Luanda - Estado e Nação não são exactamente a mesma coisa, de acordo com os manuais da especialidade. O ideal seria que fossem, mas não são e em alguns casos os dois companheiros de um percurso histórico que já vai longo, podem até coabitar em aberto e violento conflito, com o poder do Estado a prevalecer sobre as centrífugas aspirações dos nacionais.

Fonte: O Pais

Na história da humanidade a Nação aparece primeiro e só muito tempo depois é que surge o Estado, normalmente armado em chico-esperto, isto é, a querer controlar tudo e todos, com os seus aparelhos ideológicos, políticos, administrativos, judiciais e religiosos.


A partir de certa altura começou-se a ouvir falar do “Estado-nação” ou de várias nações reunidas sob a tutela do mesmo Estado.

É a altura em que também se começa a ouvir falar de uma tal legitimidade política do Estado.
Como se pode perceber a Nação, que é uma comunidade de pessoas que se identificam facilmente, até pelo “cheiro”, não precisa do Estado para se afirmar como tal.

Ao contrário, o Estado só funciona com a tal legitimidade se tiver nações para controlar e representar, nem que seja pela via da conquista das armas e da dominação pela repressão.

Por outras palavras, o Estado pode ser imposto à Nação sem ter nada a ver com ela. Foi isto o que nos aconteceu durante a longa noite colonial que uns dizem que durou 500 anos, mas em abono da verdade histórica não terá tido muito mais que 200 vezes 365 dias.


Da junção das várias nações bantus e não bantus pré-existentes no território que é hoje o nosso país, que resultou de um acordo que foi desenhado à régua e a esquadro na “Conferência de Berlim de miloitocentosetal”, nasceu o Estado de Angola ainda durante o império português sedeado em Lisboa e que se estendia do Minho à Timor.

Foi este “estado de coisas” que nós herdamos com a saída precipitada dos portugueses entre 74/75 e que deu origem à revolucionária República Popular, que foi proclamada apenas por um dos três partidos que, na altura adquiriram junto de quem de direito, o estatuto monopolista de serem os “únicos e legítimos representantes do povo angolano.”

Fomos testemunhas de como aconteceu a implantação dessa primeira república que já era bem nossa, sobretudo de todos nós que, na altura, fazíamos parte do “povo heroico e generoso”.

A transformação consumou-se com o surgimento “estado totalitário do mono”, onde apenas se ouvia nas cidades a “voz dos camaradas”, pois nas matas a música era outra até 1992.


A tal ponto assim se apresentavam as coisas, que se falava e com razão na existência de um segundo estado cuja capital estava localizada algures nas “terras do fim do mundo”.

Nessa altura, em 92, o mesmo Estado sofre mais uma transformação com a implantação da primeira república multipartidária no solo angolano.
Tal como tinha acontecido com a república popular, também esta foi parida a ferro e fogo, com mais um devastador fratricídio pelo meio.

Hoje quando ouvimos falar da “mensagem sobre o Estado da Nação” conforme consta da CRA 2010, ficamos meio confusos, porque não sabemos bem se o objecto da comunicação presidencial é a realidade nacional conforme ela se apresenta em todas as latitudes/longitudes ou se é apenas sobre o desempenho da instituição estatal no seu conjunto.

Estando assim grafada a expressão “Estado da Nação” em letra maiúscula, somos tentados a ver nela o conceito “estado-nação” que implica uma coincidência entre as duas entidades .

Assim talvez já consigamos entender melhor os “limites” da abordagem feita pelo Presidente, com recurso apenas aos números oficiais e pouco mais. Estamos convencidos que para além de todas as deficiências de que enferma o nosso ainda imberbe sistema estatístico, ele mesmo que fosse mais sólido e devidamente certificado, como já acontece por exemplo na União Europeia, não estaria em condições de esgotar uma apreciação mais objectiva da realidade nacional.


Como já aconteceu com exercícios anteriores, ficamos com a clara impressão que na “mensagem sobre o Estado da Nação” estará apenas o retrato possível de uma parte da realidade nacional, vista de um determinado prisma político.

Como todos sabemos, JES continua a ser a parte mais activa da permanente disputa politico-partidária que de cinco em cinco anos vai a votos obrigatoriamente, para se tirar a limpo a adesão do eleitorado às diferentes políticas.

Se o nosso sistema constitucional consagrasse um Presidente da República acima do executivo, do tipo “árbitro da nação”, acreditamos que teríamos um “Estado da Nação” bem diferente daquele que hoje temos.

Isto por força desse distanciamento que teria de ser traduzido numa equidistância de análise em relação a todos os interesses partidários em debate.
Não sendo assim, muito dificilmente algum dia teremos esta tão importante mensagem a falar-nos realmente de todas as movimentações da Nação dentro e fora do “espartilho” chamado Estado.

Devido ao “conflito de interesses” existente, é muito difícil ultrapassar a o peso da estratégia politico-partidária, mesmo que todos os dias se proclame aos quatro ventos que o mais importante é resolver os problemas do povo ou que em 1º/2º/3º lugares devem estar sempre os angolanos.

Resta-nos a consolação de em nome da liberdade de expressão, contraditório e do pluralismo hoje já podermos ter acesso a outros estados sobre a mesma Nação, o que inevitavelmente nos aproxima mais daquilo que será realmente a conjuntura prevalecente.

NA- Texto publicado no País/Revista Vida/Secos e Molhados (24-10-14)