Luanda - "Este quadro [de descida do preço do petróleo] demandará para a economia angolana um exercício de austeridade e repriorização na despesa pública, para assegurar a sustentabilidade da agenda de desenvolvimento, assim como demandará uma acentuada racionalidade da parte de todos os agentes económicos (incluindo as famílias e empresas)".

Fonte: Espansão

O parágrafo anterior foi retirado de uma das Notícias em Destaque do sítio da Internet do Ministério das Finanças (MinFin), publicada no dia 29 de Novembro, dois dias após a reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) que decidiu manter as actuais quotas de produção de 30 milhões de barris por dia do cartel.

O petróleo passou para uma "nova faixa de preços, entre os 70 USD e os 90 USD" o barril, analisa o Ministério liderado por Armando Manuel, que aponta dois cenários. Se o crescimento global permanecer "estagnado", o petróleo irá permanecer na "zona inferior" da faixa. Se o crescimento, liderado pelos EUA, "recuperar o dinamismo", os preços do petróleo poderão passar para a "secção superior" da faixa de preços. A proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) 2015 foi elaborada com base num preço do petróleo de 81 USD.

Vários entre os principais produtores de petróleo "enfrentarão défices orçamentais" resultantes dos preços de petróleo mais baixos, vaticina o MinFin. Outros, como a Arábia Saudita, podem "suportar melhor" os preços de petróleo mais baixos, mas a pressão irá aumentar na OPEP se os preços descerem ainda mais, admite o MinFin.

O novo discurso oficial contrasta com o adoptado imediatamente a seguir à apresentação da proposta de OGE para 2015 na Assembleia Nacional (AN).

"O presente Orçamento é caracterizado por políticas anticíclicas, que procuram não permitir que a economia atinja um estágio de recessão", garantiu Armando Manuel, ao mesmo tempo que apelava a uma maior racionalidade dos angolanos nos seus consumos.

"Quando um agente económico é racional no seu consumo, ele poupa recursos, e esses recursos serão dedicados a necessidades prioritárias, serão dedicados a investimentos", justificou o ministro.

Se há coisa que a proposta de OGE, em discussão na especialidade nas comissões da AN, não é, é poupadora. Pelo contrário. Em 2015, o Estado propôs gastar mais 1 bilião Kz - cerca de 10 mil milhões USD para os menos familiarizados com a moeda nacional - do que vai arrecadar, criando o maior défice nominal da história de Angola.

Uma das métricas que os economistas utilizam para avaliar o expansionismo de um orçamento é comparar o aumento da despesa com o aumento do produto interno bruto (PIB). Segundo a proposta de OGE 2015, a despesa pública aumenta 835,1 mil milhões Kz, enquanto a produção de bens e serviços finais sobe apenas 767,7 mil milhões Kz. Ou seja, por cada 100 Kz de aumento do PIB, a despesa pública aumenta cerca de 110 Kz.

E não é só por causa do investimento que as contas públicas derrapam. Excluindo activos financeiros, os gastos do Estado em 2015 dão um pulo de quase 20%, impulsionados pelo investimento, que dispara mais de 29%, mas também pela despesa corrente, que sobe uns expressivos 16%.

A desculpa era não permitir que a economia entrasse em recessão. Até posso concordar. Sou defensor de uma política orçamental anticíclica. No caso de Angola, isso quer dizer poupar quando o petróleo está alto e aproveitar essas poupanças para não cortar muito nas despesas quando o petróleo está baixo.

O problema é que o Governo não poupa quando o petróleo está alto e depois tem de se endividar para poder gastar quando o petróleo desce.

Faz o que eu digo, não faças o que eu faço parecia ser o lema do Governo, pelo menos a avaliar pela documento entregue na AN. Digo parecia, porque, após a reunião da OPEP que deprimiu ainda mais o peço do petróleo, o discurso mudou.

A palavra austeridade passou a fazer parte do léxico do Ministério das Finanças. Bem- -vindo à realidade, sr. ministro.

O cair na real do Governo constitui um progresso relativamente ao que aconteceu em 2008. Aquando da última queda abrupta do petróleo, o Executivo demorou a reagir. Talvez por 2008 ter sido ano de eleições e o Governo não ter querido dar o braço a torcer, só no final de 2009, com a entrada do Fundo Monetário Internacional, a política orçamental entrou na linha.

Mas cair na real só no discurso não chega.

É preciso ser consequente. Ser consequente significa mudar o OGE para 2015. O ideal seria alterar a proposta em discussão na AN. Mas, se isso não for possível, o Governo deveria pensar em apresentar ao Parlamento, quanto antes, um orçamento rectificativo mais consentâneo com a realidade actual do mercado petrolífero, ou seja, mais austero.