Luanda - Durante a semana que terminou vieram a nossa redação as esposas de alguns dos réus do caso “Quim Ribeiro”. Dentre elas, ouvimos primeiro a senhora Luzia Batalha, esposa do Comandante Quim Ribeiro que começou por responder as nossas perguntas:

Fonte: Club-k.net 

Club-K: Desde a primeira hora que vocês diziam que não confiavam na justiça que estava a ser feita pelo Supremo Tribunal Militar, pode explicar as razões deste vosso sentimento?

Luiza Batalha ‐ Não confiávamos e não confiamos porque deste o inicio deste processo que a própria PGR e a Procuradoria Militar foram fabricando provas, coagindo inicialmente os arguidos a acusarem o meu marido, prometendo em troca a liberdade dos mesmos. Felizmente, como o meu marido sempre foi um homem de bem, que sempre tratou bem os seus subordinados, dentre eles o próprio Augusto Viana que era tido e tratado como um filho em nossa casa, inclusive quando esteve doente foi o meu marido quem o enviou para África do Sul para ser tratado e acompanhado por um dos meus filhos, não aceitaram e mantiveram‐se firmes. Só́ mesmo Viana é quem se bandeou em troca da liberdade e outras promessas que lhe foram feitas. A verdade pode demorar, mas ela virá sempre ao de cima. O caso Kamulingue é o sinal mais visível desta verdade que me refiro.

Além disso, durante o julgamento na Marinha que nós acompanhamos, mesmo nós que não estudamos direito, demos conta das falcatruas que mais do que simples irregularidades eram barbaridades, como por exemplo, um declarante que dizem que foi ouvido na PGR, mas a acusação que foi lida em tribunal, nem sequer sabiam o nome dele completo, mas conhecido apenas por Paixão. Outro caso mais flagrante, foi o da testemunha que queriam fabricar para vir dizer que foram os réus fulano e beltrano que mataram Joãozinho e Mizalaque, que nem sabia o seu nome, tão pouco a sua data de nascimento. No processo chamava‐se Pacheco António Ginca Manuel e no Tribunal apareceu mais tarde com documentos em nome de Pacheco António Ginga com outra data de nascimento. O mesmo foi registado antes, mas voltou com um novo registo que tudo indica que foi feito por elementos ligados aos órgãos de justiça militar, já́ que em Angola não é possível um cidadão comum registar‐se no mesmo dia, receber o assento e tratar o bilhete de identidade.

Os nossos advogados não aceitaram que o mesmo fosse ouvido o Tribunal ameaçou escrever para a Ordem dos Advogados, acusando‐os de má‐fé́ e de estarem a por em causa a lisura e a honra do Supremo Tribunal Militar. Mas no final e contra a corrente, já́ que para nós foi um tiro que deram no próprio pés, vieram dizer que a mesma testemunha já́ não seria ouvido para não por em causa a lisura e a honra do Tribunal. Afinal ficamos sem saber quem é que estava a pôr em causa a lisura e honra do STM, são os nossos advogados, ou os Juízes? E no meio desta salada russa, o Procurador Adão Adriano que foi um dos principais protagonistas desta cabala, veio defender que a testemunha por ser neto paterno de Francisco Manuel tem o direito de usar o apelido do seu avô paterno e que o erro e dos Serviços de Registo e Notariado e de Identificação Civil, quando o próprio Pacheco que inicialmente não sabia assinar, aparece a assinar com o nome apenas de Pacheco António Ginga. Como é que o próprio dono do nome não sabia o seu nome completo? Por outro lado, a mudança brusca de posição do Tribunal demonstrou que alguém de fora do mesmo (Tribunal) estava a conduzir o julgamento, só́ assim se entende que sempre que os advogados levantassem alguma questão, os Juízes interrompiam a sessão, para consulta. Então se eles é que eram os juízes e estavam sempre todos lá́ na sala, precisavam de ir consultar mais quem?

Mas a decisão do Tribunal foi confirmada pelo Plenário do Supremo Tribunal que deu como provadas as acusações feitas ao seu marido e pares, no sentido de que foram eles que praticaram os actos de que foram acusados e condenados?

 Não há́ seriedade, nem imparcialidade nesta decisão, até́ porque os procuradores e os Juízes militares são todos compadres e sócios de varias empresas. Estão lembrados que em tempos idos um jornal privado que já́ não me lembro veio estampar o pacto social de EMAXICOM, que dizia que o General Patonio – Presidente do Tribuna Supremo Militar e o General João Maria de Sousa –

Procurador Geral da República são sócios nessa mesma empresa com uns indianos. Que justiça imparcial se pode esperar daí se os chefes máximos das instituições que acusa e julga/condena são sócios em vários projectos empresariais e o pedido de um é uma ordem para o outro, já́ que a PGR tinha todo o interesse de fazer vincar a sua versão dos factos a todo o custo.

Não se esperava outra decisão senão o agravamento como sanção pelo facto de réus terem recorrido, como se de um desafio às instancias judiciais militares se tratasse, já́ que os juízes são os mesmos.

O Camarada Presidente, na sua qualidade de Comandante‐Em‐Chefe das FAA, deveria mandar inquirir por pessoas serias e íntegras, mas conhecedoras da matéria e dos meandros da justiça militar, tenho a certeza que se assustaria com o resultado.

Digo que a condenação do meu marido e seus companheiros foi injusta porque o real motivo que está por detrás disso não é a morte de Joãozinho e Mizalaque, até́ porque não existem neste processo provas de que foi o meu marido e pares que os mataram, e afirmo porque acompanhei o julgamento desde o principio até́ ao fim. E não apareceu ninguém naquela sala a dizer que Quim Ribeiro mandou matar esta ou aquela pessoa com excepção da dita testemunha chave que eles fabricaram, Augusto Viana. Como se pode acreditar numa pessoa que até́ existem mais provas no processo contra ele, Augusto Viana, que no fundo também só́ quis safar a sua pele? Aliás, só́ para clarificar melhor esta questão, gostaria de citar apenas um episódio que se passou no Tribunal. O Subcomissário Tiago Caliva e Superintendente‐chefe Nogueira, que foram ouvidos em audiência por terem integrado a Comissão de Inquérito criada pelo então Ministro do Interior, Camarada N’gongo, como resultado da denuncia apresentada na altura por um anónimo que depois se veio saber que era o Joãozinho, embora falsificando assinatura de agentes da esquadra de Viana que negaram terem assinado tal carta, confirmaram em tribunal que nas três ocasiões que ouviram o Joãozinho na Comissão de Inquérito, em momento algum ele o falecido Joãozinho disse que o Quim Ribeiro lhe estava a perseguir e mais, o senhor Caliva disse mesmo que no terceiro momento quando lhe ouviram na cadeia de Viana, o Joãozinho disse‐lhes que estava a pressentir que quando saísse da cadeia seria morto e quem lhe iria matar se chama Augusto Viana. E isto ficou escrito nas actas do julgamento, mas o tribunal nada fez, antes pelo contrario, protegeu Viana. Para além de outras situações em que ele foi desmentido por outros declarantes, como o Felisberto e o Jesus, que foi Viana quem mandou prender o Jesus quando foi denunciar que os seus homens tinham desviado dinheiros apreendidos.

Então qual é a verdadeira história que esta por detrás da desgraça do seu marido e pares?

Olha é uma história muito longa, que espero que vocês tenham mesmo paciência para me ouvirem em resumo.

A verdadeira causa da prisão do meu marido e colegas reside no facto de eles terem na altura intensificado o combate ao trafico de drogas, cumprindo com uma orientação do Camarada Presidente. E o meu marido estava a concluir um levantamento operativo dos principais líderes do trafico de drogas em Angola para depois entregar ao Presidente da República. Houve fuga de informação e as pessoas visadas tomaram conhecimento e então criaram esta situação para tirarem o meu marido de circulação e conseguiram. Por isso é que eu pessoalmente já́ tentei pedir uma audiência com o Presidente José́ Eduardo dos Santos, mas encontro barreiras em todas as direcções porque ninguém quer que a verdade chegue ao Chefe de Estado. É uma pena porque esta verdade virá sempre ao de cima, que pode ser tarde, isto é, depois de destruírem um quadro que sempre serviu e continua a servir o pais com abnegação, porque senão no desespero em que está a ser acometido teria divulgado estes nomes. Mas ainda que matem o meu marido, nós temos tudo bem guardado e se acontecer alguma coisa com ele os nomes irão parar até́ as instancias internacionais de combate ao narcotráfico. Algumas destas pessoas não satisfeitas com o que já́ fizeram continuam a perseguir‐nos. Mas estas pessoas que se lembrem do que aconteceu aos narcotraficantes da Guiné‐Bissau, onde foram mesmo lhes buscar para serem presos e julgados nos Estados Unidos da América.

A morte de Joãozinho foi apenas um álibi, para afastarem o Quim. Esta a verdadeira causa da desgraça do meu marido. O senhor jornalista sabe quanto é que rende o negocio da droga em Angola? Não sabe? Veja, quando o meu marido era Comandante Provincial, só no aeroporto de Luanda prendiam quase 100 kilos de droga por semana, isto dava perto de 400 quilos por mês. Desde que o Quim Ribeiro foi preso, nunca mais se prendeu droga no aeroporto ou se prendem são quantidades irrisórias. Será́ que deixaram de meter droga em Angola ou agora essa entrada de droga está protegida pelo polícia. Cada quilo de droga vende‐se no mercado do trafico a 20 mil dólares. Se multiplicar 400 quilos vezes 20 mil dólares isso dá 8.000.000,00 USD. (oito milhões de dólares americanos) por mês. Esta é a verdadeira razão da prisão e condenação do Quim Ribeiro e seus subordinados. A máfia já́ funciona em Angola e é muito forte. No processo do meu marido há́ advogados que fugiram.

O Dr. Sérgio Raimundo e seus companheiros de escritório sofreram muita pressão e atentados, mas felizmente para nós não desistiram e não vão desistir ainda que tenhamos que levar este caso as instâncias internacionais para denunciar as atrocidades da nossa justiça. Até́ o Tribunal Constitucional entrou nesta jogada suja. Leiam o Acórdão no336/2014 e peça a um especialista em direito constitucional neutro para comentar e não tenho duvida que será́ vergonhoso ouvir ou ler o que este especialista vai dizer ou escrever sobre o mesmo. Mais de que uma vergonha para a nossa justiça é um atentado a classe dos intelectuais deste país. É chamar toda a gente deste país de burros. Isto até é desprestigiante para as pessoas que o assinaram, muitos dos quais dizem‐se académicos ou professores de direito. É oportunidade para perguntar as quantas anda o ensino do direito em Angola. Os estrangeiros que lerem este acórdão vão sem dúvida se interrogar, se os juristas daquele país que em princípio devem ser os “melhores” escrevem tão mal e dizem baboseiras, o resto lá em baixo como é que estão?

A senhora e a sua família até́ agora são perseguidos?

 Somos sim perseguidos. Até́ há́ entidades que estão a pressionar para afundarem mais o meu marido, porque acham que ainda não conseguiram o que queriam, querem é silencia‐lo. Porque têm medo do Quim enquanto estiver vivo pois receiam que um dia ele revele os nomes dos líderes do narcotráfico em Angola. Algumas destas figuras até já são conhecidas até pelas crianças na rua. O que eles queriam mesmo era verem o Quim morto antes do julgamento e nessa altura aqueles coitados que foram presos só para florear o caso, estariam soltos a muito tempo. É pena que se deixam sacrificar pessoas inocentes e ninguém faz nada.

Esta máfia vai se tornando perigosa que se o próprio Presidente não despertar cedo poderá ser vitima desta mesma máfia.

Eu e meu marido fomos alvo de um atentado no dia 16 de Dezembro de 2010. As pessoas que assim procederam estão bem identificadas e a instituição a que pertencem também estão identificadas. A polícia e os serviços de inteligência apareceram no terreno, apreenderam meios deixados no terreno, incluindo uma viatura. Nós temos a cópia do auto de apreensão, posso mostrar, mas até aqui não há́ processo, porque se prendessem estas pessoas diriam quem lhes mandou.

Hoje estou arrependida de ter pedido de joelhos ao nosso advogado, Dr. Sérgio Raimundo que apareceu no local e queria chamar de imediato a imprensa para denunciar e apresentar as provas, para não fazer aquilo. Naquela altura várias entidades ligaram para o meu marido, até o então Ministro do Interior, Sebastião Martins, a pedirem para não chamarmos a imprensa porque diziam que isto iria prejudicar o meu marido. Escondemos como prova de defesa um chapéu câmara, que presumo ser da segurança, porque os bandidos não utilizam estes meios, que os assaltantes usaram para filmar o nosso trajecto porque seguiam‐nos da nossa casa na Samba até próximo da casa de um dos nossos filhos, defronte ao Lar do Patriota. Mas fomos obrigados a entregar porque até ameaçaram o meu marido que se não entregasse seria processado disciplinarmente por estar a obstruir a justiça.

Mas agora pergunto, quem está afinal a obstruir a justiça?

O Tribunal Constitucional também confirmou que não ouve irregularidades na tramitacao do processo, o que é que lhe oferece dizer sobre isso?

Lamentavelmente, aquela decisao contraria a própria Constituição. O nosso advogado por decisao dos familiares solicitou um parecer a um professor de direito em Portugal, que vos posso fornecer uma cópia para confirmarem o que lhes estou a dizer. Isto é uma pouca‐vergonha para a justiça do país. Os estrangeiros riem‐se de nós quando vêem um Tribunal com as responsabilidades que tem um Tribunal Constitucional, e que em princípio devem la estar os melhores juristas do pais, escreverem aquelas barbaridades. Penso que se fosse algum escritorio ligado a estes juizes a tratar do assunto eles teriam declarado inconstitucional, mas como foi outro escritorio eles pura e simplesmente chumbaram.

Já não sabemos a quem confiar, tirando o Presidente da Republica, que também tem sido enganado, com informações falsas. Tentamos uma audiencia com o Presidente da República, mas as portas foram fechadas, porque não querem que a verdade chegue a ele. Até pessoas que no passado diziam ser amigos e parentes, agora até viraram‐nos as costas. Mas ainda temos fé que a verdade de uma forma ou de outra chegara pois, a justiça dos homens pode falhar, mas a de Deus esta nunca falha.

Nas próximas edições apresentaremos a entrevista da esposa de mais um dos réus do caso Quim Ribeiro, dada a importância e extensão das mesmas.