Luanda - Evidentemente, o leitor estará a indagar-se sobre onde está a lógica de uma revolução em Angola, país que alcançou a paz em 2002, tem tido um crescimento económico quase fabuloso e cujos cidadãos conhecem bem as agruras da guerra, estando apenas interessados em melhorar suas condições de vida.

Fonte: Club-k.net

Nuno Dala.jpg - 34.91 KBO que é revolução? Segundo a Wikipédia (2014) a palavra revolução provém do latim “revolutio onis”, que significa literalmente “acto de revolver”. O Dicionário Aurélio define revolução como “revolta, sublevação, mudança brusca e violenta na estrutura econômica, social ou política de um estado, reforma, transformação, mudança completa, perturbação moral, indignação, agitação, modificação em qualquer ramo do pensamento humano” etc.

Tendo-nos abalizado das definições etimológica e semântica da palavra revolução, estamos pois em condições de partir para a definição filosófico-científica, e para tal recorremos novamente ao Wikipédia (2014), que define revolução como “uma mudança fundamental no poder político ou na organização estrutural de uma sociedade e, que ocorre em um período relativamente curto de tempo. O termo é igualmente apropriado para descrever mudanças rápidas e profundas nos campos científico-tecnológico, económico e comportamental humano.”

Normalmente o conceito de revolução encerra a dimensão sociopolítica.

Segundo Jeff Goodwin, revolução é “qualquer e todas as instâncias em que um estado ou um regime político é deposto e, assim, transformado por um movimento social de forma irregular, extraconstitutional e/ou violento.”

Numa perspectiva mais restrita, Jeff Goodwin considera que as “revoluções implicam não apenas em mobilização de massa e mudança de regime, mas também mais ou menos rápida e fundamentais mudanças sociais, económicas e culturais, durante ou logo após a luta pelo poder do estado.”

Já para Jack Goldstone a revolução é “um esforço para transformar as instituições políticas e as justificativas pela autoridade política na sociedade, acompanhada de mobilização de massas, formais ou informais e as ações que prejudicam autoridades não-institucionalizadas.”

Revolução é, pois, um processo cuja essência assenta numa ideologia fundamentada em valores e princípios de transformação estrutural da realidade económica, social e cultural.

A realidade passível de transformações estruturais é um palco em que uma minoria domina sobre uma maioria, o que resulta não apenas em ressentimento como na construção e consolidação de um pensamento e um posicionamento políticos que visam a alteração da ordem ou sistema de coisas assim como uma estratégia de luta para o alcance do desiderato da construção de uma nova ordem assente numa ideologia consentânea ou congruente com os valores e princípios norteadores do processo revolucionário.

Ao longo da História, ocorreram efectivamente diversas revoluções, tais como a Revolução Americana de 1776 (que resultou na fundação dos Estados Unidos da América), a Revolução Francesa de 1789 (que resultou na fundação do moderno estado francês), a Revolução Bolivariana de 1804-21 (que resultou, entre outros, na fundação da Bolívia) e a Revolução Bolchevique de 1917 (que resultou na fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Estes processos de mudanças estruturais na ordem das coisas não apenas trouxeram efeitos locais como também tiveram repercussões regionais, continentais e até mesmo globais.

Ao longo do século XX, ocorreram inúmeros processos revolucionários, tais como a Revolução Chinesa de 1949, as lutas de libertação e independência das colónias europeias em África (que resultaram na fundação dos actuais estados africanos, como Angola, estado fundado em 1975), a Revolução Cubana de 1959 e a Revolução dos Cravos de 1974.

Em vista do exposto surge a questão: a revolução é um processo acabado? A resposta óbvia é NÃO, pois a mesma é realizada pelo homem, este que é um ser em constante evolução; logo se o homem evolui permanentemente, este facto se reflecte nas suas relações com o Outro e com a natureza. Assim, inferimos que a revolução, obra humana, é natural. Uma revolução deve ser precedida por outra pela necessidade permanente de alcançar o melhor.

É assim que Henry Thoreau fala do “direito à revolução”. Na sua obra centenária Desobediência Civil, este autor declara que o direito à revolução é “o direito de negar lealdade e de oferecer resistência ao governo sempre que se tornem grandes e insuportáveis a sua tirania e ineficiência”.

Para Henry Thoreau, há pelo menos duas grandes condições para que os cidadãos resistam, desobedeçam ao governo que representa o estado: a primeira é a tirania, e a segunda é ineficiência.

O que é tirania? A palavra vem do grego τύραννος, "tírannos", que significa literalmente “líder ilegítimo”, que na Grécia clássica designava um governo ilegítimo, ou seja, teria sido instituído de forma ilegal. Tirano era o nome dado ao representante desse governo. Alguns tiranos gregos actuaram de forma positiva e contribuíram para o progresso de algumas cidades. A evolução da conotação negativa do termo deu-se devido aos tiranos que abusaram do poder.

O conceito moderno de tirania constitui uma forma de actuação indesejada tanto na política quanto em outras relações humanas. Na política, o poder de um governo tirânico pode ser comparado ao absolutismo, despotismo ou ditadura.

Ora, esse tipo de governo pode acontecer através de uma revolução ou um golpe de estado ou através de eleições democráticas. O sentido negativo será atribuído quando começar a haver restrições à liberdade de expressão, ameaças aos opositores e outros meios de abuso na tentativa de manter o poder.

Quando os cidadãos vivem sob restrições à liberdade de expressão, ameaças e perseguição aos opositores, exclusão socioeconómica etc., há então necessidade de revolução, ou seja, os cidadãos devem exercer o seu direito à revoltar-se no sentido da alteração ou mudança estrutural da situação injusta vigente e estabelecer uma nova ordem de coisas, em que não se verifiquem as violações sistemáticas dos direitos sociais, económicos, culturais e políticos dos cidadãos.

O que é ineficiência? Basicamente, a palavra em causa significa falta de eficiência. Então, o que é eficiência? Segundo o Dicionário Online de Línguas Portuguesa, eficiência é a “capacidade de realizar tarefas ou trabalhos de modo eficaz e com o mínimo de desperdício; produtividade. Tendência ou aptidão para ser efectivo; capacidade de realizar ou desenvolver alguma coisa demonstrando eficácia; efectividade. Particularidade demonstrada por pessoas que conseguem produzir um óptimo rendimento, quando realizam alguma coisa; característica do que é eficaz”. 

Quando é que um governo é ineficiente, ou não tem eficiência? Efectivamente, um governo não é eficiente quando não desempenha de forma positiva e efectiva as suas atribuições. Sendo o governo a estrutura executiva de um estado, então, quando as tarefas fundamentais de um estado não são executadas para a realização do cidadão, está-se realmente em presença de um governo ineficiente. Está-se perante a má governação. 

Segundo a Constituição da República, artigos 1º e 2º, “Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social. A República de Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa. A República de Angola promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do Homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas.”

Ao contrário do que determina a Constituição, o governo angolano tem violado sistematicamente os valores da liberdade, justiça, democracia, solidariedade, construção inclusiva da paz, igualdade e progresso social, e sua actuação não tem respeitado os princípios basilares da soberania popular, primado da Constituição e da lei, separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa.

Desde a sua fundação em 1975, Angola ratificou várias convenções tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, mas Angola jamais foi efectivamente um estado de ‘promoção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais do Homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados’; Angola nunca foi um palco de ‘asseguramento do respeito e da garantia da sua efectivação pelos poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas’.

De 1975 a 1991 Angola foi um estado marxista-leninista cuja concepção de direitos, liberdades e garantias é contrária ao jusnaturalismo. Direitos, liberdades e garantias não são valores de um estado ditatorial. Os anos seguintes (1992-2002) foram marcados por processos antagónicos de realização do estado, processos que remontavam desde à fundação periclitante de Angola como estado em 1975, fruto dos incumprimentos do contrato político celebrado entre as organizações representantes do Povo Angolano: FNLA, MPLA e UNITA, levando ao alcance do “poder ilegítimo” – tirania em grego –, pois o regime (do MPLA) que se apossou do poder não o alcançou pelo processo democrático previsto pelo Acordo do Alvor. 

O fim da guerra em 2002 não foi a realização do estado democrático. Longe disso, constituiu-se apenas no fim do exercício violento da política, motivado pelas dissonâncias de interesses entre partes contendoras (Governo e UNITA).  

Finda a guerra, projectavam-se no horizonte as aspirações legítimas de um povo que pretendia indubitavelmente um governo regido pelos valores da democracia, da reconciliação nacional efectiva e do desenvolvimento de um estado social, de realização do cidadão.

Entretanto, tal não se tem verificado. Lamentavelmente, Angola só tem sido um estado de bem-estar para uma minoria, a dos cidadãos que detêm o controlo e o usufruto da riqueza nacional. O Presidente da República, no poder desde 1979, tem tido um desempenho maquiavelicamente magistral em manter o status segundo o qual “a minoria tem quase tudo e a maioria não tem quase nada”. De facto, a maioria dos angolanos vive das migalhas que caem das mesas dos ricos (minoria).  

Se considerarmos apenas o período pós-2002, nossa leitura filosófico-política de Angola nos conduz à inferência segundo a qual, os angolanos têm sido governados por um regime bárbaro, uma ditadura traduzida numa governação mafiosa assente nos ditames do Presidente da República, cujo estilo de gestão do país continua a promover a depredação do erário publico, o nepotismo, a violação grosseira da Constituição, a corrupção e o assassinato de cidadãos contestatários ao regime, que possui uma máquina tem feito das eleições uma encenação política “para inglês ver”, um mero instrumento de manutenção do regime de José Eduardo dos Santos.

De facto, o estado angolano tem tido um desempenho sofrível na execução das suas tarefas fundamentais. Ora, quais são então tais tarefas fundamentais? Ei-las, tal constam no extenso e exaustivo corpo do artigo 21º da Constituição:

“Constituem tarefas fundamentais do Estado angolano: a) Garantir a independência nacional, a integridade territorial e a soberania nacional; b) Assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais; c) Criar progressivamente as condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos; d) Promover o bem-estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos; e) Promover a erradicação da pobreza; f) Promover políticas que permitam tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saúde; g) Promover políticas que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito, nos termos definidos por lei; h) Promover a igualdade de direitos e de oportunidades entre os angolanos, sem preconceitos de origem, raça, filiação partidária, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; i) Efectuar investimentos estratégicos, massivos e permanentes no capital humano, com destaque para o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, bem como na educação, na saúde, na economia primária e secundária e noutros sectores estruturantes para o desenvolvimento auto-sustentável; j) Assegurar a paz e a segurança nacional; k) Promover a igualdade entre o homem e a mulher; l) Defender a democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais; m) Promover o desenvolvimento harmonioso e sustentado em todo o território nacional, protegendo o ambiente, os recursos naturais e o património histórico, cultural e artístico nacional; n) Proteger, valorizar e dignificar as línguas angolanas de origem africana, como património cultural, e promover o seu desenvolvimento, como línguas de identidade nacional e de comunicação; o) Promover a melhoria sustentada dos índices de desenvolvimento humano dos angolanos; p) Promover a excelência, a qualidade, a inovação, o empreendedorismo, a eficiência e a modernidade no desempenho dos cidadãos, das instituições e das empresas e serviços, nos diversos aspectos da vida e sectores de actividade; q) Outras previstas na Constituição e na lei.”

Portanto, retomando Henry Thoreau, ‘o governo tem sido grandemente tirânico e grandemente ineficiente’.

O regime que governa Angola é composto de uma minoria que domina uma maioria de cidadãos, que também são os que não têm tido praticamente nenhum usufruto das riquezas do país. Não há estado social. 

Por outro lado, nada indica que o regime eduardino desarmará, pois a lógica que preside tal regime é a da manutenção do poder a todo custo, mesmo que implique na violação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais de um povo, cujo estado foi fundado no quadro da revolução pela libertação e independência. Mas a fundação do estado angolano em 1975 foi feita sob a violação do direito do povo à democracia, e o poder foi arrancado do povo sem seu consentimento, resultando na instalação de um regime tirânico-ditatorial, que terminou em 1991-1992, mas apenas formalmente, pois a idiossincrasia ideológica do regime se mantém até hoje, sob a capa de democracia, daí que José Eduardo dos Santos tenha dito que “a democracia foi imposta aos angolanos”, quando, de facto, a democracia é um direito do povo.

Então, o que os angolanos devem fazer? Considerando o inaceitável quadro económico, social e político da vasta maioria, e para um mudança, brusca ou gradual, pacífica ou violenta na estrutura econômica, social e/ou política de Angola, OS ANGOLANOS DEVEM EXERCER O DIREITO NATURAL À REVOLUÇÃO! 

Nuno Álvaro Dala