Luanda – Caló Pascoal chegou às paradas do sucesso nos anos 90, numa época em que, como kudurista, se tornou uma das estrelas dos Necaf Brothers. O deslumbramento com a fama e o uso de drogas fizeram-no perder o foco da vida e embarcar num Mundo quase sem volta. Uma grave doença por pouco tirou-lhe a vida.

Fonte: Angop
Calo Pascoal.jpg - 39.96 KBAos 38 anos e na plenitude da maturidade profissional, o músico fala sobre a vida pessoal, os marcos da carreira e os novos projectos, além de apontar caminhos para a melhoria do mercado discográfico angolano. Acompanhe!

Caló Pascoal é um artista de múltiplas facetas. Já foi dançarino, DJ e cantor. Como te descreves enquanto artista?
Com estas qualidades todas e com maior destaque para a produção e, de certa forma, intérprete. Devo dizer que existe um princípio fundamental no meio de todos os que fazem esta arte. Concretamente, o Caló Pascoal tem um princípio fundamental: a humildade e ter Deus acima de todas as coisas. Só assim se consegue levar a bom porto os diferentes projectos. O Caló Pascoal é definitivamente músico e produtor. É assim que me defino. Mas, se tudo correr bem, dentro de muito pouco tempo também jurista.

O "bichinho" da dança está definitivamente enterrado?
O "bichinho" da dança está definitivamente enterrado. Agora só entram mesmo aqueles dois ou três toques, para facilitar o processo de interpretação. Apesar de ter tido aulas de dança com grandes nomes do mercado, concretamente os professores Sakaneno João de Deus e Ana Maria de Oliveira, aquela foi uma fase que ficou para trás. Perdi a habilidade, porque toda arte requer superação e aprendizagem contínua.
 
Como foi a transição dos Originais Mestres da Sungura para os Necaf Brother e para a música em concreto?
Foi uma transição natural, porque já tínhamos a veia artística na família. O meu pai, de nome artístico Kissas, foi cantor e com dois discos (vinis) gravados pela Valentim de Carvalho. O meu tio, João Cometa, foi um grande bailarino. A minha mãe foi corista. Até pelo teatro passei. Concretamente a nossa transição deu-se de forma natural, porque quando ensaiávamos tínhamos sempre a oportunidade de cantar algumas músicas. Em 1993, fomos convidados para um espectáculo e na altura, como vimos que não tínhamos acertado na sincronização e na coreografia, decidimos cantar uma música, ao invés de dançarmos para evitar passar vergonha. A partir daí começou a história dos Necaf Brothers, um período em que felizmente tivemos sucesso.

Quais as grandes memórias que carregas desta época, em que te projectaste com o tema “Feijão Duro -  Meteu Dibengo”?
Poucas memórias, porque infelizmente eu estava mais ligado à má vida. Na maior parte dos espectáculos estava sempre bêbado, facto que fazia com que não vivesse de forma positiva a realidade. Lembro que um certo dia fomos a um espectáculo e na altura em que chamaram o grupo eu não consegui actuar, porque estava a dormir, completamente bêbado. Quando despertei já os outros dois integrantes estavam a sair do palco. Teria aproveitado melhor se não fosse aquela má fase em que estava mergulhado. Não acompanhei o grande sucesso que o “Feijão Duro” teve.

Apesar desse tema, os Necaf Brothers não tiveram pernas para andar. O que terá falhado?
Na fase do kuduro, o grupo estava muito bem. Olha que ainda gravamos vários temas que também foram sucesso. Volto a reforçar que devia ter aproveitado muito bem aquela fase. Até certa altura funcionou, mas depois veio a minha doença e apostei num outro estilo (kizomba) depois da recuperação. Isso contribuiu para o desaparecimento do grupo Necaf Brothers.

Como foram os primeiros anos como produtor musical e quais foram os teus primeiros grandes temas de sucesso?
Uma das primeiras músicas foi “Feijão Duro”. Quanto à produção para outros artistas, as grandes referências são “Estamos Sempre a Subir”, do Virgílio Fire, e “Nha Vida Etchora”, de Camilo Domingos. Deixe dizer que este tema do Camilo Domingos é uma música minha e que eu considero ter sido uma grande bênção, porque permitiu que conhecesse o meu grande ídolo: o produtor cabo-verdiano Alberto Lopes “Dabs”. A partir desta altura, senti que estava a realizar-me profissionalmente. Tive ainda outras grandes produções, como “Fofucho”, do Bangão, “Um Amor Assim”, da Nani, Sebem, Queima Bilhas, Matias Damásio “Porquê”, Ary “Esse é Teu Grande Amor”, Kristo “Astro da Minha Vida”, Konde “Kátia”, entre outros. Em 2005, o Bangão ganha o Top dos Mais Queridos, com o tema “Kakixaka”, uma música produzida por mim. Eu fiquei com o segundo lugar no mesmo concurso. A mais recente produção é o tema “Me Sobe a Temperatura”, da Margareth do Rosário, em que também faço o Intro. Quem ouve esta música pensa que a voz inicial é do Jacob, mas é do Caló Pascoal.

Achas que os teus fãs e os críticos têm a percepção dessa dimensão do teu trabalho, como produtor?
Acho que não, porque raramente se fala ou se dá destaque a quem produz esta ou àquela música.

Falando em sucesso, já te sentes realizado enquanto produtor musical?
Profissionalmente, estou realizado. A minha realização começou em 2005, com a saída do meu disco “Santa Mariazinha” e também fruto do reconhecimento que comecei a ter de outros colegas. Nas condições que trabalhei algumas músicas de sucesso no mercado nacional, como é o caso dos temas “Fofucho” e “Kakixaka”, ambos de Bangão, fazem de mim um homem realizado. Olha que são temas que foram produzidos com base numa Groove Box (caixa rítmica), sem piano, mas ao ouvirem sentem que tem reco-reco, tumbas e outros instrumentos. Tudo bem que todos os dias temos uma estrada nova para percorrer, mas um passo de cada vez e assim vamos atingindo os nossos objectivos.

O ano de 2003 marca uma viragem importante para ti. Saíste de uma vida atribulada, estiveste à beira da morte, tomado por drogas e doenças. A que se deveu essa fase menos boa? Era o começo de um novo Caló?
Foi o período negro da minha vida, que começou com a morte do meu irmão mais velho, líder da família, depois da morte do meu pai. A família ficou um pouco desnorteada e isto mexeu comigo. Foi uma fase em que me meti nas drogas, bebidas e que me levou quase à morte, devido a tuberculose. A minha segurança foi o meu irmão Nelo, porque se não fosse ele, pela vida que estava a levar, acho que não ia demorar muito para entrar na delinquência.

É uma fase que está já enterrada…
Bem enterrada e não posso chegar e dizer que tenho orgulho daquilo que fui. Não tenho orgulho daquela fase. Foi um passado ruim e bastante péssimo. Faria tudo para que tivesse sido diferente. Graças a Deus, consegui ultrapassá-la e hoje sou o que sou, por muita persistência.
 
O teu retorno à música dá-se com o disco “FÉ”. Este CD marca o fim do teu compromisso com o kuduro?
Não! Com o “Fé” mantive a mesma linha, porque ainda incluí vários temas em kuduro, entre os quais a versão do “Ramiro”, com o Givago. O kuduro começa a desaparecer com o disco “Santa Mariazinha”, não por minha culpa, mas do falecido integrante dos Tabanka Djazz, Caló Barbosa, e do Zé Tavares. Na hora de fazer as misturas, deixavam sempre em último os kuduros, a ponto de, feito todo trabalho, dizerem que este estilo não se enquadrava na linha dos demais temas. Felizmente o disco foi um grande sucesso.

 “Está Amarrado” foi o seu primeiro grande tema de sucesso no período pós-kuduro. O que procuraste buscar com esta letra e que mudanças trouxe na sua personalidade?
Foi! Isto em 2003. É uma música cuja letra foi escrita durante um retiro espiritual, promovido pelo grupo de oração em que estava integrado, depois daquela fase negra. Esta música é o testemunho vivo do que passei. Nunca pensei que fizesse o sucesso que fez, porque até tem muitas desafinações, mas foi uma referência no mercado. O sucesso desta música levou-me a produzir outros temas com a mesma mensagem e graças a Deus também deram um bom resultado e até conquistaram prémios.

Em Santa Mariazinha surge um novo Caló Pascoal, a explorar o semba. É este o teu estilo de eleição?
Gosto de kizomba e semba. Mas tenho que reconhecer que sou mais fã do kizomba. Faço uns sembas que misturo com umas cenas só minhas. Adoro também o merengue, rumba, plenas, mas é mesmo o kizomba que mexe comigo.

Mas sempre assumiste uma paixão pelo zouk love. Como concilias a paixão por Angola e Cabo Verde?
Fui buscar a linha melódica do Dabs, mas tenho sempre um cheirinho do kizomba.

Estas misturas melódicas não provocam confusão?
Não! Todos nós, angolanos e cabo-verdianos, conseguimos distinguir o kizomba e o zouk love. Portanto, não há confusão e todos sabem onde nasceu o kizomba. É puramente angolano, embora eu já tenha produzido para o Beto Dias e Grace Évora e as diferenças passaram despercebidas.

É em Cabo Verde onde tens os teus maiores ídolos. É por eles que trazes sempre uma pitada crioula nos teus discos?
Durante anos ouvia muita música cabo-verdiana e gosto da música cabo-verdiana. Mas não deixo de parte a nossa cultura; o nosso semba está sempre presente.

Qual dos discos exigiu de si maior concentração: “Fé”, “Santa Mariazinha”, “Esperança Sagrada”, “Eu e Elas”, “Caló & Amigos” ou o Projecto Angola Tropical Show”?
Cada disco é um disco e os contextos em que foram produzidos também foram diferentes. Mas foi mesmo o “Esperança Sagrada”, porque contou com o meu ídolo, o Dabs. Na música “Meninas de hoje”, cujo original é de Massano Júnior, a programação foi feita por Dabs e então imagina a minha satisfação ao trabalhar com uma pessoa que sempre admirei.

O retorno do CD foi o esperado?
Sim! Ganhei o prémio Semba do Ano, Arranjista do Ano e outros prémios. Tem músicas como “Princesa Rita”, que fiz com o Grace Évora.

O que espera do novo CD “Caló & Amigos”, que chega às bancas agora em Dezembro?
Dia 14 de Dezembro está no mercado e os grandes retornos já comecei a receber antes mesmo de o álbum sair. Eu começo a receber o retorno a partir do momento em que os artistas que estão a trabalhar comigo manifestam satisfação pelo trabalho que fazem.

O que nos traz de novo neste disco?
Um merengue produzido com os integrantes da banda de Juan Luís Guerra. Em termos de participação, tenho o Matias Damásio, Konde, Camilo Júnior, Kito Nogueira, Guillou, Mário Xicote, ambos antilhanos, Juka, Roger e Philip Monteiro. Na vertente instrumental, conto com Frederic Caracas, Stefan Castro, Dalú Roger, Alex Samba, Pedrito, entre outros nacionais e estrangeiros. É um disco com elevado grau de qualidade, em termos de sonoridade.

Porquê levou tanto tempo a concluir? O estatuto de grande produtor ainda não lhe garante patrocínios com alguma tranquilidade?
O longo espaço de tempo entre um disco e outro tem muito a ver com o facto de procurar ser um perfeccionista em relação ao trabalho que faço. Tive o privilégio de ter muito patrocínio neste trabalho. Deus abriu-me as portas e patrocínios não faltaram para uma obra que vai mexer com o mercado musical angolano.

Este CD sai com a chancela da AQ Produções, Quebra Galho ou mudaste de ares?
A produção é Quebra Galho Music e a edição e distribuição é da AQ Produções e do Clube Mais.

A tua carreira é cheia de actos nobres, mas há um lado meio polémico. Assumes-te como cantor gospel ou apenas fazes esporadicamente temas para exaltar a Deus?
Sou um artista que nas minhas músicas faço tudo, aliás é prioridade, para exaltar os feitos de Deus sobre a minha vida. É através da música que passo o testemunho. Cabe a quem ouve as minhas músicas tirar as conclusões, se sou ou não um artista góspel.

Outra polémica que te envolve, enquanto produtor, é seres ou não instrumentista. Há quem diga que és apenas um programador. O que dizes sobre isto?
Instrumentista! Toco teclado e vários instrumentos de percussão. Sei também programar.

Foi esta prova de versatilidade que deste no teu primeiro e único show de carreira ao vivo, em 2009?
A prova foi dada no dia deste espectáculo. Ajudou-me muito, porque quem tinha dúvidas na altura ficou a saber que o Caló Pascoal também sabe mexer em vários instrumentos musicais. Sei tocar, à minha maneira, mas sei.

O peso do teu nome faz de ti um produtor caro?
Não! O máximo que cobrei por uma música foi 6 mil dólares. Olha que eu já paguei mais do que 6 mil dólares por uma música. O processo de gravação, às vezes, exige muito mais do que o previsto e por uma questão de segurança é sempre bom ter valores extras. Faço músicas de 500 dólares e pessoas que procuram por mim e eu trato do disco sem cobrar nada. O álbum da Gizela Silva foi totalmente custeado por mim. São valores cobrados pelo resultado que se espera e não pelo nome. O que mais interessa é o resultado.

O que pretendes atingir com os projectos “Caló & Amigos” e “Eu e Elas”?
O Caló & Amigos é documento. É passagem de testemunho. Serve para mostrar que o Caló tem boas relações com todos os artistas angolanos. E mais. Gravar com estes artistas é aprender.

O volume dois do “Eu e Elas” sai ou morreu?
Sai em 2015. É um projecto criado para ajudar jovens que queiram movimentar-se no mercado musical. Está nesta altura em fase de selecção.

A sua carreira a solo terá novos trabalhos em breve ou ficas por estes projectos colectivos?
O meu quarto álbum a solo vai sair. Estava preocupado com a minha formação. O disco vem em versão de semba.

Falando em semba. Como encaras a música feita actualmente no país, sobretudo pela nova geração?
Está numa fase evolutiva e com muito mercado. Acredito que o esforço feito é salutar e tem estado a contribuir para que a música angolana ganhe cada vez mais espaço no mercado nacional e internacional. Com mais união e parcerias vamos conseguir atingir outros mercados.

Quais as maiores fraquezas dos nossos profissionais?
Não consigo encontrar fraquezas. Agora acho essencial que se preste maior atenção e apoio aos artistas, como forma de incentivo e de reconhecimento. Fazemos um trabalho que tem estado a contribuir bastante para a divulgação da imagem de Angola no exterior. É verdade que o Estado tem feito muito em prol da classe artística angolana, mas pode e deve fazer ainda mais. Promover parcerias, apoiar projectos particulares, porque é caro fazer música.

Como estamos em termos de produção e edição?
A produção é satisfatória e felizmente é acompanhada com a devida qualidade. Ganha o público, porque há produto com qualidade e em grande número.

É salutar a publicação de tantos discos por mês sem ter em conta o devido rigor na concepção das letras?
É salutar, porque há espaço para todo mundo. Neste mercado cada um de nós só pode dar o melhor de si e fazer a sua parte.

Com tudo isto, como projectar a música angolana nos próximos cinco, dez anos? Isto passa por um melhor relacionamento entre a antiga e a nova geração?
É importante o surgimento de mais escolas de música. Mais salas de espectáculos farão que o público e os músicos ganhem também o seu mercado. É também necessário criar uma indústria de música.

Já para encerrar essa interactiva conversa, faça-nos um auto retrato do Caló, fora dos palcos.
É uma pessoa sorridente, que gosta de brincar, divertir-se e é amigo dos seus amigos. Nasceu no Marçal e está a terminar a licenciatura em direito. É pregador.

Caló Pascoal lançou o seu primeiro disco a solo em 2002, com o título “Fé”, que teve como destaque os temas “Está Amarrado” e “Onde Estás Rosita”. Em 2005 publicou o segundo álbum intitulado “Santa Mariazinha”, que integrou as músicas “Fim do Mundo”, “Titiriti”, “Água da Chuva”, “Kizomba da Madrugada”, “Manteiga”, “Quebra Galho" e outros. Em 2007, Caló Pascoal lançou o disco “Eu e Elas”, uma parceria com nove vozes femininas. Um ano mais tarde coloca no mercado “Esperança Sagrada”, cujo destaque foi a canção “Meninas de Hoje”, original de Massano Júnior.