliares, servidores, marionetes e súbditos do «Poder Unipessoal».

Isso conduz, infelizmente, a doutrina da eternização do poder politico e de não-aceitação da mudança democrática do poder, por via das eleições livres, universais, abertas, transparentes, justas, legítimas e credíveis. Correndo, assim, o risco de atingir o ápice do delírio politico – de barbaridade.